Poema em maranhês

 

                   Para José Neres

 

a língua do maranhense,

em Jesus abençoada,

banhada em guaraná,

é cheia de hem-hens!

 

língua que faz

cosquinha nas costas

de paquinhas,

tem um gostinho

de gongo assado,

de peixe no cofo

pescado,

de manga de vez

com sal e pimenta

(do reino),

de arroz cangulado,

no quibane/quibano

(que bando de gente!),

com algumas escolhas

no meio do prato...

 

língua que cata feijão,

degusta toda sorte

(de fruta),

ranga Maria Isabel,

improvisa um café

com leite e cuscuz

numa espécie

de almoço jantarado,

puxa pro bucho

um belo cuxá,

abocanha até capitão!

 

esbarra ainda,

seu Zé Ruela,

deixa de fazer fuá,

deixa de a vida

(alheia)

tanto curiar...

sabes tu me responder:

quantos abalroamentos

em uma barruada há?

 

enquanto vais pensando,

vou bater uma bola

no campinho e

ganhar muitas barreiras...

éguas, égua-te!

ele errou um horror

de passes e chutes,

mas viu o gol do Juninho,

o magrelo perna de sibite?

vai ter sorte assim

lá na Chechênia!

 

 

 

 

 

 

Fêmea

        

 

néctar que me bebe e lavra,

engole-me a linguaruda,

ela, a cútis da palavra:

fêmea que me desnuda.

 

 

 

 

 

 

Da Silva e dos silvos da selva

 

 

este que vês sou eu

pelado de preconceito

desenvolvido pela vida

de vez envolvido pela virgem

carvalho juvenil, filho de Vênus

descendente dos Césares

escravo das moças bonitas

moro na casa dos Silva

no coração da selva

este que vês sou eu

um animal ferido

faminto por afeto

um silvícola perdido na urbe.

 

        

 

 

 

 

 

Clarão

 

 

a fome — ave de rapina —

fita o que nos desalimenta,

cada farelo que nos consome:

 

os ásperos grãos

de pão,

de guerras,

de prêmios,

de dinheiro,

de poder...

 

caberia tudo

num só clarão de espanto ou

num bater de asas sovinas?

 

a fome, de modo inclemente,

mata com pílulas de culpa,

de exílios e silêncios cortantes!

 

um sonho de capa de jornal:

em fase de inapetência e autoflagelo,

 

a fome suicida-se,

com uma garfada,

no fundo da vasilha

em que jantava vazios.

 

 

 

 

 

 

Suicídio

 

matei-me com a corda que não pulei na infância.

 

 

 

 

 

 

Circus

 

 

em pretenso debate,

uns batem, rebatem

e outros nefelibatam...

o que faço

nesse circo todo?

eu acrobato.

 

 

 

 

 

 

Caçambadas

 

 

diariamente,

o mundo despeja,

sobre as camadas da nossa pele,

carradas de indelicadezas.

 

o abraço de quem me ama

é que me salva, anima

e derrama mucheinhas de suavidade

sobre o barro da alma.

 

 

 

 

 

 

Luance

 

 

a lua nas suas nuances

me deixa aceso no lance.

 

 

 

 

 

 

No zigue-zague da saudade

 

 

tão bom

lembrar

da mãe

num tamborete,

à máquina

de costura,

fazendo biquinho,

calções e camisas

quadriculadas

para o caçu(linha),

amor na ponta

da agulha!

 

 

 

 

 

 

Assunte, moça!

 

 

quando vou dizer a ela

que a amo desde a gênese do mundo,

que o meu peito por ela se embraseia,

que a quero mesmo após ao barro ser devolvido...

ela logo se queixa dos meus quês,

não quer receber meus buquês;

ela, seca e cética, interrompe-me:

ah, deixa de história!

 

 

 

 

 

 

Fome II

 

 

não deu outra:

essa tua fhomem de mim

e essa minha fômea de ti

fez crescer a fomília.

 

 

 

 

 

 

Paladar exigente

 

 

prefiro retalhos de flandres a comer o ovo do óbvio.

 

 

 

 

[imagens ©josé bernabé]

 

 
 
Carvalho Junior é a assinatura literária do professor/escritor, natural de Caxias/MA, Francisco de Assis Carvalho da Silva Junior. Especialista em Língua Portuguesa, publicou os livros de poesia Mulheres de Carvalho (Café & Lápis, 2011), A Rua do Sol e da Lua (Scortecci, 2013) e Dança dos dísticos (Patuá, 2014).