Legítimo

 

 

por só

 

Fico só

comigo

 

 

 

 

 

 

Tacanha ave

 

 

Na busca

na luta

em plena procura

já que

o que está posto

me queima o rosto

 

Minha face

rubra

me impulsiona

a não me calar

a não me poupar

a não me intimidar

 

E feito ave

ferida e

erguida

me ponho a voar

certa de me distanciar

do que me envergonha

inerte

neste meu lugar

 

 

 

 

 

 

Abreviando

 

 

Quero ser

pra quem

me serve

 

No mais

...serei breve.

 

 

 

 

 

 

Contr-ações

 

 

O espírito é forte

mas a carne é fraca

 

Rogai por nós

que não velamos por ninguém

 

Ferindo com ferro

seguimos feridos também

 

Que assim

o amanhã não seja

 

Retardo o meu amém

 

Só terás poder sobre mim

se outorgado dos céus

 

 

 

 

 

 

Um sonho de rima

 

 

Vim à força

ceder minha força

num grande esforço

por sobre o viver

 

Vim negra

de cor

"da cozinha pra rua"

me dizia o Sinhô

 

Vi meu ventre

que nunca foi livre

gestar filhos em meio a dor

 

Ecoei meu canto

fiz mandinga

em danças de roda

lancei a minha sorte

diante da ignorância

de quem se fazia forte

 

Azar ou sorte?

 

Quisera uma primavera de flores

mulheres negras

a brotar na janela

de quem nunca me tomará como bela

 

Sou eu

Criola

Neguinha

Donzela

Milhares de mim pelos aglomerados

iluminando a favela

 

Construo identidade

com base na minha vontade

Resistência fortificada em vivência

 

O sonho é rimar negro sem dor

ou qualquer que seja a violência

 

 

 

 

 

 

Dos perigos de comer com o olhar

 

 

Desqualificada

em vida

 

Uma fruta

que

pouco importa

o sabor da poupa

 

A casca

que envolve o fruto

afasta

 

 

 

 

 

 

Lírica de favelada

 

 

Eu gasto muito

é com passagem

 

Coração selvagem

animalia de mais valia

que me convida

a ousar ser nós

transformando o engasgo

num fuzilo

 

Só!

 

Resolvi lutar

com o que não tive acesso

 

Eu, réu!?

confesso!

 

Me negou os versos

 

Me ouvindo assim

(des) faço um outro

teu me olhar

 

Quiçá

em ti

encanto provocar

 

E desmontar

o ódio e

a aversão à cor

que chegam primeiro

do que quem eu sou

 

Li livros

ouvi discos

folheei jornais, me formei ao gosto

do que tanto faz

 

Meu grito é o mesmo

dos meus ancestrais

de um Amarildo

que não volta mais

 

Cairão mais!

(...e quantos mais!?)

 

N'zinga, não deixa que

(oh!) corram

socorro!

 

Nenhum

ao meu redor

impediu o metrô

de seguir viagem

 

Havia um corpo

negro

estendido no trilho

e ninguém

desviou o caminho

 

Salve e lembrem Dandara

esposa de Zumbi,

quem soube?

 

Toda periferia sangra

que nem Manguinhos

criança preta

não é bandido

 

Cê pede paz,

mais um negro jaz!

 

Aqui Jazz

sambando endosso

te funk na cara

melodia rara

negra graduada(mente)

dominando a fala e a palavra

 

São

denúncias líricas

de uma favelada

 

 

 

 

 

 

Contornando

 

 

O difícil

agora

era virar a curva

 

Pois depois da curva,

havia mais estrada

 

E a estrada cansa, é longa, muitas vezes

sem surpresas...

 

Então ele parou,

pensou

e caminhou

 

E concluiu que difícil mesmo

era desistir de caminhar

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Nívea Sabino (Nova Lima/MG), poeta-slammer, ativista e educadora social. Graduou-se em Comunicação Social pela PUC-MG e atua na coordenação política do Fórum das Juventudes, da Grande BH. É correalizadora do movimento cultural "Sarau dos Vagal" na RMBH e realiza, em parceria com o poeta Pedro Bomba, a "Roda BH de Poesia". É autora de Interiorana, primeira edição pela editora Padê (2016) e segunda edição (2018) independente. Ativista no enfrentamento ao racismo, à lesbofobia, ao sexismo e outras formas de opressão, por meio da palavra, pelos saraus de periferias de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Em 2016, foi a poeta vencedora do Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, mesmo ano em que recebeu o Prêmio Zumbi de Cultura.