NJ desde NY | joão diniz | fotografia | 2012

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O poema     

 

 

de tanto queimar

gelou

de tanto pensar

travou

de tanto falar

mentiu

de tanto riscar

apagou

 

de tanto chorar

secou

de tanto querer

perdeu

de tanto limpar

marcou

de tanto gritar

abafou

 

cada vez mais precisamos de pouco

o ser mais simples é o ser mais solto

 

de tanto somar

faltou

de tanto pedir

roubou

de tanto contar

zerou

de tanto guardar

confessou

 

de tanto brilhar

cegou

de tanto clamar

negou

de tanto atar

cortou

de tanto chamar

afastou

 

cada vez mais precisamos de pouco

o ser mais simples é o ser mais solto

 

 

 

 

Razão

 

 

Sempre me interessei pelo entendimento da poesia como uma "arquitetura da palavra", em que a escrita levasse a uma busca de estruturas alinhadas, moduladas, ritmadas, com harmonias e texturas várias. Nesse sentido, o texto, como um edifício construído, responde a uma ideia de composição projetada e construída. Ao mesmo tempo, essa aparente racionalidade verbal não nega a abstração de sentimentos e sentidos que respondam à observação consciente do dia a dia, a um engajamento crítico e a uma busca de sonoridades, que vão além das letras impressas no papel, entendendo que a poesia só se revela integralmente no discurso oral, que pode ser interpretado diferentemente por cada leitor.

 

Esses conceitos estão presentes no livro Ábaco, que lancei em 2011 pela editora Asa de Papel de Belo Horizonte. O próprio nome dado à edição relaciona-se à ideia das possibilidades numéricas do ábaco, instrumento milenar de cálculos, antecessor do computador, e que pode ser entendido como uma máquina de formular perguntas e de dar respostas. Dessa forma, nesse livro, vários poemas apresentam-se como propostas abertas, em que o encadeamento modular e estrutural, aliado ao sentido proposto pelo tema, propõem e permitem que o leitor continue a fala ou o canto, aceitando e completando o mote iniciado pelo autor.

 

No caso do poema "Tanto", esse nosso mundo de contradições serve como motivo para constatar que os excessos diários podem chegar a resultados opostos e danosos, num encadeamento ritmado que culmina no refrão, que pretende reverter o impasse causado pelo exagero. Então, deixo aqui o convite para que os leitores "prossigam" esse poema, emprestando suas observações e criticas a essa estrutura verbal que escrevi.

 

Como inspiração, proponho que ouçam as improvisações feitas pelo cantor/compositor Lei Faria, somadas aos sons eletrônicos, que acrescentei sobre texto de "Tanto". Para isso, clique aqui.

 

 

junho, 2015

 

 

 

João Diniz (Belo Horizonte/MG). Arquiteto, tem seu escritório de projetos ativo em Belo Horizonte, onde é também professor universitário. Lançou, dentre outros, os livros JDArquiteturas (AP Cultural, 2002) e Steel Life (JJCarol, 2010) sobre sua obra arquitetônica; e Circuito Atelier: Depoimento (C/Arte, 2007), Ábaco e Aforismos Experimentais (Asa de Papel, 2011 e 2014) sobre poesia e atividades multimídia. É diretor do coletivo "Pterodata", que tem se dedicado às performances poéticas e interdisciplinares, fotografia, música e videoarte. Mais: www.joaodiniz.com.br.