[Publicado  originalmente no livro de estreia do poeta, Festim — um desconcerto de  música plástica (Ed. Orikis, 1992), o poema passou por um processo de  reimaginação que envolveu "escanagem" + impressão a jato de tinta +  fotografia digital]
           
           
          Ricardo Aleixo
          Na Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Ricardo Domeneck
          Carta ao pai
           
           
          Agora que o senhor
          mais assemelha  pedaço
          de carne com dois  olhos
          dirigidos ao teto  escuro
          no leito em que  provável
          só não há-de morrer  só
          porque nem a  própria
          saliva poderá  engolir
          por si na companhia
          somente desta sonda
          que o alimenta
          me pergunto se  ainda
          em validade a  proibição
          da mãe em confessar
          ao senhor os  hábitos
          amorosos das  mucosas
          que são minhas
          e se deveras me  amaria
          tanto menos  soubesse
          quanta fricção já  tiveram
          que não lhes cabia
          biológica ou  religiosa
          -mente e se também
          pediria para sua filhoa
          a morte que desejou
          a tantos de minha  laia
          quando surgiam na  tela
          da Globo da Record
          da Manchete do SBT
          que sempre  constituíram
          seu cordão  umbilical
          com a tradição
          e se deveras faria
          sobrevir a eles
          grande destruição
          pela violência
          com que urrava
          seus xingamentos
          típicos de macho
          nascido no interior
          desse país de  machos
          interiores e  quebrados
          em seus orgulhos  falhos
          de crer que o pai
          é o que abarrota
          geladeiras e não  deixa
          que falte à mesa
          o alimento que  nutre
          as mesmas mucosas
          em que corre
          o seu sangue
          mas não seu Deus
          e ora neste leito  partido
          o cérebro em veias
          como riachos  insistentes
          em correr
          fora das margens
          se o senhor
          soubesse o dolo
          com que manchei
          a mesa
          de todos os  patriarcas
          ainda pergunto-me
          se me receberia
          com a mansidão
          que aceita na testa
          o beijo desta sua  filhoa
          que nada mais é
          que a sua imagem
          e semelhança  invertidas
          tal espelho
          que refletisse  opostos
          de gênero e  religião
          ou o desenho
          animado na infância
          de uma Sala de  Justiça
          onde numa tela
          podia-se observar
          um mundo ao avesso
          e se o Pai e o pai
          odeiam deveras
          o gerado nas normas
          da Biologia e  Religião
          mais tarde porém  gerido
          na transgressão das  leis
          que o Pai e o pai
          impõem-nos na  ciência
          de sermos todos  falhos
          nessa Terra onde  procriar
          é tão frequente
          que gere prazer
          nenhum e olho
          o senhor
          com essas pupilas
          que talvez jamais
          reflitam o Pai
          mas ora veem o pai
          eu
          mesmo pedaço
          de carne
          com dois olhos
          peço perdão
          em silêncio
          pois sequer posso
          dizer que não
          mais há tempo
          e mesmo assim
          e porém
          e no entanto
          e contudo
          pelo medo adversativo
          de talvez abalar
          uma sistema  rudimentar
          de alicerces
          sob a casa
          sob o quarto
          sob esta cama
          de hospital
          emprestada
          escolho
          uma vez mais
          o silêncio
           
           
          Ricardo Domeneck
          Na Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Rodrigo de Souza Leão
          O Ciclone
           
           
          1
           
          o ciclone nasceu  sopro
          branco. o lago  tremeu no
          calafrio das  margens.
          venta. dentro de  uma
          concha (eu)  debuxava,
          entalhava o poema.
          tatuagem rupestre.  pontes
          se abrindo, pernas,  olhos,
          boca e tudo mais  que se
          abre meio enquanto  folha,
          estrela, pórtico,  ponte,
          átrio, portal.
           
           
           
          2
           
          aqui o vento faz a  curva e
          volta cardume:  vida, vinda
          em linhas e puçás.  silêncio
          e terror: sêmen.  tudo ciclo,
          fogo-fátuo, rictus.  doses de
          aiperon. vitral.  torpedos.
          chamas. cavalos de  crinas
          brancas. mucamas.
          caubóis. comboios.  joios.
          joias e círculos.  pulseiras e
          fitas do senhor de  bom
          fim, em cada início  e meio.
          o ciclone ejaculou  por
          todos os lugares.  no futuro,
          veria que os filhos  do
          ciclone eram todos  homens
          castrados por ele.
          prometeu  acorrentado.
           
           
           
          3
           
          riscar no vento,  esculpir na
          mobilidade.  preencher a
          inexistência com o  nada.
          buraco negro. num  átimo o
          grito agônico. como  se o
          ciclone varresse a
          primavera. vivia  comendo
          bisnagas de frio e  bebendo
          café-petróleo do  futuro.
          parece que tudo  aconteceu
          enquanto eu  penteava o
          cabelo. enquanto isso,  o
          mar cheio de  surfistas e
          poetas que se  beijavam
          conspirava contra a
          violência espúria  dos
          hipócritas.
           
           
           
          4
           
          será que um dia o  silêncio
          será ouvido, e  cravarei um
          punhal no peito da  morte?
          então, poderei  dizer das
          pegadas do fantasma
          chamado pai. ainda
          existem folhas  poluindo as
          palavras com  figuras de
          linguagem. tudo  poderia
          ser etéreo. tenho  feridas
          ciclônicas, agora  que
          acabei de conter o  ciclone
          dentro de uma  garrafa e o
          mandei para um  instituto
          meteorológico.  mandei
          junto (em attach)  uma outra
          mensagem feita de  nuvens
          coloridas e algodão
          amargo e pó-de-mico  e
          bicho-do-pé. que se  cocem
          em falésias  alcantiladas.
           
           
           
          5
           
          vejo um ciclope  cego e
          alguns anjos  correndo em
          esteiras  ergométricas. a
          branca de neve anda  de
          mãos dadas com o
          curupira. a emília  dá um
          chupão no mickey  mouse.
          fazem amor hércules  e o
          pintinho frajola.  enquanto
          isso, zé carioca  beija o
          capitão marvel.  contam-me
          histórias que não  sei se
          vivi. escarro para  o alto
          porque sou um  chafariz,
          chafurdo.
           
           
           
          6
           
          fogo amarelando o
          horizonte. sombras  são
          mulheres de preto  ou
          garças de luto. a  mendiga,
          cheia de latas,  figas e
          espelhos que  refletem
          imagens. a tarde  invade o
          sol, o mar e a  eternidade
          (soldados de  chumbo,
          presentes da  infância. as
          bonecas eram apenas
          mulheres do  falcon.) ouvi
          uivos dos castelos,  areias
          em minhas mãos.
           
           
           
          7
           
          tudo já feito, tudo  por
          fazer. toda minha  família
          estava no circo. os
          palhaços comiam  manga,
          engoliam o caroço e
          ficavam entalados,  voos de
          acrobatas. (quando
          acordei, com  pterodátilos,
          nova visão do  mundo.)
          soltei-me, e minha  família
          tinha ido toda  embora.
          tudo já dito, tudo  por dizer.
           
           
           
          7a
           
          ciclone clona  clones e a
          vela vela a velha e  ovelhas
          aquecem os lobos e  o
          cosmos come buracos  e
          haicai:  amordaçaram/o
          silêncio/ecoou.
           
           
           
          8
           
          ciclone, disco em  alta
          rotação. o vinil  virou
          cinzeiro, o ciclone  é em
          sensurround cospe  mantras
          em dolby estéreo.
           
           
          Rodrigo de Souza Leão
          Na Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Rogério Barbosa da  Silva
          Revisitações
          (ou flashes a partir do modernismo)
           
           
          I
           
          Salta-me de uma página
          a energia rítmica de um
          Cyclone
          a miss
          devorou no jantar
          a caralhada
          de bad boys
          da revolução
          ela
          a rainha do covil
          a frisson nouveau
           
          a antropófaga
           
           
           
          II
           
          Num país primitivo
          e quase sem tradição
          o poeta comia amendoim
           
          Era a volta no ponteiro
          dos desastres fatais
          amassados na saliva
          quente e melada;
          seiva acalentada
          em ritmos dissonantes
          de braços venturosos
           
          O poeta intuía
          sob o céu
          dos desconcertos
          um país outro
           
           
           
          *.*
           
          Neste agora,
          sob os mesmos trópicos
          vivemos cada um
          o próprio exílio
          diverso e excludente
          singular e coletivo
          massivo e seleto
          ao gosto e às ordens
          do freguês
          porque há muitas formas
          de despaisar-se
          ou ser posto
          fora
           
          Negro, homem
          e mulher
          mulato, gay
          ou branco pobre
          jovem sem futuro
          velho pé na cova
          criança abandonada
          curvados todos
          à desumana pátria 
          para poucos
          a do lucro acima de todos
          do contrassenso e mais valia
          "um litro de gasolina
          por cem gramas de feijão"
          reza a letra do samba
          e tem o moralismo vertido
          em roupa diária
           
          a civilidade não mora aqui
          O Brasil só tem canibal
          disse um outro cético
          sonho, mas é estranho
          haverá mesmo um país
          sob os escombros
          desse sol diário?
           
           
           
          III
           
          "Quem disse que não vivo satisfeito?
          Eu danço", falou Mário de Andrade.
           
          E eu queria mesmo
          é desfazer no mar
          da ubiquidade
          o meu amor
          sem elevador
          sem telefone
          telepresença 
          telegrama ou e-mail
           
          só o sentimento tátil
          quente e vibrátil
          que faz dançar
          num mesmo ritmo
          sem distância
          sem mesmo um laivo
          que seja de bronca
           
           
           
          IV
           
          Novas balas de estalo
           
          A vida é louca
          e muitos anseiam por um meteoro
          tudo pode acabar num instante
          história de polícia e ladrão
          e tiros na calçada 
          ou alcançados pela fúria
          veloz do conversível
          numa bela manhã
          da próxima esquina
           
          as cidades todos os dias
          são tiro porrada e bomba
           
          nos jornais não há mais poesia
          nem se o destino funesto 
          embrulha em suas folhas
          a jovem bela
          em seu vestido azul
           
           
           
          *.*
           
          praticantes de MMA
          topam
          um jovem
          cozinheiro
          estudante
          negro?
          (podia, todo excluído está à margem)
          eo
           
          amigo gay
           
          palavrões socos e pontapés
           
          ainda hoje o sangue corre pela calçada
           
          a rua poderia ser em Roma, Paris, Nova York
          São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte
          não importa. 
           
          as ruas são zonas de caça.
           
           
           
           
          V
           
          Lírica, ah o lirismo
           
          Subi no Pico do Amor
          com Drummond
          Lá o amor não está
          Mas há sol à beça aqui
           
          Chupa chupa chupão
          Os peitinhos de dona Sarah
          Oswald freudiano
           
          Amar uma mulher casada, Mário?
          Logo Maria, uma santa moderna
          que maxixa e fala inglês…
           
          Ou será Luzia?
          Luz na janela
          à la bandeira
          Mas também ela
          tem os peitos chatos
           
          Penso em Antonieta
          que não cuidou de mim
          eu prefiro Jandira
          em cujos seios o mundo
          começava para Murilo
           
          No amor orbital
          de Cassiano
          olhos azuis
          como satélites
          orbitam
          o amor
           
          Amor
          Porra, poesia
          Humor
           
          Ave, alvíssaras
          Ávila
          bica bica
          Gavião
           
          Viola
          vibra o vibrão.
           
           
          Rogério Barbosa da Silva
          Na web
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          Romério Rômulo
          A máquina do mundo  (pós-Drummond), 2
           
           
          E como eu não  coubesse na montanha
          de tanto entardecer  aqui no alto
          que sobra em  reticências de navio
           
          E como eu não  soubesse de um braço
          que no desvio da  vida me coubesse
          em tão mortais canções  sem voz e pátria
           
           
          Romério Rômulo
          Na Germina
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          Ronald Polito
          Sem título
           
        
        
          Ronaldo Werneck
          Na Germina
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          Rosana Piccolo
          Café Poético
           
           
          há também usinas de  neblina
          operam no poste,  copos americanos
          trincos emperrados
           
          de névoa,  bailarinas
          ― parece a alma da  costureirinha
          pernas inúteis,
          o vento é um pierrô
          tão triste que não  sei sorrir
           
          (pedra de gelo à  ponta do lápis
          pantufas em dez mil  milhões de pés)
           
          na cidade onde moro
          usinas de silêncio
          nem a rajada de  motos
          no eixo da  madrugada
          consegue fechá-las
           
           
          Rosana Piccolo
          Na Germina
          > Poesia 
           
           
           
           
           
           
          Rubens Jardim
          ÊNFASE
           
           
          "As coisas. Que tristes são as coisas consideradas  sem ênfase"
          Carlos Drummond de Andrade
           
           
          Sem ênfase
          As coisas  permanecem
          sendo coisas.
           
          O avião não levanta  voo
          E o gesto não sai  do corpo
          Se não houver  ênfase.
           
          É a ênfase que  arruma
          A louça na  cristaleira
          E o lenço bordado  na gaveta.
           
          Sem ênfase
          Ninguém salva as  Flores
          Do Mal. Nem a Cinza
          Das Horas.
           
           
          Rubens Jardim
          Na Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Sabrinna Alento  Mourão
          that's why they  called you baby when you were a child
           
           
          você relincha no  meio da manada
          e depois finge que  não foi nada
          e depois finge que  estava do outro lado
          e finge que estava  cantando com os pássaros
          você é um porco em  duas patas
          na entrada da sua  casa tem uma placa
          dizendo que uns  animais são mais iguais que os outros
          e que os porcos são  os mais iguais dos animais
          você acha que é  médico
          quando na verdade  só é sádico e gosta de ver gente acidentada
          se você precisa de  uma loja de roupa pra chamar de sua
          se você precisa de  um carro pra chamar de seu
          se você precisa de  um silicone pra chamar de seio
          se você precisa de  um diploma pra se dizer melhor
          se você chama um  negro de mala de dia
          e à noite vai pra  missa
          e depois vai no  shopping e bebe um chope
          e diz pra sua mãe  que seu amigo bateu na namorada
          e que tudo bem ela  é uma vagabunda e eles se merecem
          se você acha que eu  tenho sempre o suficiente
          e você nunca tem o  bastante
          se você acha acha  acha
          se você nunca sabe
          se você sempre é
           
          você
          o seu bafo de merda  com colgate plax 12
          suas mãos sujas de  sangue
          as suas dietas de  frango e alface da Monsanto
          os seus regimes  burros
          a sua bulimia de  verdade
          a sua anorexia do  mundo
          a sua voz  estridente que ecoa no crânio vazio
          os seus olhos que  só enxergam o que é precificado
          os seus olhos que  se veem no espelho e rechaçam a imagem
          a sua cara cheia de  reboco caro
          o seu nariz  encomendado
          suas bochechas  cortadas por dentro
          e atrás desses  olhos verdes, nada:
          você é só uma porco  explorado
          que acha que o  mundo é sua pocilga
          que acha que  participa da revolução dos bichos
          mas logo vai virar  salsicha.
           
           
          Sabrinna Alento Mourão
          Na web
          Sabrinna  Alento Mourão
           
           
           
           
           
           
          Sérgio de Castro  Pinto
          cine brasil: matinê  das moças
           
           
          (aos companheiros de geração)
           
           
          abriam-se cortinas,
          zíperes e  braguilhas.
           
          tinha início a  projeção
          de mãos
          por entre pernas.
           
          tão brasil!
           
           
          Sérgio de Castro  Pinto
          Na Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Silvana Guimarães
          o óbvio lancinante
           
           
          Tudo é milagre.
          Tudo, menos a morte.
          Manuel Bandeira, "Preparação para a morte"
           
           
          a morte é um  milagre: ela vem leva um
          e  outros morrem ao redor de quem foi:
          todo morto nunca é  um  só  na sua dor
           
          não existe rota de  fuga não há esconderijo
          ela chega e  acaba com as flores  pássaros
          espaço consciência  memória tempo beleza
           
          descobre códigos  senhas mapas da cidade
          nada está a salvo:  nada segura a sua gula
          nenhuma valentia  lhe dobra a  arrogância
           
          nunca mais  eu te amo,  te ligo amanhã
          nunca mais essa  música: olha que triste
          nunca mais aquela  viagem aquela droga
           
          fica faltando  um verso no  poema  impossível
          tudo o que podia  ter acontecido e  não vai ser
          o morto carregando  seus mortos que respiram
           
          bendita seja a  morte: essa rainha da liberdade
          que me faz rastejar  nesse escuro dia das mães
           
           
          [2018]
           
           
          Silvana Guimarães
          Na Germina
          > 7 Contos de Réus
           
           
           
           
           
           
          Sônia Queiroz
          Nas vastidões  áridas do deserto
           
           
          Se te pareço
          selvática
          mira-me um pouco  mais
          admira-me
          em movimento
          deslizante
          líquida
          serpenteante
          Se me supões
          sibilante
          escuta-me de perto
          e vais ouvir
          meus graves
          inaudíveis
          improváveis
          vocalises
          Se me insinuo
          silenciosa
          em meandros
          onde o teu ouvido
          não alcança
          me encontre ali
          onde talvez encontres
          os segredos
          Se queres vir
          e vens
          desde a noite 
          dos tempos
          ela espera
          escuta
          espreita
          em espirais
          ela se ergue
          sobre a pedra
          indagando
          Quem vem lá?
           
          Encontrarás
          um outro tempo
          coleante
          a vida em águas
          sonolentas
          e terras profundas
          onde se espraiam os  lençóis
          de águas límpidas
          Encontrarás
          o Caos
          onde tudo se cria
          cores e formas
          sons e
          aromas
          onde as plantas  nascem
          nas pedras
          samambaias.
           
           
          [abril, 2021]
           
           
          Sônia Queiroz
          No Instagram
          @ soniaqueiroz3286
           
           
           
           
           
           
          Suzana Vargas
          Quase decálogo do  amor 
           
           
          O amor é vermelho e  tem medo de perder
          e se preocupa com  cartas não respondidas
          com o silêncio do  telefone
          e a falta da  palavra meuamor
           
          O amor é feito de  ausências e dependências
          de encontros  desmarcados e acertos
          de memória e corpo
           
          Se está longe
          o amor deseja estar  perto
          Se está perto
          não sabe o que  fazer com as mãos
          nem com as palavras
           
          Em geral o amor  perde tempo na repetição de tudo:
          do verbo ao toque
           
          E porque sabe que é  feito de finais
          o amor nunca começa
          ou se perde
          no momento em que  inicia
           
          O amor vicia
           
           
          Suzana Vargas
          Na Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Taciana Oliveira
          Mil decibéis de uma  canção
           
           
          Talvez você não  entenda
          a sensação plena do  vácuo
          a dor que me  arrasta como um barco
          às três horas da  manhã
           
          Talvez você não  perceba
          o meu desequilíbrio  nas linhas
          a rigidez do  sorriso cínico
          a bússola sem  magnetismo
          o trem desgovernado  na estação
           
          Talvez não valha o  esforço
          de uma canção no  teu corpo,
          mil decibéis no  coração
           
          Quanto te orgulha
          esse déjà vu  medieval,
          o sal, o fogo,
          a pedra de cal
          o sangue animal
          na rede social?
           
          Talvez, você não  entenda
          nem queira ouvir o  bem-te-vi
          a desafiar os fios  de alta tensão
           
          Tudo isso meu bem  nem sei se é um poema
          talvez seja uma  bomba sem efeito
          um corte profundo
          em uma sala de  cinema
          na esquina de um  país.
           
           
          Taciana Oliveira
          Na Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Tanussi Cardoso
           
           
          PALAVRAS
           
           
          A vizinha disse vou me matar!
          Eu disse o Sol está lindo lá fora!
          A vizinha disse vou me matar!
          Eu disse o vaso de girassóis está lindo!
          A vizinha disse vou me matar!
          Eu disse o seu cãozinho é lindo demais!
          A vizinha disse vou me matar!
           
          Eu não lhe disse mais nada:
          O sangue no chão era de um vermelho magnífico!
           
           
          Tanussi Cardoso
          Na  Germina
          > Poesia
           
           
           
           
           
           
          Tchello d'Barros
          Você não está aqui
           
        
        
          Tchello d'Barros
          Na Germina
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          Tida Carvalho
          A prova dos nove...
           
           
          Antropofagia
          Palavra clareira
          que abre visões  outras
          Dentro de uma mesma  dobra
          Desdobra
           
          Indica rumos e  montagens
          Antropofagia
          Agitação das ideias
          Desconstrução 
          Derrida Dadá
          Discursos plurais
          Tempos transversais 
          Polifônicas vozes
           
          Metalinguagem
          Muitas metas
          Forma brasileira
          Dialógica dialética
          De ser universal
          Antes de Derrida
           
          O ex-cêntrico do  descentrado
          Oswaldindi
          Forma brutalista 
          De desconstrução  barrocodélica
          Devoração  deglutição
          Pervivência Oswald
          Tanta inversão,  tanto longe
          E tanta sede de  sede!
           
          Fazer quem sorri a  rir com gosto
          A educação dos  cinco mil sentidos
          Pervivência  Haroldo/Oswald
          O que acresce resta  nos sentidos
           
           
          [04/04/2022]
           
           
          Tida Carvalho
          Na web
          Poetas  del mundo
           
           
           
           
           
           
          Vera Casa Nova
          AINDA...
           
           
          Tenho em mim todos  os fogos de Mario
          com seus  "trezentos, trezentos e cinquenta"...
          e quantos mais
          até mais uma:  Eneida Maria de Souza
          e mais outra: Telê  Ancona
          ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
           
          tenho em mim todos  os fogos de Oswald
          com seus  borbulhantes versos e manifestos  de  levantes delirantes
          ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
           
          tenho em mim a  pincelada de Anita e Tarsila
          em momentos de  paixão e gestos
          ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
           
          tenho em mim o som  mais altissonante de Villa Lobos
          em seu púlpito de  maestro
          ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
           
          tenho em mim todos  os fogos de Bandeira,
          na vertigem do  insulto ao burguês
          ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
           
          tenho em mim o mais  querido Drummond
          das Minas que  sobrevivem na lama do minério.
           
           
          Vera Casa Nova
          Na Germina
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          Virgílio de Mattos
          MEU PAÍS
           
           
          Meu país sempre  pareceu um puteiro de beira de estrada
          a caminho das  Índias
          com portentos  gordos e sacanas, ávidos de lucros
          e sifilíticos  enlouquecidos estuprando índias jovens
          e meninos no  caminho
          misturados com  condenados sem narizes e orelhas
          órfãs impúberes e  putas do porto
          um ou outro grumete  queimado em nome de deus.
           
          Meu país sempre foi  uma coisa de louco
          embora a Inquisição  não perdoasse um desvio,
          um porco dio ou uma singela puta madonna
          já eram o  suficiente pra incendiar o infrator.
           
          E nessa putaria de  juízes, de dentro e de fora,
          de tribunais de  relação em relação
          desembargadores  apalermados e associados
          com poderosos latifundiários  da monocultura do açúcar 
          soldados mal  equipados e mal pagos e uma armada mercenária
          tomavam coça de  franceses e holandeses por toda a costa
          e, o que sobrava,
          soçobrava nas mãos  de piratas ingleses a leste de Ilha Bela
          no canal de São Sebastião.
           
          Meu país foi o que  mais traficou negros d'África,
          dizimados os índios  antes,
          e, na virada do  século XIX pro século XX
          acordou de querer  ser branco.
          Ser só branco
          como se isso fosse  possível.
          Meu país perdeu o  juízo já no início do século XVI.
           
          E antes da entrada  no século XX
          sofremos o primeiro  golpe militar
          marechais  decrépitos, positivistas delirantes
          e um povo bobo e  bom de matar com elixir paregórico
          salvo da bronquite  pelo rum creosotado
          dado a gritar  "vivas", fazer politécnicos e cálculos
          uns imbecis  rematados metidos a sabichões porque sabiam a tabuada.
           
          E fomos nos  afundando num mar de merda e lama
          como se nadássemos  na piscina do country club
          contentinhos,  sorridentes, fluentes em francês
          uma espécie de  demência chic.
           
          Escaramuças militares  em 1922, 24, 26
          Ofuscadas pelo  baile da Coluna Invicta
          Até Getúlio meter o  pé no cupinzeiro em 1930.
           
          Treze anos depois a  classe operária conquista
          O direito de  receber salário e de não morrer de fome
          Na verdade,  garantiu-se um salário para que não morressem de fome.
          Os operários dos  grandes centros, sempre mais indóceis
          e que procuravam no  dicionário a palavra liberdade
          (os que sabiam ler,  liberdade é uma palavra que já se nasce sem saber
          se você é operário  ou lavrador, mas vamos lá).
          Começam a se organizar  e a devolver em greves
          a exploração do  patrão.
          Um povo muito bom,  chegado a garrafões de vinho tinto e acordeom. 
           
          Meu país é um  fanfarrão.
          Cheio de pilantras  educados em colégio de padres
          E suas intrincadas  amizades.
          A lógica do perdão  perdeu para a lógica do patrão.
          Troca de favores  como quem troca de cuecas
          Motores barulhentos  e negócios à breca.
          Sempre chupando o  sangue dos trabalhadores
          em troca de  centavos que os mantenha vivos.
          A antiga e mesma  história de sempre.
          Que acho que você  conhece bem.
           
          Meu país é um  puteiro de beira de estrada
          Decadente e  indecente.
          Puteiros nunca  foram um mau negócio
          pra quem os  explora.
           
          E os bisnetos dos  bisnetos dos netos dos portentos gordos
          misturados com os  apalermados juízes e desnarizados e desorelhados
          tomaram conta de  tudo.
          Vulgares e  arrogantes, salientes e poderosos como nunca,
          transformaram esse  país numa aglomeração de histéricos.
           
          O paradoxo  sistêmico é que as putas continuam perseguidas
          Enquanto seus  filhos gerenciam tudo.
           
          Meu país nunca foi  meu país.
           
           
          [Do livro Poemas para tempos sombrios, inédito]
           
           
          Virgílio  de Mattos
          Foi professor  universitário e advogado criminalista em um passado muito distante e em um  outro mundo.
           
           
           
           
           
           
          Wanda Monteiro
          Oroborus
           
           
          Ao meio dia um galo  branco cantou
          em minha janela
          nesse instante  fiquei a pensar na palavra deus e se ao meu modo creio o mundo é feito de  palavras
          esse deus pertence  a quem o escreve
          e a quem lhe  inventa o momento primeiro
          e lhe dá forma e  lhe diz do derradeiro
           
          esse canto ao meio  dia desse dia
          em que eu assim  como o galo
          desaprendi a língua  dos relógios
          me fez lembrar de  que eu esqueci o nome dos dias e dos meses
          e me fez querer  desinventar este ano que termina na palavra vinte
          e me fez pensar na  palavra deus
          e no desejo de  caminhar no rastro do começo
          lá onde tudo era nu  e sem nome
          no chão do  princípio onde irrompe a luz
          na dobra do que nem  era tempo
          na quebra do  silêncio
           
          acordei hoje ao  canto desse galo branco
          ao meio desse dia  de palavra calendária inventada e escrita pelo humano
          e fiquei a pensar  que tudo que sabemos
          é o tudo que  lembramos
          ou é o tudo que  lembraram por nós
          assim sabemos  quando lembramos do salmo escrito por um ancião que nem nasceu
          ou lembramos de um  continente que já foi mar ou lembramos da corredeira de um rio que já secou ou  lembramos de uma língua que já morreu
           
          um galo branco em  minha janela cantou
          me acordou e me fez  pensar na palavra deus
          e na palavra tempo
          esse tempo-deus uma  palavra
          escrita em linhas  de sombras
          esse deus erguido e  fechado em oroborus palavra que vinga — retorna e nos aprisiona no tempo do sem  fim
          dessa aldeia  circunscrita ao verbo
           
           
          Wanda Monteiro
          Na Germina
          > Poesia