Diniz Gonçalves Filho
no trem pra mogi
paisagem áspera:
janelas em movimento noturno
balançam as casas
: manjedouras num presépio
de luzes precárias
Diniz Gonçalves Júnior
Na Germina
> Poesia
Fabíola Lacerda
anunciação
há um papai noel na sala
ele esmurra mamãe bem na barriga
quebra as estrelas e anjos da árvore
diz que vai me levar para sempre
mamãe me pediu para não acreditar em papai noel
não deixa que eu me sente em seu colo, nada de fotos
mamãe não gosta de natal, papai também não
não gosto de papai, ele me pede coisas estranhas
tia rosa vem me pegar, ela não se parece com papai
mamãe vai ter neném [olhos roxos e inchados de mamãe]
não quero ter neném, não quero boneca neném
quero carro, quero trenó
quero fazer de papai noel catchup
quero fazer catchup de papai
não precisamos de neném, nem de neném de gesso
nem
Fabíola Lacerda
Na Germina
> Poesia
Fabíola Mazzini
Poema de Natal
o sol nasce para todos
mas permanece estrela distante
tem seu lugar
muitas pessoas vivem pra cavar,
manter, garantir um lugar
uma vida de fórceps
a cada dia, mais seres humanos só têm um lugar:
a face da Terra, a céu aberto, sem estrela guia
ou um deus salvador
alguns amam até abrir os pulsos para abrigar
um irmão
Fabíola Mazzini
Na Germina
> Poesia
Graça Graúna
Yes
Yes,
natal
que é natal
tem que ter estrela
bem no topo da árvore,
de preferência, banhada
de purpurina. Enfeites, efeitos
grifes, beijinhos, velas, guardanapos,
CDs, framboesas, cartões de crédito, postais
e poemas que não falem do absurdo presépio
sob o viaduto
em construção
Graça Graúna
Na Web
> Quem é.
Gustavo Cerqueira Guimarães
Natal
Gustavo Cerqueira Guimarães
Na Web
> Quem é.
Heleno Godoy
4 poemas
Noite de Natal, 1993
Esta noite recuperaria outras?
Como borracha sábia e sensível
a eliminar rasuras, rabiscos de
rascunhos tentados, inconclusos?
Restauraria uns certos silêncios,
incertas decisões, acertos de conta,
um perdão por um livro ameaçado,
abandono de causa que nem vale
a pena ser trazida agora à tona?
Espera-se muito, sim, desta noite:
— Que sejamos morosos amigos,
amorosos e bondosos, mais antigos.
Esta noite, é verdade, nos violenta:
— Exibe uma só estrela e de nós
exige que com tão parca luz
iluminemos um ano todo inteiro.
Não deveria existir uma tal noite, se
ela nos ilude com tamanha esperança.
Mas ela existe! E uma vez acontece,
porquanto por ela sempre esperamos.
Noite de Natal, 2000
Dizem que não, por ser improvável, até
impossível, mas tais coisas acontecem:
sair súbito raio de uma nuvem escura e,
de um lado a outro, cruzar aquele céu
um meteorito em chamas. No mesmo
dia e hora em que uma procissão saía da
igreja ali ao lado, lá onde se jogava, num
campo de futebol, partida tão ou mais
importante quanto a devoção dos outros.
A angústia que se revelou, além do medo
do imponderável. Aqui, aquém/além do
infinito, como não temer o indesejado,
se visto por todos? E inesperadamente?
Desta forma as coisas acontecem: um raio
e meteorito, possível estrela retornando,
um anjo enfurecido e só, talvez também
cansado, uma dor nas asas, um pé virado?
Ora, é tudo o que nesta noite procuramos
juntos: justiça dos acasos, fúria de elementos,
dor nova que veio e ficou, a esperança no
meio de um jogo, a procissão que começava,
um raio e um meteorito no escuro do céu
flambado. Continuados jogo e procissão,
é assim que vamos em frente, como todos:
pálidos de espanto medo, sempre presentes.
Noite de Natal, 2010
Num ano, perde-se o pai; noutro, ganha-
se um neto e, no entanto, não se trata de,
após a flor, aguardar pelo fruto, por sua
semente consequente, nova possível rama
e rumo, como se numa sucessão ou rota.
Nesta noite, como em qualquer outro ano,
este anjo apenas de novo vem iludir nossos
sonhos, oferecer-nos essa sensação que não
sacia jamais nossa fome sempre e cada vez
maior. Pois é apenas isso o que nesta noite,
este anjo nos proporciona não u'a supressão
ou, pela ordem, uma possível sequência;
só mesmo esta repetição, mais nada, como
se jamais soubéssemos ou pudéssemos dis-
tinguir, nesta noite, o que é esperança do
que não passa de mera ilusão da eternidade.
Noite de Natal, 2019
Aquele anjo, nesta noite, propiciava
coisas que, se não amenas, ao menos
menos tortas e agressivas, invasivas
e ameaçadoras.
Este novo anjo, não, prefere acusar
sem provas, deixar queimar florestas
ou derrubá-las, tardiamente mandar
limpar praias
poluídas por óleo que chega sem que
ele descubra de onde. Este anjo novo
desmantela rotas, permite mais armas,
instiga a discórdia.
Este novo anjo aposta. Prestidigitador,
propõe seus planos, golpes, trapaças. Se
é disso o que nesta noite gostam, façam
jogo, senhores!
Heleno Godoy
Na Web
> Quem é.
Hugo Lima
Jingle Bads
1.
o natal é uma invenção
o natal é um feriado
o natal é o momento propício
o natal é uma reunião
o natal é no shopping
o natal dá brindes
o natal é um anacronismo
o natal é uma tradição
o natal é um espetáculo
o natal é um clichê
o natal é renascimento
o natal é esperança
o natal é amor
2.
para isso fomos feitos:
para passarmos a noite em claro
trocando presentes e
palavras gentis
para fazermos votos de prosperidade
ao redor de uma árvore com luzes
que piscam
para isso fomos feitos:
para nos embebedarmos de vinho
não sem antes nos entupirmos
de comida não sem antes
fazermos uma oração
não sem antes pecarmos
gravemente pecarmos
para isso fomos feitos:
para que todo o caos se ordene
para que todo o mal que nos assola
se converta em bem
para que toda a injustiça se dissipe
para que tudo se renove
até à meia-noite
3.
que todos tenham um natal
já seria o suficiente
mas que todos tenham paz
que todos tenham comida na mesa
que todos tenham livros
que todos tenham sua dignidade reconhecida
e respeitada
que todos tenham saúde
que todos tenham segurança
que todos tenham privacidade
que todos tenham onde morar
que todos tenham igualdade jurídica
que todos tenham liberdade
de locomoção, de expressão e consciência
que todos tenham trabalho
que todos tenham afeto
é o meu presente
4.
crianças gritando
a água da piscina molhou minha blusa
joão gilberto no rádio
espumantes na geladeira
casa iluminada
netflix
guerra no iraque
terrorismo em israel
terra em transe
vírus em mutação
o telefone chamando de 10 em 10 minutos
família amigos vizinhos
arcade fire no rádio
jams, jellies & marmalades
tortas de maçã assadas
com o calor dos corações
fora bozo
feliz natal
Hugo Lima
Na Web
> Quem é.
Hugo Pontes
Natal e Natureza
Hugo Pontes
Na Germina
> Poesia Visual
Inês Campos
Altar
cada um montou para si um altar
nossa senhora ganhou renda no manto
flores de todas as quermesses e, escondido atrás do natal,
embrulhado na juta
o grão a palavra o orvalho
da primeira manhã
no segundo altar, só a máquina
a caixa de restos
o preto de todas as cores
no terceiro altar, os pães feitos com as horas
anteriores ao esquecimento
no quarto,
as três tábuas de sustentação
Inês Campos
Na Germina
> Poesia
Jairo Fará
Um Causo de Jesus e Maria Madalena
É um causo bem bonito
sem relato na história
aconteceu e repito
guardei em minha memória
não se encontra registro
alguém que tenha escrito
eu já lhe conto agora
São Jesus e Madalena
belo casal de caboclo
e nas ruas de Atenas
se amavam um ao outro
eles traziam apenas
umas lembranças pequenas
uma viola e um porco
sentado numa calçada
um caboclo arretado
que gosta duma estrada
ele manda um ponteado
com a viola ajustada
faz uma desembolada
o som sai todo ajeitado
Jesus aprecia as rimas
por isto para do lado
a música é coisa fina
ele sabe do riscado
sua viola é felina
faz as músicas de prima
é um caboclo arretado
o moço passa a viola
Jesus faz um ponteado
é uma parceria que rola
Jesus fica agraciado
e com as cordas explora
e todo mundo já chora
tudo fica animado
tudo é embonitado
psicodélico divino
é esse trem arretado
nem te conto, seu menino,
podia é ter avoado
mas fico é assustado
coração tá pequinino
é um negócio de louco
é o filho de John Lennon
pensa alto o caboclo
sou um filho dele não
Jesus que conversa pouco
explica pra o cabloco
sou só um cabeludão
eu venho de São Thomé
vim com esse meu fusquinha
e com a minha muié
largamos nossa rocinha
viemos dar um rolé
conhecer como que é
no mundo dar uma voltinha
com o seu chapéu no chão
espera um dinherim
é a vida de peão
trabalha por um dimdim
mas nesse dia então
não foi lá bastante bão
ganhou duas moedim
é um problema senão
Jesus toca o chapeuzim
e vira um dinheirão
uma coisa tipo assim
meio sem ter uma noção
mas deu bem mais emoção
que já ocorreu em mim
isso é muito estranho
pensa esse tal caboclo
consigo lá muito ganho
será que esse tal louco
é o tal filho de Deus
que vem lá descer dos céus
e eu só um bicho solto
Jesus me prova que não
com a tal identidade
só é imaginação
sou é gente de verdade
não existe nada não
sou apenas um doidão
em busca de liberdade
os três caboclos então
uma amizade que surge
tudo lá nos estrangeiros
lá nessas banda de longe
veio a viola primeiro
amizade de violeiros
a gente não se esconde
festejar a amizade
agora vamos beber
ir a um bar na cidade
ou ir comprar e trazer
Jesus tomou liberdade
ideia boa de verdade
de um bom vinho sorver
é uma coisa de cinema
momento especial
a vida vale a pena
dizem: não é nada mal
Jesus pede Madalena
minha mais linda pequena
traga água mineral.
Jairo Fará
Na Germina
> Poesia
Jéssica Iancoski
O mistério da vida na árvore natalina
Para Silvana Guimarães
eis o natal que se levanta ao final
de uma passagem sempre morta
e vendo a noite dormir acalentada
pelas canções da mãe mais antiga
o mundo se preenche pelo enigma
de se estar em véspera natalina
luz a luz a espécie observa a terra
se acender serena contra vilanias
nessa passagem púrpura de poesia
mudamos aflitos a todo momento
tornamo-nos a cada ano menos nós
e no entanto somos sempre mais
caminhando do humano ao arcano
da morte a sós apenas renascemos
infinitamente sem nenhuma eternidade
o amor das mãos acendido mudo
embrulha as memórias vindas frias
guardam-se as chaves do mundo
dentro do pouso dos presentes vários
o futuro bem embaixo da árvore natalina
aguarda a fina criança que o desvenda
Jéssica Iancoski
Na Germina
> Poesia
João Cabral de Melo Neto [1920-1999]
Cartão de Natal
Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.
João Cabral de Melo Neto
Na Web
> Poesia
João Diniz
O ano que vem
[desenho de joão diniz]
João Diniz
Na Germina
> Poesia
Joaquim Branco
Natal em Aleppo
Tentem ser felizes
se puderem imaginar
o Natal em Aleppo.
No meio de bombas
a poeira não irrita os olhos
a fome é um momento vago
as doenças vêm por ondas
a morte muda de lado
agora e a toda hora.
Fugir para nenhum lugar?
Não há.
A Europa não está no mapa. Vaza.
Não há refugiados,
mas fugitivos — pasmo! —
afortunados da morte — magos.
É preciso imaginar
o Natal em Aleppo,
mesmo sem se procurar
os culpados, que estes estão
felizes ocupando seus cargos,
dirigindo seus carros,
pilotando seus barcos.
[22/12/2016]
Joaquim Branco
Na Germina
> Poesia