A
Flor e a Náusea |
Permanência
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O
Filho De quem é o filho de Sofia? Do relojoeiro? Do dentista? Do primo Augusto? Do promotor? Do telegrafista? Do cabo-comandante do destacamento? De um dos praças? Do padre apóstata? Quem é o pai, quem é o pai noturnamente encapuzado (sequer tem rosto) do filho anônimo de Sofia? Nenhum deles visto rondando de Sofia o muro solteiro, nenhum abrindo de madrugada a cancela rouca de Sofia. O pai quem é? Sofia semilouca de raça ilustre vai contar quem dormiu em seu quarto seco de solteirona e secamente lhe fez o filho? Vai inventar talvez um pai que jamais a tenha tocado? Já se apavoram os homens bons com a denúncia? Ninguém confessa ter conhecido Sofia em fogo ou violentada, Sofia pura, Sofia aberta ao prazer esperado amargamente? Ou dormiram todos com Sofia (o que é o mesmo que não dormir), ninguém tem culpa, ninguém é o pai? Pai do menino é a cidade? A loucura é pai do menino? O menino nasceu do absurdo propósito de nascer-se, escolheu o ventre de Sofia como se escolhesse vaso sem semente, apenas terra? Sofia não responde. Ri baixinho, acaricia o pinto do menino. |
Tu?
Eu? Não morres satisfeito. A vida te viveu sem que vivesses nela. E não te convenceu nem deu motivo para haver o ser vivo. A vida te venceu em luta desigual. Era todo o passado presente presidente na polpa do futuro acuando-te no beco. Se morres derrotado, não morres conformado. Nem morres informado dos termos da sentença de tua morte, lida antes de redigida. Deram-te um defensor cego surdo estrangeiro que ora metia medo ora extorquia amor. Nem sabes se és culpado de não ter culpa. Sabes que morres todo o tempo no ensaiar errado que vai a cada instante desensinando a morte quanto mais a soletras, sem que nascido, mores onde, vivendo, morres. Não morres satisfeito de trocar tua morte por outra mais (?) perfeita. Não aceitas teu fim como aceitaste os muitos fins em volta de ti. Testemunhaste a morte no privilégio de ouro de a sentires em vida através de um aquário. Eras tu que morrias nesse, naquela; e vias teu ser evaporado fugir à percepção. Estranho vivo, ausente na suposta consciência de imperador cativo. Foste morrendo só como sobremorrente no lodoso telhado (era prêmio, castigo?) de onde a vista captava o que era abraço e não durava ou se perdia em guerra de extermínio, horror de lado a lado. E tudo foi a caça veloz fugindo ao tiro e o tiro se perdendo em outra caça ou planta ou barro, arame, gruta. E a procura do tiro e do atirador (nem sequer tinha mãos), a procura, a procura da razão da procura. Não morres satisfeito, morres desinformado.l |
A
Nova Primavera As tias viúvas vestem pesadas armaduras de morte e gorgorão. Desde o pescoço à inviolada ponta dos borzeguins, elas proclamam rompimento com o século. E nada mais existe senão a noite dos maridos estampada em cada gesto de soberba solidão. Assim as queremos para sempre novamente virgens, reintegradas na pureza original. Ai de quem boqueje: as tias são mulheres sujeitas à lei terrestre do desejo, e em noites brancas lutam corpo a corpo com duendes. Uma tia, porém, olvida o mandamento e casa-se outra vez. O raio na família. Ela é toda jardim, é pura amendoeira na alegre doação de outra virgindade. A família decide: essa tia morreu. |