[thomas wolter]

 
 
 
 
 
 
 

Diniz Gonçalves Filho

no trem pra mogi



paisagem áspera:

janelas em movimento noturno

balançam as casas


: manjedouras num presépio

de luzes precárias



Diniz Gonçalves Júnior

Na Germina

> Poesia







Fabíola Lacerda

anunciação



há um papai noel na sala

ele esmurra mamãe bem na barriga

quebra as estrelas e anjos da árvore

diz que vai me levar para sempre


mamãe me pediu para não acreditar em papai noel

não deixa que eu me sente em seu colo, nada de fotos

mamãe não gosta de natal, papai também não

não gosto de papai, ele me pede coisas estranhas


tia rosa vem me pegar, ela não se parece com papai

mamãe vai ter neném [olhos roxos e inchados de mamãe]

não quero ter neném, não quero boneca neném

quero carro, quero trenó

quero fazer de papai noel catchup

quero fazer catchup de papai


não precisamos de neném, nem de neném de gesso

nem



Fabíola Lacerda

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> Poesia







Fabíola Mazzini

Poema de Natal



o sol nasce para todos

mas permanece estrela distante

tem seu lugar


muitas pessoas vivem pra cavar,

manter, garantir um lugar

uma vida de fórceps


a cada dia, mais seres humanos só têm um lugar:

a face da Terra, a céu aberto, sem estrela guia

ou um deus salvador


alguns amam até abrir os pulsos para abrigar

um irmão



Fabíola Mazzini

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> Poesia







Graça Graúna

Yes



Yes,

natal

que é natal

tem que ter estrela

bem no topo da árvore,

de preferência, banhada

de purpurina. Enfeites, efeitos

grifes, beijinhos, velas, guardanapos,

CDs, framboesas, cartões de crédito, postais

e poemas que não falem do absurdo presépio

sob o viaduto

em construção



Graça Graúna

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Gustavo Cerqueira Guimarães

Natal





Gustavo Cerqueira Guimarães

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Heleno Godoy

4 poemas



Noite de Natal, 1993



Esta noite recuperaria outras?

Como borracha sábia e sensível

a eliminar rasuras, rabiscos de

rascunhos tentados, inconclusos?


Restauraria uns certos silêncios,

incertas decisões, acertos de conta,

um perdão por um livro ameaçado,

abandono de causa que nem vale


a pena ser trazida agora à tona?

Espera-se muito, sim, desta noite:

— Que sejamos morosos amigos,

amorosos e bondosos, mais antigos.


Esta noite, é verdade, nos violenta:

— Exibe uma só estrela e de nós

exige que com tão parca luz

iluminemos um ano todo inteiro.


Não deveria existir uma tal noite, se

ela nos ilude com tamanha esperança.

Mas ela existe! E uma vez acontece,

porquanto por ela sempre esperamos.







Noite de Natal, 2000



Dizem que não, por ser improvável, até

impossível, mas tais coisas acontecem:

sair súbito raio de uma nuvem escura e,

de um lado a outro, cruzar aquele céu

um meteorito em chamas. No mesmo


dia e hora em que uma procissão saía da

igreja ali ao lado, lá onde se jogava, num

campo de futebol, partida tão ou mais

importante quanto a devoção dos outros.


A angústia que se revelou, além do medo

do imponderável. Aqui, aquém/além do

infinito, como não temer o indesejado,

se visto por todos? E inesperadamente?


Desta forma as coisas acontecem: um raio

e meteorito, possível estrela retornando,

um anjo enfurecido e só, talvez também

cansado, uma dor nas asas, um pé virado?


Ora, é tudo o que nesta noite procuramos 

juntos: justiça dos acasos, fúria de elementos,

dor nova que veio e ficou, a esperança no

meio de um jogo, a procissão que começava,


um raio e um meteorito no escuro do céu

flambado. Continuados jogo e procissão,

é assim que vamos em frente, como todos:

pálidos de espanto medo, sempre presentes.







Noite de Natal, 2010



Num ano, perde-se o pai; noutro, ganha-

se um neto e, no entanto, não se trata de,

após a flor, aguardar pelo fruto, por sua

semente consequente, nova possível rama


e rumo, como se numa sucessão ou rota.

Nesta noite, como em qualquer outro ano,

este anjo apenas de novo vem iludir nossos

sonhos, oferecer-nos essa sensação que não


sacia jamais nossa fome sempre e cada vez

maior. Pois é apenas isso o que nesta noite,

este anjo nos proporciona não u'a supressão

ou, pela ordem, uma possível sequência;


só mesmo esta repetição, mais nada, como

se jamais soubéssemos ou pudéssemos dis-

tinguir, nesta noite, o que é esperança do

que não passa de mera ilusão da eternidade.







Noite de Natal, 2019



Aquele anjo, nesta noite, propiciava

coisas que, se não amenas, ao menos

menos tortas e agressivas, invasivas

e ameaçadoras.


Este novo anjo, não, prefere acusar

sem provas, deixar queimar florestas

ou derrubá-las, tardiamente mandar

limpar praias


poluídas por óleo que chega sem que

ele descubra de onde. Este anjo novo

desmantela rotas, permite mais armas,

instiga a discórdia.


Este novo anjo aposta. Prestidigitador,

propõe seus planos, golpes, trapaças. Se

é disso o que nesta noite gostam, façam

jogo, senhores!



Heleno Godoy

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> Quem é.







Hugo Lima

Jingle Bads



1.



o natal é uma invenção

o natal é um feriado

o natal é o momento propício

o natal é uma reunião

o natal é no shopping

o natal dá brindes

o natal é um anacronismo

o natal é uma tradição

o natal é um espetáculo

o natal é um clichê

o natal é renascimento

o natal é esperança

o natal é amor




2.



para isso fomos feitos:

para passarmos a noite em claro

trocando presentes e

palavras gentis

para fazermos votos de prosperidade

ao redor de uma árvore com luzes

que piscam


para isso fomos feitos:

para nos embebedarmos de vinho

não sem antes nos entupirmos

de comida não sem antes

fazermos uma oração

não sem antes pecarmos

gravemente pecarmos


para isso fomos feitos:

para que todo o caos se ordene

para que todo o mal que nos assola 

se converta em bem

para que toda a injustiça se dissipe

para que tudo se renove

até à meia-noite




3.



que todos tenham um natal

já seria o suficiente

mas que todos tenham paz

que todos tenham comida na mesa

que todos tenham livros

que todos tenham sua dignidade reconhecida

e respeitada

que todos tenham saúde

que todos tenham segurança

que todos tenham privacidade

que todos tenham onde morar

que todos tenham igualdade jurídica

que todos tenham liberdade 

de locomoção, de expressão e consciência

que todos tenham trabalho

que todos tenham afeto

é o meu presente




4.



crianças gritando

a água da piscina molhou minha blusa

joão gilberto no rádio

espumantes na geladeira

casa iluminada

netflix

guerra no iraque

terrorismo em israel

terra em transe

vírus em mutação

o telefone chamando de 10 em 10 minutos

família amigos vizinhos

arcade fire no rádio

jams, jellies & marmalades

tortas de maçã assadas

com o calor dos corações


fora bozo

feliz natal



Hugo Lima

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Hugo Pontes

Natal e Natureza




Hugo Pontes

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> Poesia Visual







Inês Campos

Altar



cada um montou para si um altar

nossa senhora ganhou renda no manto

flores de todas as quermesses e, escondido atrás do natal,

embrulhado na juta

o grão a palavra o orvalho

da primeira manhã


no segundo altar, só a máquina

a caixa de restos

o preto de todas as cores


no terceiro altar, os pães feitos com as horas

anteriores ao esquecimento


no quarto,

as três tábuas de sustentação



Inês Campos

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> Poesia







Jairo Fará

Um Causo de Jesus e Maria Madalena



É um causo bem bonito

sem relato na história

aconteceu e repito

guardei em minha memória

não se encontra registro

alguém que tenha escrito

eu já lhe conto agora


São Jesus e Madalena

belo casal de caboclo

e nas ruas de Atenas

se amavam um ao outro

eles traziam apenas

umas lembranças pequenas

uma viola e um porco


sentado numa calçada

um caboclo arretado

que gosta duma estrada

ele manda um ponteado

com a viola ajustada

faz uma desembolada

o som sai todo ajeitado


Jesus aprecia as rimas

por isto para do lado

a música é coisa fina

ele sabe do riscado

sua viola é felina

faz as músicas de prima

é um caboclo arretado


o moço passa a viola

Jesus faz um ponteado

é uma parceria que rola

Jesus fica agraciado

e com as cordas explora

e todo mundo já chora

tudo fica animado


tudo é embonitado

psicodélico divino

é esse trem arretado

nem te conto, seu menino,

podia é ter avoado

mas fico é assustado

coração tá pequinino


é um negócio de louco

é o filho de John Lennon

pensa alto o caboclo

sou um filho dele não

Jesus que conversa pouco

explica pra o cabloco

sou só um cabeludão


eu venho de São Thomé

vim com esse meu fusquinha

e com a minha muié

largamos nossa rocinha

viemos dar um rolé

conhecer como que é

no mundo dar uma voltinha


com o seu chapéu no chão

espera um dinherim

é a vida de peão

trabalha por um dimdim

mas nesse dia então

não foi lá bastante bão

ganhou duas moedim


é um problema senão

Jesus toca o chapeuzim

e vira um dinheirão

uma coisa tipo assim

meio sem ter uma noção

mas deu bem mais emoção

que já ocorreu em mim


isso é muito estranho

pensa esse tal caboclo

consigo lá muito ganho

será que esse tal louco

é o tal filho de Deus

que vem lá descer dos céus

e eu só um bicho solto


Jesus me prova que não

com a tal identidade

só é imaginação

sou é gente de verdade

não existe nada não

sou apenas um doidão

em busca de liberdade


os três caboclos então

uma amizade que surge

tudo lá nos estrangeiros

lá nessas banda de longe

veio a viola primeiro

amizade de violeiros

a gente não se esconde


festejar a amizade

agora vamos beber

ir a um bar na cidade

ou ir comprar e trazer

Jesus tomou liberdade

ideia boa de verdade

de um bom vinho sorver


é uma coisa de cinema

momento especial

a vida vale a pena

dizem: não é nada mal

Jesus pede Madalena

minha mais linda pequena

traga água mineral.



Jairo Fará

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> Poesia







Jéssica Iancoski

O mistério da vida na árvore natalina



Para Silvana Guimarães



eis o natal que se levanta ao final

de uma passagem sempre morta

e vendo a noite dormir acalentada


pelas canções da mãe mais antiga

o mundo se preenche pelo enigma

de se estar em véspera natalina


luz a luz a espécie observa a terra

se acender serena contra vilanias

nessa passagem púrpura de poesia


mudamos aflitos a todo momento

tornamo-nos a cada ano menos nós

e no entanto somos sempre mais


caminhando do humano ao arcano

da morte a sós apenas renascemos

infinitamente sem nenhuma eternidade


o amor das mãos acendido mudo

embrulha as memórias vindas frias

guardam-se as chaves do mundo


dentro do pouso dos presentes vários

o futuro bem embaixo da árvore natalina

aguarda a fina criança que o desvenda



Jéssica Iancoski

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> Poesia







João Cabral de Melo Neto [1920-1999]

Cartão de Natal



Pois que reinaugurando essa criança

pensam os homens

reinaugurar a sua vida

e começar novo caderno,

fresco como o pão do dia;

pois que nestes dias a aventura

parece em ponto de voo, e parece

que vão enfim poder

explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno

sua atração núbil para o dente;

que o entusiasmo conserve vivas

suas molas,

e possa enfim o ferro

comer a ferrugem

o sim comer o não.



João Cabral de Melo Neto

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João Diniz

O ano que vem




[desenho de joão diniz]




João Diniz

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Joaquim Branco

Natal em Aleppo



Tentem ser felizes

se puderem imaginar

o Natal em Aleppo.


No meio de bombas

a poeira não irrita os olhos

a fome é um momento vago

as doenças vêm por ondas

a morte muda de lado

agora e a toda hora.


Fugir para nenhum lugar?

Não há.

A Europa não está no mapa. Vaza.

Não há refugiados,

mas fugitivos — pasmo! —

afortunados da morte — magos.


É preciso imaginar

o Natal em Aleppo,

mesmo sem se procurar

os culpados, que estes estão

felizes ocupando seus cargos,

dirigindo seus carros,

pilotando seus barcos.



[22/12/2016]



Joaquim Branco

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