Alberto Lins Caldas
Na Germina
> Poesia
AL-Chaer
novimento
envelhecendo
desde
mil movimentos e 63
moderno
a partir de
mil movimentos e 22
AL-Chaer
Na Germina
> Poesia Visual
Alê Motta
Fedor
Tem duas semanas que o corredor do nosso prédio fede. Achei que fosse lixo esquecido de algum vizinho, mas ontem de manhã o cheiro estava insuportável e de tarde já cheirava dentro da gente. Uma vizinha sentiu tonturas, desmaiou e outra vomitou ao sair para trabalhar.
Hoje estamos todos assombrados. Uns homens arrombaram a porta e retiraram o velho. Ele morava sozinho.
Era um viúvo zangado e brigão. Antipático. Mas ninguém merece morrer com as calças arriadas, cagando.
E ainda piora. No enterro só estavam os dois coveiros e eu. Não sei explicar porque fui. Acho que queria me livrar do cheiro que ainda está impregnado no nosso prédio. E nos cemitérios costuma bater um ventinho delicioso.
Alê Motta
Na Germina
> Contos
Alex Simões
números de guerra
137 pessoas morreram até ontem
em 3 dias de guerra na Ucrânia.
no Brasil, no ano passado, em média,
112 pessoas foram assassinadas por dia.
a população negra tem 2,7 mais chances
de ser assassinada do que a branca.
para os não negros brasileiros, a taxa de
homicídio é semelhante à da Rússia.
na guerra da Ucrânia, há 11 dias,
cerca de 360 pessoas foram mortas.
na paz da Bahia, no ano passado, a cada 11 dias,
cerca de 180 pessoas foram assassinadas.
no Iêmen, 24 milhões de pessoas
necessitam de suporte humanitário.
no Brasil, quase 20 milhões passam 24 horas
ou mais sem ter o que comer.
na guerra da Somália, em 2012, mais de 800 mulheres
foram estupradas entre setembro e novembro.
na paz do Brasil, em 2018, cerca de 16,2 mil mulheres
foram estupradas entre setembro e novembro.
na República Democrática do Congo, cerca de 1,3 mil civis
foram mortos em vários conflitos num período de 8 meses, em 2020.
no Brasil, entre 2017 e 2019, policiais mataram
ao menos 2.215 crianças e adolescentes no país.
a guerra na Síria deixou a marca de
56.900 desaparecidos em 7 anos.
no Brasil, mesmo na pandemia, foram registrados
62,8 mil desaparecimentos em 2020.
mais de 650 mil iraquianos foram mortos na guerra em 4 anos.
mais de 650 mil brasileiros foram mortos de covid-19 em 2 anos.
[27/02/2022]
Alex Simões
Na Germina
> Poesia
Alícia Duarte Penna
Ode a Benedito
Teu corpo, Benedito, é o corpo mais bonito!
E que olhos, que olhos!
Meu deus, os olhos de Benedito!
Às vezes ficam verdes!
O nariz de Benedito!
A boca de Benedito!
O pescoço, o colo,
as toleimas, as tireoides,
as meias de Benedito
enternecem a quem quer que as veja!
Os pés de Benedito!
São feios, mas que falanges!
Que falácia esta ode que por ora a ti ofereço, meu Benedito,
quando tu és o corpo mais bonito!
[Este poema, publicado em Duo terno e gravata (edição independente, 1984) e Quarenta poemas e dez (Scriptum, 2012), foi musicado por Gil Amâncio e, depois, por Eduardo Guimarães Álvares]
Alícia Duarte Penna
Na web
> Alícia Duarte Penna
Amanda Vital
flor e náusea
há sempre uma pequena flor em todo canteiro
que brota sem ser semeada: geralmente na cor
amarela, tem as folhas encrespadas, escuras e
murchas, o caule curtíssimo, pétalas frágeis ao
toque. nasce nas quinas, entre terra e concreto,
atrás das plantas pré-planejadas nos escritórios,
sem os devidos requisitos, de penetra, entrona.
a vida miserável dessa flor: ver todas as outras
vistosas, bonitas de nascença, a tomarem-lhe o
sol, o prestígio. invisível nas quinas, removida
na centralização das fotografias, vez ou outra é
arrancada para morar atrás da orelha das moças,
no máximo ser a pequena flor-de-intervalo dos
buquês. tão feinha, meu deus, e tão imprestável.
hoje em dia põem tanta esperança na rebeldia
como se fosse a coisa mais potente que existe.
existir, até existe, a flor rebelde: uma vida toda
a murchar na fissura, a fazer manobras abaixo
do solo para tentar fincar raízes entre as raízes,
em cima e embaixo sempre a mais fraca, a mais
feia, a mais incapaz. tão teimosa, a flor amarela,
dorme e acorda a convencer-se de seu propósito
no mundo: resistir. porque é só isso que sobra, o
resto é conversa, o bom perfume está catalogado,
a beleza está catalogada, e o desejo é prescritivo.
o que resiste é a natureza dos seres feios: os cães
estrábicos, os limões deformados, bactérias raras,
mulheres como eu, infelizmente. e flores amarelas.
Amanda Vital
Na Germina
> Poesia
Ana Caetano
Sem nome
Ana Paula Dacota
No Instagram
@anapauladacotabh
André Luiz Costa
ensaio sobre o fim das estátuas
em cima da mesa outra espécie
de natureza morta
aguarda a contagem dos dias
observamos o mármore e o metal
por onde escorrem substâncias líquidas
sem desperdício ou modificação
observamos o que não se perde
no entanto perdemos
a cada segundo
dos pés em bronze uma sorte
não caminham mais
nem as mãos nem a boca
a paisagem o dia — nada
nem o sol queimando a pele
é importante pensar que o fim
chegará sem treinamento
o corpo irá testemunhar sozinho
que nada é fixo no centro
da rotação
André Luiz Costa
No Instagram
@anluizcosta
Andréia Carvalho Gavita
No que você está pensando?
Segunda, 19h45
Cansada,
me finjo boba,
cubista, expressionista
quando o homem amarelo
no púlpito do jornal
internacional
discursa em retórica fálica
a fábula do abaporu
[Alguém está digitando um comentário]
Segunda, 20h56
Moderninha na rede social
ilustro a mágoa
mimetizando uma selfie do Leo
Legendo no status da monalisa:
— Basta de expor
a carne operária
em pietás imaculadas
ou pérola de brinco
intelectual
[Alguém está digitando um comentário]
Terça, 02h17
Vem um tarsilinha revisitado
me contrariar
dedilhando com anéis de prata
na fileira magra
do pão
— ÍCONE NÃO É PARA SUBURBANAS
[Alguém está digitando um comentário]
Terça, 06h22
Esqueço a postura diplomática
e devolvo o caps lock:
— DECLAMO UM FUNK
NA TUMBA
DE MÁRIO ANDRADE
e ele gosta.
[Nenhum comentário]
Passo o dia tranquila,
abstrata, concretista.
(O defensor do cânone dorme
durante meu expediente.)
[que tiro foi esse?]
Andréia Carvalho Gavita
Na Germina
> Poesia
Angelo Mazzuchelli
VivAcidade
Angelo Mazzuchelli
Na web
> Bruma
Annita Costa Malufe
Sem título
a lua não se apoia em nada
eu não me apoio em nada
cato com a boca o resto das letras
uma sinuosidade
e então cato mordo uma ou duas letras que caem
eu não me apoio em nada é como se cintilasse uma fenda
a cada minuto uma e outra e mais outra fenda
uma sinuosidade estradas que fazem cotovelos
descer para o mar esticar os braços com o corpo na areia
uma sinuosidade na dobra de cada esquina
dizer bom dia boa noite mas eu não me apoio em nada
a lua não se apoia em nada ele não se apoia em nada
enquanto fala enquanto gesticula
cada dobra da língua é uma viagem caminhos
desconhecidos é estar na beira de um precipício suave
não se sabe qual a próxima imagem
uma lua dependurada por barbantes invisíveis
ela não se apoia em nada é estar jogado em um súbito
vácuo como seria acompanhar
a sinuosidade da serra e suas imersões?
como seria é o que ele diz rediz mas redizer
é novamente dizer pela primeira vez
descer para o mar pela primeira vez
esticar os braços e a areia não é a mesma
jamais debaixo das costas não há um apoio
as dobras da língua as cordas vocais há uma articulação
articule veja deste precipício o que avistamos
uma fenda é como uma cintilação breve ao mesmo tempo
eterna sem duração definida um espaço que se abre uma
sinuosidade seguir a estrada até o mar
dobrando os cotovelos do caminho uma sinuosidade suave
que não se apoia em nada
a lua não se apoia em nada
"a lua não se apoia em nada
eu não me apoio em nada"
Roberto Piva
Annita Costa Malufe
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