talvez nas manhãs

na claridade das auroras

eu te encontre 

no tom lúdico dos ragas

que entreabres no teu sitar indiano 

talvez nas plúrimas ondas do mar quântico 

entre arpejos e sutilezas de humor


ou talvez nos haicais, 

na arquitetura de desenhos sagrados,

gravemos um canto

no ritmo vivo de Bach e

talvez eu te encontre,

meu pássaro loiro, 

saltando estrelas

na geometria vibrante de mosaicos

e espelhos sobrepostos no cosmo


talvez nas águas 

de um rio que seja sempre

ele mesmo todos os rios: o Ganges,

o Tejo, o Tâmisa, o Sena e o 

Amazonas — por exemplo 

talvez na rota fluvial

na lucidez da nascentes

ou no jardim de Bashô 

eu te encontre 


talvez  a alvura de tuas vestes 

seja mais do que luz:

a incandescência 

pode ser o sol

um caleidoscópio de raios

que alimentam com asas

os poros do tempo 


talvez na ciranda do Olimpo

eu te encontre 

a semear etimologia 

na plenitude mansa das brisas 

e entre folhagens, na tarde 

teus pés descalços no tapete

talvez peçam música de câmara

: danças entre deuses


talvez eu te encontre 

e seja música a noite

e de lua plena seja o toque

teus olhos semicerrados talvez 

já saibam

tecer o coração de outros pássaros 

que flamejam e planam 

nos ragas do cerrado


no centro de Londres 

no voo urbano de um antigo futuro

idiomalabarismos pulsarão

na transposição psicodélica 

do acaso quase-sempre-quase

nos dias de rock dos Beatles 

George Harrison talvez te acene


nas permissões interdimensionais

Ravi Shankar e Krishna Chakravarty

te aplaudem

no céu púrpura de Benares

impressionismos entre mestres

e o zen-budismo: dinastias, orientes

em que reluz o carrossel 

da atemporalidade 


talvez saibamos a hora

o olhar sincrônico de nosso 

mestre Haroldo de Campos diz os minutos

os azuis se corporificam

e talvez saibamos tocar

num vão do universo 

a harpa sem cordas


talvez nas calles de España

no frenesi da nossa Barcelona 

eu te encontre e

conversemos com Gaudí

entre violões flamengos

e lenços de seda

na ardência da madrugada 


sim. já sei.

talvez avancemos juntos

compassos de renda

hipóteses e estrelas

de mãos dadas, resolutos, 

talvez possamos ver


nos olhos de Avalokiteshvara

a compaixão e o esplendor

os laços e os braços do abraço 

a plantar cintilâncias corpóreas

e uma flor de lótus 

luminosa germina sua quintessência


para me abrires, amigo

todos os portais

sem portas

entre poemas e prismas 

silêncios 

que eu te direi saber

para colhermos no vento

íntegras

pétalas de música



março, 2021



Beatriz H. Ramos Amaral é Doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC. Formada em Direito pela USP e em Música pela FASM, especializou-se em violão erudito. Escritora, poeta e ensaísta, publicou 15 livros, entre os quais Peixe Papiro, Os Fios do Anagrama e A Transmutação Metalinguística na Poética de Edgard Braga. Com Alberto Marsicano, gravou o CD Ressonâncias, de voz e sitar.


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