[imagem original ©governo do estado de são paulo]

 

 

 

 

 

 

Luis Turiba

Guerra na Neve

 

 

"— mamãe, pra que serve a ONU?

— pra protocolar o fim do mundo"

No livro Luminares, 1980

 

 

aquele menino aquela menina

seguem sombreados pela neblina

pisam na neve respingada a sangue

ora que se dane foda-se e suma-se

ecoam nos ouvidos ecos estampidos

assobios de bombas balas estilhaços

um tempo explosivo, templo de aço

grito: quem acode? quem me socorre?

caiu um prédio na minha cabeça

tanques no caminho canhões retorcidos

cadáveres pelas ruas a gosto genocídio

quem garante o existo, quem diz eu vivo

meus olhos são vidros não cabem lágrimas

azuis verdes castanhos — retinas flácidas

em um piscar desativo e explosivo

 

lágrimas lágrimas lágrimas secas

torradas no fogo da minha casa acesa

 

carrego no peito casacos brinquedos

paranoia da fuga do combate ao vivo

tostados feridos — tempos pra medos?

mísseis cruzam & cospem bombas

estradas pro inferno ônibus sem (dex)tino

meu lar meu país minha escola meus pais

pra onde pra quando estou indo? voltando

pra sentir frio sede junto a um prato de fome

a guerra só me ensina que eu me afundo

nem tenho idade pra morte nem pra tanto

tonto olho pro céu e só vejo riscos traçantes

um cogumelo brota — bruto suco de perigo

 

não para de nevar gotas de sangue na tv

torradas no fogo da minha pele em chamas

é a guerra do inverno, guerra do inferno

e eu, pacifista desamado, no calor infernal

desta cidade onde a guerra mora ao lado

 

 

Luis Turiba

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Luiz Felipe Leprevost

Você não vai a uma festinha

 

 

ouvir a piada do mundo

e educar o seu gatinho

criar sistema filosófico

nem ninar o seu menino

ou enxugar poças de sangue

 

você não vai a uma festinha

 

de carona com um rico

traduzir o Maiakovski

tirar suco dos leitões

ouvir conselhos de um Jedi

dar uma foda no bidê

 

você não vai a uma festinha

 

discutir oceanografia

de carona lá pra Cuba

arrancar dente do siso

galopar sem ferradura

posar nudes pra um pintor

 

você não vai a uma festinha

 

pro exercício da piedade

engolir uns maus assuntos

posar cool na Biblioteca

morrer o amor perfeito

viver metros do soneto

 

você não vai a uma festinha

 

defender-se de um processo

escalar o Pão de Açúcar

reeleger o candidato

revelar seu perispírito

ou dormir no quarto rosa

 

 

Luiz Felipe Leprevost

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Marcela Dantés

Casa Onze

 

 

A vizinha é louca, claro que é. Pipoca com batida de fruta. Leite condensado, vodka, a fruta e muito gelo. Não deve ser bom, não pode ser bom. Banho com o Freddie Mercury, exceto às quintas. Aí é banho com uma mulher que não sei quem, que fala muito e pelo nariz. A vizinha é louca, claro que é. Ela odeia o chefe, mas só depois que desliga o telefone. Tem um aspirador de nome Júnior. Quem é o pai desse robô? Aos domingos tem o esporte. Corrida de Rinocerontes não é baralho, pode enfiar a carta mais alta no meio do seu cu. Ela jura pra mãe que tá respeitando as distâncias, mas outro dia convidou o moço da pizza pra entrar. Moedas caíram no chão. Você já escutou o barulho de dezessete moedas caindo ao mesmo tempo no mesmo chão? Ela sente saudade de três pessoas diferentes. Parou de pintar os cabelos. A máquina de lavar vai pifar a qualquer momento. Ela é louca, claro que é. Deus abençoe as paredes finas. E que ninguém se esqueça do cobogó.

 

 

Marcela Dantés

Na Germina

> Conto

 

 

 

 

 

 

Marcelo Sandmann

Palavras na Boca

 

 

 

 

Marcelo Sandmann

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Maré de Matos

regresso à categoria

 

 

tudo no mundo

deve ser interpelado

 

assim como clássico

que é encarregado de incertezas

 

universal

nem mesmo a natureza

que se transforma em sua interna medida

 

tudo deve ser considerado na vida

até mesmo a fragilidade

 

se perguntasse de poesia à verdade

saberia que ela voa sempre

que se sente perseguida

 

 

Maré de Matos

Na web

maré de matos

 

 

 

 

 

 

Maria do Carmo Ferreira

TELECARLOS

 

 

Ao completar quarenta,

num dia de são-tomé

véspera de são-nunca,

de porre de coragem

e algum fogo nas ventas,

telefonei pra você.

Você me disse: aguenta.

Aguentei como pude,

desde os meus dezessete

com suas cartas na mesa

e um papel de bombom

(colomba adolescente)

nos porões da gaveta.

Eu tinha a língua presa

e você gaguejava

anedotas concretas.

Antenas de pestanas

(ou era Pentecostes!)

acendiam mil velas

na soirée da Colombo.

Quem me viu, quem me crê.

Comi gatos por lebres

exilada do vale

e haja ainda uvas verdes

nestes quarenta e sete.

De quem ouvirei?: aguenta,

que o tempo ainda é de fezes

alucinações maus poemas...

Te passo um encefalograma?

Te ausculto em fitas-cassete?

Uso o meu telecarlos?

Código Morse ainda se usa?

Seus livros autografados,

impassíveis na estante,

remetem ao dicionário

de palavras gestantes

sob a própria égide

de sonhos contrariados.

De carona em seu Halley,

levo uma carraspana

no arremate de males.

De repente, me vejo

(ainda vivo de vales)

indo a Copacabana

para um acerto de contas.

Esbarro em seu cheque-ouro

banco por banco assento

a inesperada chance

(comprará Roupa Nova

ou fará em Pessoa

um amigo presente?).

Entre aids e apartheides,

você me reconhece

água vai tir-te e guar-te

sem mais aviso prévio:

— Os mesmos olhos verdes!

Ando farta de carnes,

vigilante de peso.

Você, com tudo, é o mesmo

que visitei há séculos:

— O mesmo ardor modesto!

Seu perfume me agarra

na griffe desse abraço

sem tratamento, quase:

mineiro cem por cento,

gauche de lado a lado.

E falamos de nada

como se, como sempre.

Sem poesia sem piadas,

vamos nos esfolando

na memória calçada

de outro tempo suspenso.

E de repente, rimos

(no último andamento)

de amarelinhas sombras.

E já nos despedimos:

como um menino antigo

e uma menina tonta.

 

 

Maria do Carmo Ferreira

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Mariana Teixeira

Recuo

 

 

emolduraram a desordem

 

por onde se passa

se vê

esboços de fim dos tempos

 

lágrimas pinceladas de sangue

agudos de dor, não de canto

 

sinfonizaram o caos

e parte do mundo

está de pé

batendo palmas

 

 

Mariana Teixeira

Na web

Correndo com os dedos

 

 

 

 

 

 

Mário Alex Rosa

POEMA-LIVRO PAU BRASIL, 2010

[7cm X 5cm]

 

 

   

 

 

 

Mário Alex Rosa

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Marisa Sevilha Rodrigues

Concerto para flautas de Bach

 

 

um resto de mar que cresce nas barras das minhas saias,

um véu caudaloso de peixes e estrelas içam de mim

o meu barco interior.

sem ilha ou praias do abandono, sou um corpo à deriva:

de um lado, mágoas; de outro, constelações.

submarino-me para entender dos desertos e suas ampulhetas quebradas.

areias movediças. peixes lânguidos.

sereias mordiscando suas caudas ao sol do meio-dia.

tudo é miragem e se esboroa à flor do pranto.

levanto a proa e puxo âncoras, numa vã tentativa de arrastar junto,

os braços velejadores de quem não vejo.

quem sabe desviar da rota um marujo torto, vestido de solfejos.

 

de que argamassa somos feitos?

 

minúsculas estátuas de sal nascem no meu jardim de inverno.

e, na primavera, esperam um transplante de vasos, para crescerem mulheres de Lot.

semeio esperanças. replanto ânforas.

assopro flautas de Bach e construo cascatas orgânicas.

joelhos dobrados à beira do arrependimento.

disfarço minha falta de fé com uma moringa d’água

e um compêndio de discernimentos.

 

na varanda dos meus seios, choro e rezo.

pelos vales sagrados ao sul do meu púbis, planejo viagens solitárias

que nunca empreendo.

das promessas me livro e guardo, pois o que não salva,

cedo ou tarde, sempre falha.

na garganta de plantas carnívoras, escondo meus segredos.

nego. escamoteio. renego.

de manhã, tomo café amargo e esmago formigas,

recém-chegadas ao açucareiro.

saio para o quintal e hasteio a echarpe do que um dia foi memória

e hoje repousa no fundo do jarro:

 

flores brancas do esquecimento.

 

 

[Dracena/SP, 2016]

 

 

Marisa Sevilha Rodrigues

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Mariza Lourenço

Notícia de ausência

 

 

— Dá-me a tua mão, pequenina. Vem escutar a palavra de Deus.

 

J.M., 9 anos incompletos, está desaparecida há 9 meses e 6 dias. Na padaria em que trabalha, sua mãe chora enquanto confeita um bolo: J.M. faz aniversário semana que vem.

 

 

Mariza Lourenço

Na Germina

> Minicontos

 

 

 

 

 

 

Matheus Guménin Barreto

Mini-história da literatura ocidental – revista e ampliada (Capítulo: "Os Pobres")

 

 

"Domingo. Tarde. Consistório da Matriz".

Carlos Drummond de Andrade, 1979

 

 

Eles -------------------------------------

------------------------------------------

------------------------------------------

------------------------------------------

 

------------------------------------------

------------------------------------------

------------ (eles -----------------------

------------------------------------------

 

------------------------------------------

------------------------------------------

------------------------------------------

 

------------------------------------------

------------------------------------------

------------------------------------ eles.

 

 

Matheus Guménin Barreto

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Nina Rizzi

ninadí ricy

 

 

eu já fui u'a índia

falava co fogo co'as plantas y ventanias

coisas da terra e da boca do céu

 

dançava me banhava nuinha co'a maloca toda

 

mai'bão memo

era cumê homi branco

 

 

Nina Rizzi

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Nívea Sabino

Lírica de favelada

 

 

Eu gasto muito

é com passagem

 

Coração selvagem

animalia de mais valia

que me convida

a ousar ser nós

transformando o engasgo

num fuzilo

 

Só!

 

Resolvi lutar

com o que não tive acesso

 

Eu, réu!?

— confesso!

 

Me negou os versos

 

Me ouvindo assim

(des) faço um outro

teu me olhar

 

Quiçá

em ti

encanto provocar

 

E desmontar

o ódio e

a aversão à cor

que chegam primeiro

do que quem eu sou

 

Li livros

ouvi discos

folheei jornais, me formei ao gosto

do que tanto faz

 

Meu grito é o mesmo

dos meus ancestrais

de um Amarildo

que não volta mais

 

Cairão mais!

(... e quantos mais!?)

 

N'zinga, não deixa que

(oh!) corram

socorro!

 

Nenhum

ao meu redor

impediu o metrô

de seguir viagem

 

Havia um corpo

negro

estendido no trilho

e ninguém

desviou o caminho

 

Salve e lembrem Dandara

esposa de Zumbi,

quem soube?

 

Toda periferia sangra

que nem Manguinhos

criança preta

não é bandido

 

Cê pede paz,

mais um negro jaz!

 

Aqui Jazz

sambando endosso

te funk na cara

melodia rara

negra graduada(mente)

dominando a fala e a palavra

 

São

denúncias líricas

de uma favelada

 

 

Nívea Sabino

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Noélia Ribeiro

Venda

 

 

 

 

Noélia Ribeiro

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Nuno Rau

D.R. COM MÁRIO DE ANDRADE

 

 

"Si tudo mudávamos em nós, uma coisa esquecemos de mudar: a atitude interessada diante da vida contemporânea. [...] Deveríamos ter inundado a caducidade utilitária de nosso discurso, de maior angústia do tempo, de maior revolta contra a vida como está. Em vez: fomos quebrar vidros de janelas, discutir modas de passeio, ou cutucar os valores eternos, ou saciar nossa curiosidade na cultura. E si agora percorro a minha obra já numerosa e que representa uma vida trabalhada, não me vejo uma só vez pegar a máscara do tempo e esbofeteá-la como ela merece. Quando muito lhe fiz de longe umas caretas. Mas isto, a mim, não me satisfaz".

 

Mário de Andrade, no discurso sobre a Semana de Arte Moderna, em 1942.

 

 

AS CARTAS QUE você me mandou chegaram

muitos anos depois, Mário, e de modo

intermitente, extraviadas em volumes

náufragos, às vezes plantados

pelo Acaso como pistas falsas na posta-restante

de algum sebo, como se você não as tivesse escrito

pra mim e estivessem ao alcance de qualquer

mão Confesso que, por isso mesmo, e talvez

por uma vingança calculada, não quis saber

logo todas as coisas que você tentava

me contar, e enfiei as cartas entre outros

livros nas estantes, mas sempre me precavendo

de que estivessem ali, pacientemente

me esperando, e as carreguei comigo em todas

as três ou quatro vezes que mudei

de endereço Quando finalmente comecei

a ler, Mário, foi impossível impedir

um sorriso cúmplice ao ver que você

havia cifrado todas as mensagens como se elas

fossem para outras pessoas — Carlos,

Manoel, Henriqueta, Tarsila, Afonso,

Sérgio etc. —, e embaralhado tudo tão

meticulosamente que destilar entre

as linhas aquilo que me cabia deu

trabalho, mas qualquer irritação

se diluiu quando pensei no amor

com que você teceu esse fio, noites

adentro e sem qualquer garantia

de que essas cartas me chegariam Sei

o pesado tributo que você pagou por

ser moderno, por querer ser

moderno, sua cabeça de duas faces, uma

olhando o passado, a outra não sei, duvido

um pouco que cismasse com o dia em que

os homens se amariam livremente, seu corpo

já estava enjaulado, você, mulato a certas alturas

da avenida ainda não completamente cheia

de fuligem e burgueses iludidos, penso

enquanto o BRT me impede a visão da estátua

da Liberdade feita em resina do outro lado

da rua neste trópico triste, com seu

urbanismo edulcorado entre letreiros, na barra

pesada dos dias Veja, Mário, aqui o burguês piorou

muito, você nem imagina o disparate, o des

propósito, as casas agora são filets ressecados

de miami, calvicies de los ángeles, gritinhos

histéricos de um deslocamento nunca

deliberado de tempo e de lugar, nada parecido

com os dias da Villa Kyrial, meu caro, e era

sobre isso que talvez eu mais quisesse

falar com você, com seu espírito inquieto que ama

e ama, pouco odeia, armado contra os gumes obtusos

do acerto absoluto, contra as viúvas

do parnasianismo, contra o desprezo pelo que vem

da gente simples, mas nem assim imune à ilusão

de poder reger a direção dos dias, colado

ao burguês-burguês, aquele do cauteloso

pouco a pouco que, meticulosamente, fez de você,

Mário, o purée de batatas arlequinal depois

do qual ainda lambeu os beiços enquanto seu coração

modernista armava o bote: você não percebeu,

Mário, que não se pode confiar em burguês nenhum

e nem em seus muitos

prepostos?

 

 

Nuno Rau

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Omar Khouri

Monumento ao Dinheiro

 

 

 

 

Omar Khouri

Na web

Artéria

 

 

 

 

 

 

Patricia Duarte

Mulher

 

 

 

 

Patricia Duarte

No Instagram

@patrisduarte

 

 

 

 

 

 

Patrícia Lavelle

Heimat

 

 

abolibi belo

nanani nanã

balbô olodum capibaribe

to be tupã tupi

haicai bye bye

 

Balbucio

o cio

e a hybris

da palavra:

Babel.

 

E retorno ainda à mátria

à amada,

à idolatrada,

solo e sangue da pura língua:

a primeira e única, que era toda minha,

e queria ser de todo mundo.

 

Mas nesta viagem marítima

naufrago entre muitas Ítacas

longe de qualquer Pasárgada

numa longa estrada de Sintra.

 

 

[Do livro Bye Bye Babel. 7Letras, 2018]

 

 

Patrícia Lavelle

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Paulo Barbosa

Hot God

 

 

 

 

Paulo Barbosa

Artista visual, poeta, ilustrador e professor da Escola Guignard.

 

 

 

 

 

 

Régis Bonvicino

SEM TÍTULO (2)

 

 

Éden de pétalas secas

Formiga de abdome inchado

Sombras de figuras idênticas

— Sóis excluídos —

Víboras

Perto de tempos perdidos sóis

que não podem ser identificados

(O carro rói alissos e verbenas)

Pétalas vistas pela janela

Inexistente nuvem que se movimenta

 

 

Régis Bonvicino

Na Germina

> Poesia

 

 

 

<<< voltar

 
 
 
 
::  revista  ::  uns  ::  outros   ::  poucos  ::  raros  ::  eróticos&pornográficos  ::  links  ::  blog  ::