[imagem original ©governo do estado de são paulo]

 

 

 

 

 

 

Ricardo Aleixo

Leite Criôlo

 

 

 

 

[Publicado originalmente no livro de estreia do poeta, Festim — um desconcerto de música plástica (Ed. Orikis, 1992), o poema passou por um processo de reimaginação que envolveu "escanagem" + impressão a jato de tinta + fotografia digital]

 

 

Ricardo Aleixo

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Ricardo Domeneck

Carta ao pai

 

 

Agora que o senhor

mais assemelha pedaço

de carne com dois olhos

dirigidos ao teto escuro

no leito em que provável

só não há-de morrer só

porque nem a própria

saliva poderá engolir

por si na companhia

somente desta sonda

que o alimenta

me pergunto se ainda

em validade a proibição

da mãe em confessar

ao senhor os hábitos

amorosos das mucosas

que são minhas

e se deveras me amaria

tanto menos soubesse

quanta fricção já tiveram

que não lhes cabia

biológica ou religiosa

-mente e se também

pediria para sua filhoa

a morte que desejou

a tantos de minha laia

quando surgiam na tela

da Globo da Record

da Manchete do SBT

que sempre constituíram

seu cordão umbilical

com a tradição

e se deveras faria

sobrevir a eles

grande destruição

pela violência

com que urrava

seus xingamentos

típicos de macho

nascido no interior

desse país de machos

interiores e quebrados

em seus orgulhos falhos

de crer que o pai

é o que abarrota

geladeiras e não deixa

que falte à mesa

o alimento que nutre

as mesmas mucosas

em que corre

o seu sangue

mas não seu Deus

e ora neste leito partido

o cérebro em veias

como riachos insistentes

em correr

fora das margens

se o senhor

soubesse o dolo

com que manchei

a mesa

de todos os patriarcas

ainda pergunto-me

se me receberia

com a mansidão

que aceita na testa

o beijo desta sua filhoa

que nada mais é

que a sua imagem

e semelhança invertidas

tal espelho

que refletisse opostos

de gênero e religião

ou o desenho

animado na infância

de uma Sala de Justiça

onde numa tela

podia-se observar

um mundo ao avesso

e se o Pai e o pai

odeiam deveras

o gerado nas normas

da Biologia e Religião

mais tarde porém gerido

na transgressão das leis

que o Pai e o pai

impõem-nos na ciência

de sermos todos falhos

nessa Terra onde procriar

é tão frequente

que gere prazer

nenhum e olho

o senhor

com essas pupilas

que talvez jamais

reflitam o Pai

mas ora veem o pai

eu

mesmo pedaço

de carne

com dois olhos

peço perdão

em silêncio

pois sequer posso

dizer que não

mais há tempo

e mesmo assim

e porém

e no entanto

e contudo

pelo medo adversativo

de talvez abalar

uma sistema rudimentar

de alicerces

sob a casa

sob o quarto

sob esta cama

de hospital

emprestada

escolho

uma vez mais

o silêncio

 

 

Ricardo Domeneck

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Rodrigo de Souza Leão

O Ciclone

 

 

1

 

o ciclone nasceu sopro

branco. o lago tremeu no

calafrio das margens.

venta. dentro de uma

concha (eu) debuxava,

entalhava o poema.

tatuagem rupestre. pontes

se abrindo, pernas, olhos,

boca e tudo mais que se

abre meio enquanto folha,

estrela, pórtico, ponte,

átrio, portal.

 

 

 

2

 

aqui o vento faz a curva e

volta cardume: vida, vinda

em linhas e puçás. silêncio

e terror: sêmen. tudo ciclo,

fogo-fátuo, rictus. doses de

aiperon. vitral. torpedos.

chamas. cavalos de crinas

brancas. mucamas.

caubóis. comboios. joios.

joias e círculos. pulseiras e

fitas do senhor de bom

fim, em cada início e meio.

o ciclone ejaculou por

todos os lugares. no futuro,

veria que os filhos do

ciclone eram todos homens

castrados por ele.

prometeu acorrentado.

 

 

 

3

 

riscar no vento, esculpir na

mobilidade. preencher a

inexistência com o nada.

buraco negro. num átimo o

grito agônico. como se o

ciclone varresse a

primavera. vivia comendo

bisnagas de frio e bebendo

café-petróleo do futuro.

parece que tudo aconteceu

enquanto eu penteava o

cabelo. enquanto isso, o

mar cheio de surfistas e

poetas que se beijavam

conspirava contra a

violência espúria dos

hipócritas.

 

 

 

4

 

será que um dia o silêncio

será ouvido, e cravarei um

punhal no peito da morte?

então, poderei dizer das

pegadas do fantasma

chamado pai. ainda

existem folhas poluindo as

palavras com figuras de

linguagem. tudo poderia

ser etéreo. tenho feridas

ciclônicas, agora que

acabei de conter o ciclone

dentro de uma garrafa e o

mandei para um instituto

meteorológico. mandei

junto (em attach) uma outra

mensagem feita de nuvens

coloridas e algodão

amargo e pó-de-mico e

bicho-do-pé. que se cocem

em falésias alcantiladas.

 

 

 

5

 

vejo um ciclope cego e

alguns anjos correndo em

esteiras ergométricas. a

branca de neve anda de

mãos dadas com o

curupira. a emília dá um

chupão no mickey mouse.

fazem amor hércules e o

pintinho frajola. enquanto

isso, zé carioca beija o

capitão marvel. contam-me

histórias que não sei se

vivi. escarro para o alto

porque sou um chafariz,

chafurdo.

 

 

 

6

 

fogo amarelando o

horizonte. sombras são

mulheres de preto ou

garças de luto. a mendiga,

cheia de latas, figas e

espelhos que refletem

imagens. a tarde invade o

sol, o mar e a eternidade

(soldados de chumbo,

presentes da infância. as

bonecas eram apenas

mulheres do falcon.) ouvi

uivos dos castelos, areias

em minhas mãos.

 

 

 

7

 

tudo já feito, tudo por

fazer. toda minha família

estava no circo. os

palhaços comiam manga,

engoliam o caroço e

ficavam entalados, voos de

acrobatas. (quando

acordei, com pterodátilos,

nova visão do mundo.)

soltei-me, e minha família

tinha ido toda embora.

tudo já dito, tudo por dizer.

 

 

 

7a

 

ciclone clona clones e a

vela vela a velha e ovelhas

aquecem os lobos e o

cosmos come buracos e

haicai: amordaçaram/o

silêncio/ecoou.

 

 

 

8

 

ciclone, disco em alta

rotação. o vinil virou

cinzeiro, o ciclone é em

sensurround cospe mantras

em dolby estéreo.

 

 

Rodrigo de Souza Leão

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Rogério Barbosa da Silva

Revisitações

(ou flashes a partir do modernismo)

 

 

I

 

Salta-me de uma página

a energia rítmica de um

Cyclone

a miss

devorou no jantar

a caralhada

de bad boys

da revolução

ela

a rainha do covil

a frisson nouveau

 

a antropófaga

 

 

 

II

 

Num país primitivo

e quase sem tradição

o poeta comia amendoim

 

Era a volta no ponteiro

dos desastres fatais

amassados na saliva

quente e melada;

seiva acalentada

em ritmos dissonantes

de braços venturosos

 

O poeta intuía

sob o céu

dos desconcertos

um país outro

 

 

 

*.*

 

Neste agora,

sob os mesmos trópicos

vivemos cada um

o próprio exílio

diverso e excludente

singular e coletivo

massivo e seleto

ao gosto e às ordens

do freguês

porque há muitas formas

de despaisar-se

ou ser posto

fora

 

Negro, homem

e mulher

mulato, gay

ou branco pobre

jovem sem futuro

velho pé na cova

criança abandonada

curvados todos

à desumana pátria

para poucos

a do lucro acima de todos

do contrassenso e mais valia

"um litro de gasolina

por cem gramas de feijão"

reza a letra do samba

e tem o moralismo vertido

em roupa diária

 

a civilidade não mora aqui

O Brasil só tem canibal

disse um outro cético

sonho, mas é estranho

haverá mesmo um país

sob os escombros

desse sol diário?

 

 

 

III

 

"Quem disse que não vivo satisfeito?

Eu danço", falou Mário de Andrade.

 

E eu queria mesmo

é desfazer no mar

da ubiquidade

o meu amor

sem elevador

sem telefone

telepresença

telegrama ou e-mail

 

só o sentimento tátil

quente e vibrátil

que faz dançar

num mesmo ritmo

sem distância

sem mesmo um laivo

que seja de bronca

 

 

 

IV

 

Novas balas de estalo

 

A vida é louca

e muitos anseiam por um meteoro

tudo pode acabar num instante

história de polícia e ladrão

e tiros na calçada

ou alcançados pela fúria

veloz do conversível

numa bela manhã

da próxima esquina

 

as cidades todos os dias

são tiro porrada e bomba

 

nos jornais não há mais poesia

nem se o destino funesto

embrulha em suas folhas

a jovem bela

em seu vestido azul

 

 

 

*.*

 

praticantes de MMA

topam

um jovem

cozinheiro

estudante

negro?

(podia, todo excluído está à margem)

eo

 

amigo gay

 

palavrões socos e pontapés

 

ainda hoje o sangue corre pela calçada

 

a rua poderia ser em Roma, Paris, Nova York

São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte

não importa.

 

as ruas são zonas de caça.

 

 

 

 

V

 

Lírica, ah o lirismo

 

Subi no Pico do Amor

com Drummond

Lá o amor não está

Mas há sol à beça aqui

 

Chupa chupa chupão

Os peitinhos de dona Sarah

Oswald freudiano

 

Amar uma mulher casada, Mário?

Logo Maria, uma santa moderna

que maxixa e fala inglês…

 

Ou será Luzia?

Luz na janela

à la bandeira

Mas também ela

tem os peitos chatos

 

Penso em Antonieta

que não cuidou de mim

eu prefiro Jandira

em cujos seios o mundo

começava para Murilo

 

No amor orbital

de Cassiano

olhos azuis

como satélites

orbitam

o amor

 

Amor

Porra, poesia

Humor

 

Ave, alvíssaras

Ávila

bica bica

Gavião

 

Viola

vibra o vibrão.

 

 

Rogério Barbosa da Silva

Na web

poemaps

 

 

 

 

 

 

Romério Rômulo

A máquina do mundo (pós-Drummond), 2

 

 

E como eu não coubesse na montanha

de tanto entardecer aqui no alto

que sobra em reticências de navio

 

E como eu não soubesse de um braço

que no desvio da vida me coubesse

em tão mortais canções sem voz e pátria

 

 

Romério Rômulo

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Ronald Polito

Sem título

 

 

 

 

Ronald Polito

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Ronaldo Werneck

enjambement

 

 

 

 

Ronaldo Werneck

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Rosana Piccolo

Café Poético

 

 

há também usinas de neblina

operam no poste, copos americanos

trincos emperrados

 

de névoa, bailarinas

― parece a alma da costureirinha

pernas inúteis,

o vento é um pierrô

tão triste que não sei sorrir

 

(pedra de gelo à ponta do lápis

pantufas em dez mil milhões de pés)

 

na cidade onde moro

usinas de silêncio

nem a rajada de motos

no eixo da madrugada

consegue fechá-las

 

 

Rosana Piccolo

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Rubens Jardim

ÊNFASE

 

 

"As coisas. Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase"

Carlos Drummond de Andrade

 

 

Sem ênfase

As coisas permanecem

sendo coisas.

 

O avião não levanta voo

E o gesto não sai do corpo

Se não houver ênfase.

 

É a ênfase que arruma

A louça na cristaleira

E o lenço bordado na gaveta.

 

Sem ênfase

Ninguém salva as Flores

Do Mal. Nem a Cinza

Das Horas.

 

 

Rubens Jardim

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Sabrinna Alento Mourão

that's why they called you baby when you were a child

 

 

você relincha no meio da manada

e depois finge que não foi nada

e depois finge que estava do outro lado

e finge que estava cantando com os pássaros

você é um porco em duas patas

na entrada da sua casa tem uma placa

dizendo que uns animais são mais iguais que os outros

e que os porcos são os mais iguais dos animais

você acha que é médico

quando na verdade só é sádico e gosta de ver gente acidentada

se você precisa de uma loja de roupa pra chamar de sua

se você precisa de um carro pra chamar de seu

se você precisa de um silicone pra chamar de seio

se você precisa de um diploma pra se dizer melhor

se você chama um negro de mala de dia

e à noite vai pra missa

e depois vai no shopping e bebe um chope

e diz pra sua mãe que seu amigo bateu na namorada

e que tudo bem ela é uma vagabunda e eles se merecem

se você acha que eu tenho sempre o suficiente

e você nunca tem o bastante

se você acha acha acha

se você nunca sabe

se você sempre é

 

você

o seu bafo de merda com colgate plax 12

suas mãos sujas de sangue

as suas dietas de frango e alface da Monsanto

os seus regimes burros

a sua bulimia de verdade

a sua anorexia do mundo

a sua voz estridente que ecoa no crânio vazio

os seus olhos que só enxergam o que é precificado

os seus olhos que se veem no espelho e rechaçam a imagem

a sua cara cheia de reboco caro

o seu nariz encomendado

suas bochechas cortadas por dentro

e atrás desses olhos verdes, nada:

você é só uma porco explorado

que acha que o mundo é sua pocilga

que acha que participa da revolução dos bichos

mas logo vai virar salsicha.

 

 

Sabrinna Alento Mourão

Na web

Sabrinna Alento Mourão

 

 

 

 

 

 

Sérgio de Castro Pinto

cine brasil: matinê das moças

 

 

(aos companheiros de geração)

 

 

abriam-se cortinas,

zíperes e braguilhas.

 

tinha início a projeção

de mãos

por entre pernas.

 

tão brasil!

 

 

Sérgio de Castro Pinto

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Silvana Guimarães

o óbvio lancinante

 

 

Tudo é milagre.

Tudo, menos a morte.

Manuel Bandeira, "Preparação para a morte"

 

 

a morte é um milagre: ela vem leva um

e  outros morrem ao redor de quem foi:

todo morto nunca é  um  só  na sua dor

 

não existe rota de fuga não há esconderijo

ela chega e  acaba com as flores  pássaros

espaço consciência memória tempo beleza

 

descobre códigos senhas mapas da cidade

nada está a salvo: nada segura a sua gula

nenhuma valentia  lhe dobra a  arrogância

 

nunca mais  eu te amo,  te ligo amanhã

nunca mais essa música: olha que triste

nunca mais aquela viagem aquela droga

 

fica faltando  um verso no  poema  impossível

tudo o que podia ter acontecido e  não vai ser

o morto carregando seus mortos que respiram

 

bendita seja a morte: essa rainha da liberdade

que me faz rastejar nesse escuro dia das mães

 

 

[2018]

 

 

Silvana Guimarães

Na Germina

> 7 Contos de Réus

 

 

 

 

 

 

Sônia Queiroz

Nas vastidões áridas do deserto

 

 

Se te pareço

selvática

mira-me um pouco mais

admira-me

em movimento

deslizante

líquida

serpenteante

Se me supões

sibilante

escuta-me de perto

e vais ouvir

meus graves

inaudíveis

improváveis

vocalises

Se me insinuo

silenciosa

em meandros

onde o teu ouvido

não alcança

me encontre ali

onde talvez encontres

os segredos

Se queres vir

e vens

desde a noite

dos tempos

ela espera

escuta

espreita

em espirais

ela se ergue

sobre a pedra

indagando

Quem vem lá?

 

Encontrarás

um outro tempo

coleante

a vida em águas

sonolentas

e terras profundas

onde se espraiam os lençóis

de águas límpidas

Encontrarás

o Caos

onde tudo se cria

cores e formas

sons e

aromas

onde as plantas nascem

nas pedras

samambaias.

 

 

[abril, 2021]

 

 

Sônia Queiroz

No Instagram

@ soniaqueiroz3286

 

 

 

 

 

 

Suzana Vargas

Quase decálogo do amor

 

 

O amor é vermelho e tem medo de perder

e se preocupa com cartas não respondidas

com o silêncio do telefone

e a falta da palavra meuamor

 

O amor é feito de ausências e dependências

de encontros desmarcados e acertos

de memória e corpo

 

Se está longe

o amor deseja estar perto

Se está perto

não sabe o que fazer com as mãos

nem com as palavras

 

Em geral o amor perde tempo na repetição de tudo:

do verbo ao toque

 

E porque sabe que é feito de finais

o amor nunca começa

ou se perde

no momento em que inicia

 

O amor vicia

 

 

Suzana Vargas

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Taciana Oliveira

Mil decibéis de uma canção

 

 

Talvez você não entenda

a sensação plena do vácuo

a dor que me arrasta como um barco

às três horas da manhã

 

Talvez você não perceba

o meu desequilíbrio nas linhas

a rigidez do sorriso cínico

a bússola sem magnetismo

o trem desgovernado na estação

 

Talvez não valha o esforço

de uma canção no teu corpo,

mil decibéis no coração

 

Quanto te orgulha

esse déjà vu medieval,

o sal, o fogo,

a pedra de cal

o sangue animal

na rede social?

 

Talvez, você não entenda

nem queira ouvir o bem-te-vi

a desafiar os fios de alta tensão

 

Tudo isso meu bem nem sei se é um poema

talvez seja uma bomba sem efeito

um corte profundo

em uma sala de cinema

na esquina de um país.

 

 

Taciana Oliveira

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Tanussi Cardoso

 

 

PALAVRAS

 

 

A vizinha disse vou me matar!

Eu disse o Sol está lindo lá fora!

A vizinha disse vou me matar!

Eu disse o vaso de girassóis está lindo!

A vizinha disse vou me matar!

Eu disse o seu cãozinho é lindo demais!

A vizinha disse vou me matar!

 

Eu não lhe disse mais nada:

O sangue no chão era de um vermelho magnífico!

 

 

Tanussi Cardoso

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Tchello d'Barros

Você não está aqui

 

 

 

 

Tchello d'Barros

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Tida Carvalho

A prova dos nove...

 

 

Antropofagia

Palavra clareira

que abre visões outras

Dentro de uma mesma dobra

Desdobra

 

Indica rumos e montagens

Antropofagia

Agitação das ideias

Desconstrução

Derrida Dadá

Discursos plurais

Tempos transversais

Polifônicas vozes

 

Metalinguagem

Muitas metas

Forma brasileira

Dialógica dialética

De ser universal

Antes de Derrida

 

O ex-cêntrico do descentrado

Oswaldindi

Forma brutalista

De desconstrução barrocodélica

Devoração deglutição

Pervivência Oswald

Tanta inversão, tanto longe

E tanta sede de sede!

 

Fazer quem sorri a rir com gosto

A educação dos cinco mil sentidos

Pervivência Haroldo/Oswald

O que acresce resta nos sentidos

 

 

[04/04/2022]

 

 

Tida Carvalho

Na web

Poetas del mundo

 

 

 

 

 

 

Vera Casa Nova

AINDA...

 

 

Tenho em mim todos os fogos de Mario

com seus "trezentos, trezentos e cinquenta"...

e quantos mais

até mais uma: Eneida Maria de Souza

e mais outra: Telê Ancona

,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,

 

tenho em mim todos os fogos de Oswald

com seus borbulhantes versos e manifestos  de levantes delirantes

,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,

 

tenho em mim a pincelada de Anita e Tarsila

em momentos de paixão e gestos

,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,

 

tenho em mim o som mais altissonante de Villa Lobos

em seu púlpito de maestro

,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,

 

tenho em mim todos os fogos de Bandeira,

na vertigem do insulto ao burguês

,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,

 

tenho em mim o mais querido Drummond

das Minas que sobrevivem na lama do minério.

 

 

Vera Casa Nova

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Virgílio de Mattos

MEU PAÍS

 

 

Meu país sempre pareceu um puteiro de beira de estrada

a caminho das Índias

com portentos gordos e sacanas, ávidos de lucros

e sifilíticos enlouquecidos estuprando índias jovens

e meninos no caminho

misturados com condenados sem narizes e orelhas

órfãs impúberes e putas do porto

um ou outro grumete queimado em nome de deus.

 

Meu país sempre foi uma coisa de louco

embora a Inquisição não perdoasse um desvio,

um porco dio ou uma singela puta madonna

já eram o suficiente pra incendiar o infrator.

 

E nessa putaria de juízes, de dentro e de fora,

de tribunais de relação em relação

desembargadores apalermados e associados

com poderosos latifundiários da monocultura do açúcar

soldados mal equipados e mal pagos e uma armada mercenária

tomavam coça de franceses e holandeses por toda a costa

e, o que sobrava,

soçobrava nas mãos de piratas ingleses a leste de Ilha Bela

no canal de São Sebastião.

 

Meu país foi o que mais traficou negros d'África,

dizimados os índios antes,

e, na virada do século XIX pro século XX

acordou de querer ser branco.

Ser só branco

como se isso fosse possível.

Meu país perdeu o juízo já no início do século XVI.

 

E antes da entrada no século XX

sofremos o primeiro golpe militar

marechais decrépitos, positivistas delirantes

e um povo bobo e bom de matar com elixir paregórico

salvo da bronquite pelo rum creosotado

dado a gritar "vivas", fazer politécnicos e cálculos

uns imbecis rematados metidos a sabichões porque sabiam a tabuada.

 

E fomos nos afundando num mar de merda e lama

como se nadássemos na piscina do country club

contentinhos, sorridentes, fluentes em francês

uma espécie de demência chic.

 

Escaramuças militares em 1922, 24, 26

Ofuscadas pelo baile da Coluna Invicta

Até Getúlio meter o pé no cupinzeiro em 1930.

 

Treze anos depois a classe operária conquista

O direito de receber salário e de não morrer de fome

Na verdade, garantiu-se um salário para que não morressem de fome.

Os operários dos grandes centros, sempre mais indóceis

e que procuravam no dicionário a palavra liberdade

(os que sabiam ler, liberdade é uma palavra que já se nasce sem saber

se você é operário ou lavrador, mas vamos lá).

Começam a se organizar e a devolver em greves

a exploração do patrão.

Um povo muito bom, chegado a garrafões de vinho tinto e acordeom.

 

Meu país é um fanfarrão.

Cheio de pilantras educados em colégio de padres

E suas intrincadas amizades.

A lógica do perdão perdeu para a lógica do patrão.

Troca de favores como quem troca de cuecas

Motores barulhentos e negócios à breca.

Sempre chupando o sangue dos trabalhadores

em troca de centavos que os mantenha vivos.

A antiga e mesma história de sempre.

Que acho que você conhece bem.

 

Meu país é um puteiro de beira de estrada

Decadente e indecente.

Puteiros nunca foram um mau negócio

pra quem os explora.

 

E os bisnetos dos bisnetos dos netos dos portentos gordos

misturados com os apalermados juízes e desnarizados e desorelhados

tomaram conta de tudo.

Vulgares e arrogantes, salientes e poderosos como nunca,

transformaram esse país numa aglomeração de histéricos.

 

O paradoxo sistêmico é que as putas continuam perseguidas

Enquanto seus filhos gerenciam tudo.

 

Meu país nunca foi meu país.

 

 

[Do livro Poemas para tempos sombrios, inédito]

 

 

Virgílio de Mattos

Foi professor universitário e advogado criminalista em um passado muito distante e em um outro mundo.

 

 

 

 

 

 

Wanda Monteiro

Oroborus

 

 

Ao meio dia um galo branco cantou

em minha janela

nesse instante fiquei a pensar na palavra deus e se ao meu modo creio o mundo é feito de palavras

esse deus pertence a quem o escreve

e a quem lhe inventa o momento primeiro

e lhe dá forma e lhe diz do derradeiro

 

esse canto ao meio dia desse dia

em que eu assim como o galo

desaprendi a língua dos relógios

me fez lembrar de que eu esqueci o nome dos dias e dos meses

e me fez querer desinventar este ano que termina na palavra vinte

e me fez pensar na palavra deus

e no desejo de caminhar no rastro do começo

lá onde tudo era nu e sem nome

no chão do princípio onde irrompe a luz

na dobra do que nem era tempo

na quebra do silêncio

 

acordei hoje ao canto desse galo branco

ao meio desse dia de palavra calendária inventada e escrita pelo humano

e fiquei a pensar que tudo que sabemos

é o tudo que lembramos

ou é o tudo que lembraram por nós

assim sabemos quando lembramos do salmo escrito por um ancião que nem nasceu

ou lembramos de um continente que já foi mar ou lembramos da corredeira de um rio que já secou ou lembramos de uma língua que já morreu

 

um galo branco em minha janela cantou

me acordou e me fez pensar na palavra deus

e na palavra tempo

esse tempo-deus uma palavra

escrita em linhas de sombras

esse deus erguido e fechado em oroborus palavra que vinga — retorna e nos aprisiona no tempo do sem fim

dessa aldeia circunscrita ao verbo

 

 

Wanda Monteiro

Na Germina

> Poesia

 

 

 

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