Augusto Cavalcanti

 

Partitura do Exílio

 

E como lembra o sabiá que canta

sentindo o cheiro das penas num coco

sobre tua perna azeda, num bonde num canto.

Eles se esquecem, daqui ou de lá, mesmo!

 

Acorda o cara saudoso, por favor.

"Senhor, é sua parada", diz alguém.

Que nosso exílio non tem mais raiz no!

 

Se doutro lado da terra soubesse dos teus gostos...

...vai sumindo que não sobra nem a saudade e a cor.

 

Uma memória líquida se inventa, chame-a glória imediata!

 

E sem a memória não existe a saudade no exílio. Não existem padrões de

                                                                                     [relação.

Virando a esquina ou noutra terra vive alguém. Ali na casa do moinho.

Não faz referência à coisa alguma, mesmo!

 

Esse romantismo saudosista me enoja.

E nos faz esquecer do gosto limpo de ti, das coisas,

Do bonde, do elixir, do que escorrega e nunca foi.

 

 

 

 

 

 

Báh

 

O Exílio da Canção

 

Minha terra tem horrores

Tem folia e tendepá

Pedras jogam-se nos pássaros

E em quem não sabe marchar

 

Nosso céu tem mais fumaça

Nossos rios tem mais espuma

Nossos bosques caçadores

Nossas matas têm queimadas

Nossa vida não tem rima

 

Minha terra não dá terra

Pra se plantar ou morar

Tem muito gado no pasto

E luxúria nos palácios

Muita moita na cidade

Muita fome e impunidade

 

Minha terra tem igrejas

Minha terra tem favelas

Tem novela e solidão

Menores e prostitutas

Cocaína de plantão

Muitas canções e poetas

Muita dor pouca guerrilha

E as antenas de tevê

Mentindo mais que a mentira

 

Mesmo assim é o paraíso

Não permita Deus que eu morra

Inferno melhor não há

É Sodoma e é Gomorra

Indo sou politeísta

Também sado-masoquista

Miserável brasileiro

Que não tem honra nem glória

Brasileiro miserável

Que não vai entrar pra história

 

Se eu não tenho educação

Por favor não leve a mal

Minha terra tem vaidades

Muitas bençãos muitas fardas

Futebol e carnaval

Tem cachaça e caviar

Mas não tem leite nem pão

Mesmo assim é o paraíso

Não permita Deus que eu morra

Que eu não quero morrer não.

 

(Janeiro, 1992)

 

 

 

 

 

 

Benedita Azevedo

 

A Minha Terra

 

Minha terra vou te amar!

Foi lá que ao mundo cheguei,

E naquele rio nadei.

Tentei aprender remar

Para o rio navegar.

Com folhas tais quais bandeiras

Em suas margens as palmeiras

Transmitindo as alegrias,

Cantos de Gonçalves Dias:

MINHA TERRA TEM PALMEIRAS.

 

São tantos os bens legados

Alegria do meu povo...

Ai! Quero vê-las de novo.

Tais quais leques espalhados

Em horizontes nublados

Quero muito voltar lá.

Correr pra lá e pra cá,

Ver aquela natureza

De Itapecuru, beleza...

ONDE CANTA O SABIÁ.

 

Meu rio naquelas paragens,

Correndo bem caudaloso

Com seu cantar amoroso.

Ondas batendo nas margens

Dos banzeiros, das aragens,

E as meninas que passeiam.

Com sorrisos alardeiam,

Para os meninos que encontram,

Todos ali reencontram,

AS AVES QUE AQUI GORJEIAM.

 

Já vai lá o entardecer

Daquela gente querida

Que deu vida à minha vida,

Não consigo esquecer.

E quero então merecer,

No jantar um vatapá.

Depois ver o boi-bumbá,

Visitar os meus vizinhos

Pois aqui os passarinhos

NÃO GORJEIAM COMO LÁ.

 

Praia do Anil, Majé (RJ), 05 de maio de 2008

 

 

 

 

 

 

Belchior

 

Retórica Sentimental

 

Moro num lugar comum, perto daqui, chamado Brasil.

Feito de três raças tristes, folhas verdes de tabaco

e o guaraná guarani.

Alegria, namorados, alegria de Ceci.

Manequins emocionadas:

— são touradas de Madrid

...que em matéria de palmeira ainda tem o buriti perdido.

Símbolo de nossa adolescência,

signo de nossa inocência índia, sangue tupi.

E por falar no sabiá, o poeta Gonçalves Dias é que sabia...

Sabe lá se não queria

uma Europa bananeira.

(Diga lá, tristes trópicos,

sabiá laranjeiras!)

Aliás, meu camarada, o cantor popular falou divinamente:

"Deus é uma coisa brasileira, nordestinamente paciente".

Oh! blood moon.

 

 

 

 

 

 

Bom dia DF

 

Minha Terra Tem Poetas

 

Minha terra tem poetas, do Plano Piloto ao Guará. Poetas de Taguatinga, Cruzeiro e Paranoá. Só os poetas são capazes de amenizar a solidão coletiva das cidades. Seu jeito particular de ver as coisas é a lanterna que ajuda a clarear o caminho por onde andamos.

 

Com o poeta Renato Russo, por exemplo, aprendemos que é preciso amar como se não houvesse amanhã. Com o outro Renato, o Matos, aprendemos que um telefone é muito pouco para quem ama como louco e mora no Plano Piloto. Com Nicolas Behr, nosso vicking que adora palavras e palmeiras, percebemos que nem tudo o que é torto é errado: vide as pernas de Garrincha e as árvores do cerrado.

 

Aprendemos com a alma morena de Paula Ziegler, que quando todos se calam a um só tempo é possível ouvir o silêncio da poesia.

 

O piauiense Climério Ferreira nos ensina que o amor é sentimento ilhado: mesmo morto e amordaçado, sempre volta a incomodar. TT Catalão lembra que Brasília é soma, e nossa mistura, graças a Deus, nos tirou da virgindade da raça única.

 

O velho cão, que mora debaixo da pele do mestre Cassiano Nunes, nos adverte de que a solidão pode ser imensa, mas o mundo é pequeno. Na companhia de Ézio Pires, andamos descalços pela vastidão da noite e ficamos com um gosto de estrelas na boca. O poeta Luiz Martins ralha com a gente: "não se deve jogar pontas de cigarros nos gramados!". Mas lembra que é inútil incinerar saudades.

 

Turiba manda dizer que, apesar das aulas de cálculo na UnB, os bebês crescem nas barrigas e as buganvílias insistem em florescer.

 

E com um poeta maior, Anderson Braga Horta, aprendemos que basta uma centelha de céu para incendiar os campos de ternura. É... E ainda tem gente espalhando por aí que Brasília não tem alma... Perdoai, poetas, perdoai: eles não sabem o que dizem...

 

 

(Texto de reportagem veiculada pelo programa Bom Dia DF, da Rede Globo, em 13 de março de 2004)

 

 

 

 

 

 

Cacaso

 

Jogos Florais I

 

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o tico-tico

Enquanto isso o sabiá

Vive comendo o meu fubá

 

Ficou moderno o Brasil

Ficou moderno o milagre

A água já não vira vinho,

Vira direto vinagre

 

 

 

Jogos Florais II

 

Minha terra tem Palmares

Memória cala-te já

Peço licença poética

Belém capital Pará

 

Bem, meus prezados senhores

Dado o avançado da hora

Errata e efeitos do vinho

O poeta sai de fininho

 

(será mesmo com dois esses

que se escreve paçarinho?)

 

 

 

Cacaso
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Poemas

 





Caio de Freitas


Sururu


Barulho!

Minha terra é barulhenta!

Minha terra é mulata festeira

Que passa dançando.

Rodopiando.

Dançando, rodopiando.

Pela janela do vale.

Pelo corredor do desfiladeiro.

Junto do órgão das cascatas.

Sobre a dentadura da serra

E nos grotões onde geme a alma negra.


Do eito do engenho.


Minha terra tem chagas de ouro,

Tem esparadrapos, que são telhados,

Tem tumores, que são montanhas.


A alma do homem da minha terra

É feita de suínos, que roncam,

De galinhas, que cacarejam,

De cabritos, que vivem a saltar


Minha terra é a terra do angu

Vive num sururu.

Porque vive pulando

pulando

pulando

A pular, a pular







Caio Junqueira Maciel


Lá em Cruzília


Minha terra não tem palmeiras

Mas tem muito sabiá

Deus expulse o Covid

Pra que eu possa lá voltar.


Minha terra não tem vagas

Pra eu poder hospitalizar

Deus permita que o povo

Saiba a máscara usar

E assim que tudo melhore

Eu possa pra lá voltar...







Canto de Protesto Estudantil


Sem título


Minha terra tem petróleo,

que o Roberto quer levar;

mas também tem estudante,

que não deixa entregar.


[Diário de Notícias. Rio de Janeiro: 6 de fevereiro de 1959. O semanário. Rio de Janeiro: 26 de fevereiro a 4 de março de 1958, ed. 00148, p. 7.]





Carlos Drummond de Andrade

 

Eu Protesto

 

(trecho)

 

Eu queria deitar debaixo dum coqueiro

e enrolar as botinas num infinito Jornal do Comércio.

Mas minha terra não tem coqueiros!

Minha terra não tem palmeiras!

Ela é nua e triste

como uma mulher que tirasse a roupa e entristecesse.

 

Dizem que é uma cidade civilizada...

Merda!

Eu sei de caminhos onde os meus patrícios não vão

e sei de terras que fazem parar o sangue da gente.

Nessas terras é que eu queria ir:

prefeitura não deixa!

Estado não deixa!

Literatura não consente!

A literatura em minha terra é oficial como as palmeiras.

 

(Do livro Minha terra tem palmeiras, não publicado)

 

 

 

 

Europa, França, Bahia

 

Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.

Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo.

Os cais bolorentos de livros judeus

e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.

 

O pulo da Mancha num segundo.

Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas.

Tarifas bancos fábricas trustes craques.

Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas formam um tapete

                                  [para sua Graciosa Majestade Britânica pisar.

E a lua de Londres como um remorso.

 

Submarinos inúteis retalham mares vencidos.

O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruinados.

Hamburgo, umbigo do mundo.

Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos outros dentro

                                                          [de alguns anos.

        

A Itália explora conscienciosamente vulcões apagados.

vulcões que nunca estiveram acesos.

a não ser na cabeça de Mussolini.

E a Suiça cândida se oferece

numa coleção de postais de altitudes altíssimas.

 

Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.

        

Não há mais Turquia.

O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a declanchar.

Mas a Rússia tem as cores da vida.

A Rússia é vermelha e branca.

Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme  bolchevista e no

                            [túmulo de Lenin em Moscou parece que um

                            [coração enorme está batendo, batendo

Mas não bate igual ao da gente...

 

Chega!

Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.

Minha boca procura a "Canção do Exílio".

Como era mesmo a "Canção do Exílio"?

Eu tão esquecido de minha terra...

Ai terra que tem palmeiras

onde canta o sabiá!

 

 

 

 

Nova Canção do Exílio

 

a Josué Montelo

 

Um sabiá

na palmeira, longe.

Estas aves cantam

um outro canto.

 

O céu cintila

sobre flores úmidas.

Vozes na mata,

e o maior amor.

 

Só, na noite,

seria feliz:

um sabiá,

na palmeira, longe.

 

Onde é tudo belo

e fantástico,

só, na noite,

seria feliz.

(Um sabiá, na palmeira ao longe.)

 

Ainda um grito de vida e voltar

para onde tudo é belo e fantástico:

a palmeira, o sabiá, o longe.



Fazendeiro de Cana


Minha terra tem palmeiras?

Não. Minha terra tem engenhocas de rapadura e cachaça e açúcar marrom,

tiquinho, para o gasto.

Canavial se alastra pela serra do Onça,

vai ao Mutum, ao Sarcundo,

clareia Morro Escuro, Queixadas, Sete Cachoeiras. Capitão do Mato enverdece de cana madura,

tem cheiro de parati no Bananal e no Lava,

no Piçarão, nas Cobras, no Toco.

no Alegre, na Mumbaça.

Tem rolete de cana chamando para chupar

nas Abóboras, no Quenta-Sol, nas Botas.

Tem cana caiana e cana crioula,

cana-pitu, cana rajada, cana-do-governo

e muitas outras canas e garapas,

e bagaço para os porcos em assembleia grunhidora

diante da moenda

movida gravemente pela junta de bois

de sólida tristeza e resignação.


As fazendas misturam dor e consolo

em caldo verde-garrafa

e sessenta mil-réis de imposto fazendeiro.


 

 

Carlos Drummond de Andrade
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Poemas

 

 

 

 


Carlos Perplexo


7ª Pilheria do Sr. Bispo


O mesmo poeta recitou mais tarde esse verso:


Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá,

As aves que aqui gorgeiam

Não gorgeiam como lá na roça.


[Estado de S.Paulo, 25 de setembro de 1888]







Carvalho Junior


Canção de um Filho


minha terra não tem Bandeira

mestre Drummond também não é de cá

mas os poetas que aqui nasceram

do mesmo modo sabem encantar

nossas estrelas também conversam

nossos pássaros sabem mesmo voar

nossas matas têm gonçalvinas e verdes palmeiras

nossas musas sabem "verde-doira-mente" inspirar

o solar da tardinha, a lua da noite…

que quadro de impressionar!

minha terra tem morenas, pardinhas…

e quando vejo minha branquinha: bem-te-vi!

vou logo querendo beijar!

minha terra tem sabores

sabores que não te posso revelar

só eu, juntinho, à noite

desse prazer posso desfrutar

minha terra tem certas coisas

que nesse poema não posso contar

não permita Deus que eu morra

que eu morra noutro lugar

se tenho que tornar ao pó

que seja nesse pedaço de chão

quero morrer à sombra dessas palmeiras

cantando e fazendo versos com a majestade:

o sábio e sibilante sabiá.




Carvalho Junior

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Casimiro de Abreu

 

Canção do Exílio 1

 

 

Oh! Mon pays sera mes amours
Toujours". Chateaubriand

 

Eu nasci além dos mares:
       Os meus lares,
Meus amores ficam lá
— Onde canta nos retiros
       Seus suspiros,
Suspiros de sabiá!
 
Oh! que céu, que terra aquela
       Rica e bela
Como o céu de claro anil!
Que seiva, que luz, que galas,
       Não exalas,
Não exalas, meu Brasil!
 
Oh! que saudades tamanhas
       Das montanhas,
Daqueles campos natais!
 
Daqueles céu de safira,
       Que se mira,
Que se mira nos cristais!
 
Não amo a terra do exílio,
       Sou bom filho,
Quero a pátria, o meu país.
Quero a terra das mangueiras
       E as palmeiras,
E as palmeiras tão gentis!
 
Como a ave dos palmares
       Pelos ares
Fugindo do caçador;
Eu vivo longe do ninho,
       Sem carinho,
Sem carinho e sem amor!
 
Debalde eu olho e procuro...
Tudo escuro
Só vejo em roda de mim!
Falta a luz do lar paterno
Doce e terno,
Doce e terno para mim.
 
Distante do solo amado
— Desterrado —
A vida não é feliz.
Nessa eterna primavera
Quem me dera,
Quem me dera o meu país!
 
 
Lisboa, 1855

 

 

 

 

Canção do Exílio 1 Meu Lar

 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!
 
Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!
 
O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!
 
Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!
 
Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!
 
Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!
 
Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!
 
Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!
 
Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!
 
Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!
 
Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
À sombra do meu lar!
 
As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!
 
Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!
 
Lisboa, 1857

 

 

 

 

 

Minha Terra

 

 

"Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá". G. Dias

 

Todos cantam sua terra,

Também vou cantar a minha,

Nas débeis cordas da Lira

Hei de fazê-la rainha;

— Hei de dar-lhe a realeza

Nesse trono de beleza

Em que a mão da natureza

Esmerou-se em quanto tinha.

 

Correi pr'as bandas do sul

Debaixo dum céu de anil

Encontrareis o gigante

Santa Cruz, hoje Brasil;

— É uma terra de amores

Alcatifada de flores

Onde a brisa fala amores

Nas belas tardes de Abril.

 

Tem tantas belezas, tantas,

A minha terra natal,

Que nem as sonha um poeta

E nem as canta um mortal!

— É uma terra encantada

— Mimoso jardim de fada —

— Do mundo todo invejada,

Que o mundo não tem igual.

 

Não, não tem, que Deus fadou-a

Dentre todas — a primeira:

Deu-lhe esses campos bordados,

Deu-lhe os leques da palmeira,

E a borboleta que adeja

Sobre as flores que ela beija,

Quando o vento rumoreja

Na folhagem da mangueira.

 

É um país majestoso

Essa terra de Tupá,

Desd'o Amazonas ao Prata,

Do Rio Grande ao Pará!

— Tem serranias gigantes

E tem bosques verdejantes

Que repetem incessantes

Os cantos do sabiá.

 

Ao lado da cachoeira,

Que se despenha fremente,

Dos galhos da sapucaia

Nas horas do sol ardente,

Sobre um solo d’açucenas,

Suspensa a rede de penas

Ali nas tardes amenas

Se embala o índio indolente

 

Foi ali que noutro tempo

À sombra do cajazeiro

Soltava seus doces carmes

O Petrarca brasileiro;

E a bela que o escutava

Um sorriso deslizava

Para o bardo que pulsava

Seu alaúde fagueiro.

 

Quando Dirceu e Marília

Em terníssimos enleios

Se beijavam com ternura

Em celestes devaneios;

Da selva o vate inspirado,

O sabiá namorado,

Na laranjeira pousado

Soltava ternos gorjeios.

 

Foi ali, foi no Ipiranga,

Que com toda a majestade

Rompeu de lábios augustos

O brado da liberdade;

Aquela voz soberana

Voou na plaga indiana

Desde o palácio à choupana,

Desde a floresta à cidade!

 

Um povo ergueu-se cantando

— Mancebos e anciãos —

E, filhos da mesma terra,

Alegres deram-se as mãos;

Foi belo ver esse povo

Em suas glórias tão novo,

Bradando cheio de fogo:

— Portugal! somos irmãos!

 

Quando nasci, esse brado

Já não soava na serra

Nem os ecos da montanha

Ao longe diziam — guerra!

Mas não sei o que sentia

Quando, a sós, eu repetia

Cheio de nobre ousadia

O nome da minha terra!

 

Se brasileiro eu nasci

Brasileiro hei de morrer,

Que um filho daquelas matas

Ama o céu que o viu nascer;

Chora, sim, porque tem prantos,

E são sentidos e santos

Se chora pelos encantos

Que nunca mais há de ver.

 

Chora, sim, como suspiro

Por esses campos que eu amo,

Pelas mangueiras copadas

E o canto do gaturamo;

Pelo rio caudaloso,

Pelo prado tão relvoso,

E pelo tiê formoso

Da goiabeira no ramo!

 

Quis cantar a minha terra,

Mas não pode mais a lira:

Que outro filho das montanhas

O mesmo canto desfira,

Que o proscrito, o desterrado

De ternos prantos banhado,

De saudades torturado,

Em vez de cantar — suspira!

 

Tem tantas belezas, tantas,

A minha terra natal,

Que nem as sonha um poeta

E nem as canta um mortal!

— É uma terra de amores

Alcatifada de flores

Onde a brisa em seus rumores

Murmura: — não tem rival!

 

 

Lisboa, 1856