Dirceu
Villa, poeta nascido em São Paulo em 1975,
é Mestre em Letras/USP. Autor de MCMXCVIII (Badaró,
1998) e de Descort (Hedra, 2003), segundo livro de
poemas, ganhador do prêmio Nascente. Editor, com o poeta e fotógrafo
Cídio Martins, da revista de arte Gargântua
(Humanitas, 1999), na qual participou também como autor. Durante
esse mesmo ano, apresentou um programa de entrevistas e leituras para
a rádio da internet CR37, do museu Casa das Rosas, sob direção
de R H Jackson. Integrou a antologia de poetas brasileiros da revista
nova-iorquina Rattapallax, nº 9 (Rattapallax Press
e Editora 34, 2003) e traduziu o livro de poemas Lustra
(1916), de Ezra Pound, para dissertação de mestrado na
USP. Desenhou a HQ A Tarde de um Fauno (Quadreca, Com-Arte,
1999). Lecionou no curso de Especialização em Literatura,
na Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP. Tem poemas publicados
nas revistas Ácaro e Ciência & Cultura.
Mais, no Jornal
de Poesia, Officina
Perniciosa, Poemas, Um Inferno de Puro Gozo, A Vida Inclassificável, A Pornografia e o Erotismo. |
E eis que o espírito de época
apareceu para mim
nas plumas de um grande pavão
(que eu pensei ser de Yeats):
algumas pareciam círios,
outras abriam um leque
em torno do enorme traseiro,
e, sobre o crânio minúsculo,
o que parecia uma auréola
casta, sagrada e eterna.
Mas com a língua pra fora
do bico entreaberto,
disse apenas:
“Vem aqui e me come”.
(Descort,
Hedra, 2003)
Nem sempre serás:
o chão perde a grama,
as plantas perdem as flores,
as rosas perdem os espinhos
e os lírios voam ao vento;
as vinhas não duram vergadas de uvas
e não dura a sombra das pessoas
contra a luz do sol.
(Descort, Hedra, 2003)
As nuvens de
azul-sujo na janela,
embrulhando a maçã de ouro do sol,
trouxeram o sr. Villa diante Dela,
como antes Duchamp ao urinol.
Torpor de membros,
polipodiáceo,
olhos, dois ocos de árvore fundos,
aparência geral de hic jaceo,
teve sonhos que resumem o mundo:
Mulher azul e
verde, maquiada,
sai dentre as latas de lixo, Afrodite;
chuva de ácido em gotas douradas,
Dânae de ouro com botas de piche.
Hyeronimus Bosch
nos mostra onde estamos,
no fogo contra o escuro, boca no ânus,
serpente vermelha incendeia o gelo:
Eva e o amor à mão (cf. Michelangelo).
Maria morre entre
flores num pântano,
entre botões vermelhos e caniços,
desfeita sob a água como Ofélia,
e o grande arcanjo explora os orifícios.
Maria diz: let’s
get unconscious, honey,
palavras se dissolvem no palato.
Já ereto o sr. Villa diz: “Sei,
a fantasia é a vida contra o fato.”
E lá fora, algum rastro do astro-rei.
(Descort, Hedra, 2003)
Oh, o subdesenvolvimento
me marcou profundamente.
Sim, eu me preocupo
e protesto aqui da minha cadeira.
Oh, quem sou eu?
.......quem sou eu?
Total falta de interesse.
Oh, o tédio da cidade
afetando um ar blasé...
não terei mais o que fazer?
Oh, o santo sacrossanto
sertão de tanta dor...
a rosa hoje em pedaços era flor.
Oh, que dilema
cultural
.......que
dilema...
(MCMXCVIII, Badaró, 1998)
Sobrados paredes contíguas
com vira-latas deitados na frente
.........velhas no portão
tufos de plantas verde-cinzentas
pastilhas cobrindo as fachadas
calçadas de pele já gasta
.........rugas
nas árvores
as velhas fofocam
a ferrugem devora o portão.
(Descort,
Hedra, 2003)
Chumbo encobre
O ouro da manhã
Flores para mim mesma.
Flores para mim mesma.
(MCMXCVIII,
Badaró, 1998)
(livro novo, e ainda sem editora)
Dizem que Gœthe
pediu mais luz,
Mehr Licht, no momento da morte.
Mas, como resposta,
Apenas abriram as janelas.
(Descort, Hedra, 2003)
Telhados de São
Paulo,
cinza de seus mortos
.....subindo aos céus,
topo distante
.....dos
prédios,
telhados das casas cinzentas,
.....cinza
de seus mortos,
que ninguém conheceu,
.....telhas
em pedaços,
..............cimento ríspido,
antenas
..............oh
......................antenas
.....e cinza de seus mortos;
não a cidade não pára,
......não pára nunca
................de morrer.
Nua e triste,
......te magoaram,
...............nos meus braços
.........................chora.
Olhos cinzentos,
....cinza de seus mortos
e as pessoas nas casas
....não
conseguem pregar os olhos.
Noite o tempo todo,
...............cinza de seus mortos,
........................quarta de cinzas
.....cinzenta.
(Descort, Hedra, 2003)