[artur pereira]
 
 
 
 
 
 
 

Adélia Prado

Saudação



Ave, Maria!

Ave, carne florescida em Jesus.

Ave, silêncio radioso,

urdidura de paciência

onde Deus fez seu amor inteligível!



Adélia Prado

Na Germina

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Ademir Demarchi

Cinco desaforismos e um poema sem nada no bolso



*



natal

apita o chester

dourado peito de cristo




*



antes do natal

o advento do empacotamento

de cristo




*



etiqueta

o corpo de cristo 

é fabricado

na china




*



natal

missa online

dízimo a pix

na paróquia do cristo customizado




*



natal pobre

sem panetone

nem cobre

só roído t-bone







Poema do Natal com Bolso sem nada no bolso



só poema lixo cada palavra um esganiço

natal é dia de desmaiar de fome diante das árvores públicas de natal 

dia de correr pras unidades de saúde ver se rola soprinho na veia uau

já não dá pra comprar osso de segunda que se dirá de primeira

o natal é um dia de morte

nem frango pra disfarçar de peru

todo dia a gente tem que ir pro lixo catar o que comer

quando o caminhão chega tem que correr

ser ligeiro e esperto pra chegar no osso

o que dá a gente come pra não carregar no bolso

panetone de natal quem nos dá é o lixo

a gente é otimista tem gente generosa

que põe no lixo uns pedaços de filé

o país aumentou a safra de grãos em 14%

os caminhões vão passar nas estradas blindados

metade da população come uma ou duas vezes por dia 

só 9% passam fome bem menos que a comissão dos deputados

dom helder se fala de fome é chamado cristão

se fala do que causa é xingado comunistão

jesus vai voltar

dizem que talvez no ano que vem

ou no outro pode ser que também

é preciso ter fé

esperar em pé

sem lugar pra sentar vou deitar

assim desse jeito que a vida é



Ademir Demarchi

Na Germina

> Poesia







Adriane Garcia

Auto de Natal



Ave-Maria cheia de Graça

O Senhor é convosco

Qual matrioskas nasceu Maria

De Maria de Maria de Maria

Das galés


De parteiras

De Marias

Maria solta um berro

De bezerro que bebia

Mais leite do que Maria


Ave! Nasceu!

Na luz anônima de março

Sem estrela, Maria

É de pesado astro


Galinhas, pintinhos

Vaca, boi, pinheiro

Não é dezembro e os reis

Magos, magros

São os tempos


Maria envolta em andrajos

Manta puída, mãe de vento

Vai para o colo de outra

E outra e outra:

Matrioskas


Maria longe do peito

Maria fazendo escala

Maria Belém fugindo

Herodes com seu buraco

Fome, fomes, Maria

Maria, a mãe, onde está?


Nem ouro, incenso ou mirra

Nem mesmo um boi-bumbá

Estrelado somente o dia

A secar Maria, a secar

À noite Maria molha

O colchão e os modos

De olhar


Maria mijona, Maria chorona

Maria incômodo mar

Ave! Um anjo, Maria

Não tarda a vir consolar


E Maria monta um presépio

Bota um menino no altar


Maria crescendo quer dar à luz

Um homem,

Mas no escuro vem

Maria

De Maria, de Maria, de Maria

De Maria,

Das galés.



Adriane Garcia

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> Poesia







Adriano Lobão Aragão

Noite de dezembro



as cinco almas desta família

reunidas no silêncio da noite

celebram sua incômoda comunhão

no rascunho de sorrisos frios

repetidos nos gestos de comer e beber


no entanto é noite de dezembro

o avô morto há duas décadas

permanece jantando na mesa vazia

indiferente aos olhares das crianças



Adriano Lobão Aragão

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> Poesia







Afonso Guerra-Baião

Folia de Rei

(Herod's Christmas)





Afonso Guerra-Baião

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> Poesia







Alberto da Cunha Melo [1942-2007]

2 poemas



Natal



Longe do Olimpo, um deus nascia

roxo, a gritar, como os humanos,

um deus sem flâmulas nascia,

para os perdidos e os insanos;


nada tinha do deus heleno

o deus menino sobre o feno,


era um deusinho de brinquedo

no quintal do Império Romano,

era o deus do povo com medo,


um deus sem sorte, palestino,

e sem teto, desde menino.







Apresentação do Natal



Anunciado desde a época

das grandes tribos, das roupagens

amplas e soltas do deserto

e antes do Cântico dos Cânticos.


Visto sob a forma de pombo

no alto cajueiro do pátio

ocidental, e sobre as tábuas

extraviadas dos mandamentos.


Pressentido no levantar

das lonas, para as litanias

dos salmos nos acampamentos

e na cruz loura da manhã.


Arauta se propaga a voz

alta na túnica dos ventos:

o Primogênito do Gólgota

será coroado e despido.


Mas, não agora que devemos

leve cobri-lo, e coroá-lo

só de avelãs. Hoje somente

basta que seja uma criança.



Alberto da Cunha Melo

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Alê Motta

Lembrança de Natal



Minha mãe separava as louças e os enfeites para usar na mesa de Natal quando chegou a notícia. Jogaram o carro do meu avô barranco abaixo.

Na cidade o boato era sobre a vingança do marido da sua amante. Meu avô nunca brincou comigo, era violento com minha avó e antipático com família e vizinhos. Ninguém fez questão de esclarecimento.


Eu era pirralho e não fui ao enterro. Fiquei brincando com um carrinho de plástico que ganhei da minha mãe.

Nunca senti falta do meu avô. Só senti falta das rabanadas naquele Natal. Com velório e enterro não deu tempo para a minha avó terminá-las.



Alê Motta

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> Minicontos







Alexandre César

Ovíparo Cristo



O Peru gluglua para lua na véspera de natal

Com pernas patéticas de pau

Como um lobo com penas e sem dentes

Esse ovíparo cristo moribundo

Cavalgando séculos segundos

Sem ter dindja, money, verba

Como um pônei palerma

Se entrega assado uma esperança para o mundo

O seu coração, um vermelho pino saltitante

Vem sanar a humanidade com seu sangue

Da gula sacra da fraternidade

Essa pavonesca potestade

O peito, a coxa, o divino tinto encanto

Uma trindade

É o deus Peru pro seu rebanho.



Alexandre César

Na Web

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Alícia Duarte Penna

Natais



Para minha mãe, para a mãe do Rai



mas já é natal? indagava às vitrines de aves e bolas intumescidas

que resultariam em mais e mais excedentes e hino algum

naquele século que já não aguentava mais,

ela, vinda de 1922 ou, antes, entre Rosália, Mariquinhas e Zazá,

do XIX até o XXI, àquela Rua do Ouro desfigurada onde se perdeu,

à mão a justa sacola apenas algumas gramas além da fome,

em firme embora íntima oposição.

E, sobre a mesa, lisa, naquela casa,

um galho seco pintado de branco,

um bolo de gelo e lírios amarelos:

ao inefável.



Alícia Duarte Penna

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> Quem é.







Allysson Gudu

Continho de Natal



Então é Natal?

Parece carnaval!


Nada de data especial é uma data comercial!


O Papai Noel da modernidade, tipo gerente de banco

Usa gravata, banca mimos, ajusta créditos...

Bajulando os homens brancos.


Não há, na tal conjuntura capitali$ta do mundo,

Espírito solidário para os que estão sem salário.



[dezembro, 2021]



Allysson Gudu

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> Poesia







Ana Caetano

natal



no inverno

do norte

o natal

sempre foi

um tempo

de deuses

imponentes

apolo

saturno

e da vitória do sol

sobre a escuridão

mas ao sul

do hemisfério

o deus menino

passeia displicente

na luz do verão

tem alma rebelde

sotaque ordinário

e bodoque

na palma

da mão



[dezembro, 2021]



Ana Caetano

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> Poesia







Anelito de Oliveira

Escrito sobre um paletó plebeu



Alguém pode estar morrendo agora e você não sabe nada.

Você não quer saber de nada além da sua conta bancária.

A vida está sempre em risco e você continua no seu quadrado.

Você acha que as pessoas podem esperar naquele lugar,

Num outro lado, naquele país, naquela cidade, naquela rua,

Lá onde você nunca estará. Mesmo morando lá, você nunca

Tem tempo para estar com ninguém, para se lembrar de

Alguém, para encontrar uma pessoa com suas fragilidades.


A morte de quem quer que seja não lhe toca o fundo vão.

Há muito tempo você se esqueceu que pessoas morrem, que

Pessoas nascem, vivem e morrem — e antes da morte em si

Sofrem muito. Esqueceu-se que antes da morte, dentro da vida,

Há o sofrimento. Você sequer se lembra o que quer dizer isso.

As pessoas sofrem porque são canceladas, porque são esquecidas

Ainda vivas, porque são descartadas como qualquer adereço

Sem utilidade nenhuma num mundo cinicamente customizado.


Aquele velho paletó que lhe vem à cabeça quando começa

A esfriar! Sobretudo quando começa a esfriar em dias

Pré-natalinos. Nesses dias em que até as árvores, sobretudo

As árvores, sentem pena de humanos. Aquele velho paletó que

Foi do seu avô, do seu pai, do seu irmão. Você se contorce diante

Da simples ideia remota de voltar a usar aquele paletó plebeu.

O veludo, as listras amarelas, vermelhas, azuis, verdes. Ah,

Que marmota! Que folião! Que lavrador! Que palhaço!


Encontrar sua infância, sua adolescência, sua pobreza, nosso

Passado, o século vinte! Encontrar uma história onde pessoas

Nasciam, cresciam, adoeciam, sofriam e morriam, nossa! Aquele

Mundo onde ninguém tinha login, onde a morte era real e,

Por isso, precisávamos encontrar consolo no outro, no seu corpo,

Na sua voz, nos seus ouvidos, nos seus braços, no seu olhar tão

Desenganado como o do seu semelhante. O outro era o porto,

A casa, quando viver era estar lançado num mar sempre revolto.


Tudo isso desperta uma vergonha enorme em você. Como é

Difícil falar disso! Ninguém curte, compartilha, elege, premia.

Você não quer falar de nada além do que todo mundo sabe.

Uma pessoa que morre em qualquer lugar é como um paletó

Velho, listrado, que já estava sepultado havia muito tempo.

O paletó que foi o seu abrigo afetivo tantas vezes numa outra

Vida, repleto de sentidos vibrantes, de autêntica ternura,

É o lugar onde você não cabe mais com sua digital arrogância.



Anelito de Oliveira

Na Web

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Antonio Aílton

Dezembro ausente



Ao lado do sofá da morta:

arvorezinha iluminada de vermelho e âmbar

envolta

num pisca-pisca de 16 tonalidades

e 8 alternâncias que mudam automaticamente

guirlandinhas, canutilhos, velhotes rechonchudos

rindo

por entre as filifolhas

anjinhos anunciando a chegada de algum salvador

e bolinhas multicores de vidro resinas bordados ocre

embaixo, pacotinhos simulados de finos presentes

cercam a presepada de ovelhinhas e deidades


o resto você já sabe

para qualquer arvorezinha de natal

cada um deveria cuidar de sua própria lógica



Antonio Aílton

Na Germina

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