DA ÍNDIA PARA ISRAEL

 

 

apertei meu quadril

no riquixá em que você andou

espirrei com os excessos

de incensos e templos budistas

 

em muros divididos

em israel e jordânia

troquei línguas e fronteiras

tomei o café turco

com a borra da sua sorte

 

só levantei da poltrona

para virar minha ampulheta

segurando o pensamento entre os dentes

sem vistos para outros sítios

que não o seu

 

 

 

 

 

 

DESPEJO

 

 

então reuni minhas quinquilharias:

– 5 ameaças

– 30 folhas de esperas

– 2 pés descalços

– 1 dente de leite

– 3 medos guardados em gavetas

apropriadas

– 2 saudades vermelhas

– alguma frase                             

cortada

 

(onde guardar tanto grito?)

 

minhas borboletas: soltei

meu jardim: deixei para o próximo inquilino

 

 

 

 

 

 

INICIAÇÃO

 

 

um dia o pároco de alvorada de minas

tirou a batina e foi para o

garimpo

 

recebemos da diocese a recomendação

de escrever todos os nossos pecados

até que fossem expiados

 

adorei escrever pecados

fazia-os redondos

com flores e corações

 

um dia chegou um novo pároco

e eu — meio a contragosto —

entreguei-lhe meus cadernos

 

 

 

 

 

 

SICÍLIA

 

 

são as palavras

aquelas guardadas

ou as outras

ditas aos solavancos

fugidias

 

são os silêncios

que permanecem

templos antigos

mal restaurados

 

é a grama

que cresce

ao redor

em cima

dentro

 

 

 

 

 

 

RIO-SANTOS

 

 

o mar não me afoga

não se importa

pelo mar eu passo

 

em minas, não:

tudo é areia movediça

tudo é galho

tudo está para ser escalado

 

 

 

 

 

 

INVENTÁRIO

 

 

procuro as sandálias de minha avó

em corredores de ariadne

evito o porão e seus castigos

a obrigação de comer berinjela

 

encontro seu precioso caderno de receitas

a secreta preparação da delícia de ameixas

pergunto o que é meu

meu mesmo

daqueles grudados

 

 

 

 

 

 

A ARTE DA PESCA

 

 

tempo de poda

dos galhos

das palavras soltas

das desculpas

 

tempo de espera

e resistência diante

da secura das coisas

das gentes

 

a necessidade

de silêncio para a pesca

de soltar os pequenos

e de lançar o anzol

um pouco mais distante

 

 

 

 

 

 

DIAMANTINA

 

 

eu também quero

o gosto de melado com cará

os primeiros passos de um filho

não nascido

a compreensão nos olhos

de um outro homem

a minha coluna vertebral intacta

 

quero me enraizar

nas montanhas de minas

e depois renascer borboleta

sem ter que ser lagarta

 

 

 

 

 

 

RIO ACIMA

 

 

o sol desbotou a casa

inclusive eu — móvel antigo

esquecido na varanda —

 

a meninada se divertia

então me pus como

um ornamento autêntico

 

depois — toda suja de ovos —

fui tomar um banho

 

 

 

 

 

 

TRÁS-OS-MONTES

 

 

apesar disso

o sol se esparramou

atrás dos montes

 

em algum momento

comovida pela urgência

sacudi minhas penas

e ameacei

um voo

 

esqueci: ninguém voa assim

impunemente

 

então guardei minhas asas

fechei as janelas

e liguei a TV

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO DOS NÁUFRAGOS

 

 

checar os monstros do armário

o tigre debaixo da cama

os pés bem guardados

 

a estratégia para a fuga

as perguntas arquivadas

e a capa da invisibilidade

 

 

 

 

 

 

DIA DE ELISA

 

 

dia em que vi meu pai

fomos até o cume

e a chuva embaralhou seus passos

 

dia em que me enrosquei

no seu xale francês

nos seus 8 cobertores

no feriado em que não apareci

 

dia em que quebramos o seu cuco

recolhemos suas receitas

e colocamos — escondida — aquela carta no seu bolso

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Inês Campos nasceu em Belo Horizonte, onde vive. É poeta e advogada. Geografia Particular é seu primeiro livro, publicado em 2017 pela editora Cas'a'screver. Tem poemas publicados em revistas eletrônicas.