Tanussi Cardoso
3 poemas
PARA O HOMEM NOVO
e verás o tempo perdido
porque não abraçaste suficiente o amigo
por medo
por desleixo
por pudor
por falta de flor no peito
e sentirás a angústia do vazio
porque os braços eram escorregadios
as mãos não se doaram
e a boca não ofertou o beijo
porque o sexo diluiu-se em gozo
o amor foi dito sem fogo
e a palavra mentiu seu desejo
(tudo parou
a noite baixou feito morte)
agora
recomeçar como o homem
que viu a aurora
e entendeu o sinal
POEMA DE NATAL
1
O amor anda pelas águas como santo.
Toca fogo no corpo e não se queima.
(Incêndio de primaveras.)
O amor mergulha no escuro e vê a luz.
Repete os velhos salmos.
E torna em milagre o impossível.
2
É dado ao amor cavalgar auroras,
diluir-se aos pés dos dinossauros.
É dado ao amor bloquear dunas e diques,
dormir no fundo dos pântanos.
É dado ao amor acreditar em primaveras.
3
Corra pelo orvalho das manhãs;
corra pelo orvalho;
corra pelas manhãs.
Não acredite que não há mais orvalhos;
não acredite que não há mais manhãs.
Molhe seu corpo na chuva do dia;
molhe seu corpo na chuva;
molhe seu corpo no dia.
Não acredite que não há mais chuvas;
não acredite que não há mais dias.
Ponha seu beijo na boca do amor;
ponha seu beijo na boca;
ponha seu beijo no amor.
Não acredite que não há mais beijos;
não acredite que não há mais amor.
RELIGARE
nos limites da noite
— entre a luz e o deserto da luz —
nos primórdios das pegadas no chão
na semeadura dos primeiros olhos
no eco do som dos desvãos
— entre violões e harpas angelicais —
Deus e Homem se encontram
e se amam e se dão as mãos
nessa paisagem de busca e solidão
Tanussi Cardoso
Na Germina
> Poesia
Tenório Barroso
Poeminha de Natal
Nas mãos de Papai Noel o anúncio dizia:
"Black Friday! Tire sua foto por apenas 50 reais".
E logo embaixo:
"Somente para aqueles que têm passe sanitário".
Era véspera de Natal.
Lá fora, o homem vendia 2 meninos Jesus por apenas 5 reais.
E dizia a todos que passavam na rua:
"Feliz Natal e próspero ano novo...
mas aproveitem que é liquidação!".
[4/12/21]
Tenório Barroso
Na Web
> Quem é.
Tida Carvalho
Poemas de Natal
I
A constante viagem entre as ideias e a transcendência
A necessidade do bem, a nostalgia por algo maior
Pela epifania, pelo êxtase, pelo sentido mais elevado
São veredas que se bifurcam pelos desertos
Pelos silêncios, olhares, sorrisos guiados por uma estrela
Uma estrada de luz em que em cada manjedoura
É Natal, é nascimento de uma criança que nos torna
A todos crianças outra vez
II
Tenho os olhos ainda fechados
Vivi muitos anos e como neste sonho
Sentia que encontrava a fronteira movente
Atrás da qual se realizam a cor, o som
E unidas estão todas as coisas desta terra. É Natal!
Eu sei que poderia. Comigo estão
O verão, a chuva e as luzes de Natal
Aqui e em toda parte é a minha terra
Para onde quer que me volte
E qualquer que seja a língua em que eu ouça
A cantiga infantil de Natal
Mais feliz que os outros devo tomar
Um olhar um sorriso uma estrela que me guia
Entre os reis magos
Devo ir para as montanhas, na suave claridade do dia
Para as águas, cidades, estradas, costumes
Em todos os lugares Jesus nasce e é Natal
Jesus, você que dá confiança na hora do medo
Na semana da dúvida, na pandemia existencial
É muito cedo ainda, deixe que o vinho amadureça
Deixe que os viajantes durmam
Sob a estrela de Belém
III
Na outra borda da noite
O amor é possível
Antes foi uma luz
Em minha linguagem nascida
A poucos passos do amor
Noite aberta noite presença
Noite Natal
No coração de toda coisa
Jesus foi todo oferenda
Em palavras muito puras
Para criar novos silêncios
No cosmos infinito
IV
A menininha nada vê
Deslumbrada, arrancada da realidade
Volta os olhos para o mundo exterior
Pressente de leve todo o continente da vida
O mundo infinito
Ela está vendo a luz
É Natal!
V
NATAL
Um desejo de aqui
Uma saudade de lá
Uma memória
A harpa e a cristandade
Luís Bordon
Harpa de silêncio
Onde se aninha a memória
Harpa significando ausências
Lojas cheias tantas compras tantas vendas
Assim foram os meus Natais
Em Caratinga, sem colo de mãe
Pois ela estava de pé
Como oferenda do Natal comércio
Para cuidar dos filhos
No cotidiano dos dias
Guardo-a para mim
Apenas isso. Apenas isso é digno de exaltação
O dia, a semente de êxtase
Que muda o sabor do mundo
VI
De vez em quando experimento
Curtas estranhas intensas
Revelações da beleza
Da beleza desconhecida, intangível
Que mal se deixa perceber
Em certas palavras, paisagens
Em certos matizes do mundo
Em certos segundos, em certas datas.
Não consigo descrevê-la nem transmiti-la
Expressá-la ou retratá-la.
Guardo essa beleza para mim
Como a Poesia, uma semente de êxtase
Que muda o sabor do mundo
Como o Natal, o nascimento de Jesus
Que muda o sabor do amor
Apenas isso é digno de exaltação:
O dia em que o amor renasce
Tida Carvalho
Na Web
> Quem é.
Vera Casa Nova
Natal sem presépio
Na casa, o crucifixo nos olha a todos.
Os olhos parecem nos dizer
Muito mais de sua morte.
Seu nascimento é festa!
------bebidas e comidas lá fora!
Mas o ventre de Jesus está vazio.
A fome se espraia por entre as gentes.
Humano, olhai o divino!
Qual resposta esperar das bocas famintas?!
Natal com presépio
Rememorar nascimento do que foi crucificado.
Na estrebaria, na manjedoura?
Entre farrapos e tecidos esgarçados
Prenúncio do dilaceramento.
Queres uma taça de vinho?
Brindemos ao nascimento daquele que agoniza entre os mendigos
Passantes.
Nasceu e morreu como tantos e tantos e tantos no mundo.
Um pouco mais de vinho?
Hoje e amanhã é/será Natal
Vale a memória dele!
Brindemos com vinho ou cachaça
Mesmo sabendo que não há resposta pra fome.
É Natal?!.....................................................há rumores.
Vera Casa Nova
Na Germina
> Poesia
Vinicius de Moraes [1913-1980]
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
[Rio de Janeiro, 1946]
Vinicius de Moraes
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> Poesia
Virgílio Mattos
Natal é igual a consumismo e desigualdade
Festa farsa dos falsos
tocados pela solidariedade
parece
num único dia, jingle bell é natal
Meninos e meninas mimados miam
pedidos de brinquedo, queixas, birras, pirraças
Madames povoam o pescoço de pérolas,
— fios de ouro esticam rugas no rosto —
e esmeraldas nos dedos, diamantes nas orelhas
e fodem gratas porque sabem: nada é grátis.
É comilança também.
Para desespero dos bichos mortos
na mesa dos ricos
e dos que não comem
porque não podem
Segue o baile da fome
de todos os dias
desde que os imbecis venceram
Enquanto você finge que não é contigo e diz amém!
Virgílio Mattos
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> Poesia
Virginia Leal
Nātīvǐtās
Naquela hora
em que sou agulha
e tu, linha,
cosendo pernas,
braços, ventres
e outras partes
─ pudendas...
Naquela hora
em que teus dedos,
e minhas mãos, fiam
colchas para nossos
frios e quentes
─ contentes...
Porque sabemos
tecer um bem real
que se sente
quando nos damos
com fúria, tesão,
a rubros magmas
cheios de azuis,
águas sem mágoas
─ ebulição....
Sim, é naquela hora
que nos embrulhamos,
um ao outro,
como um presente
─ de Natal...
Virginia Leal
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> Poesia
Viriato Gaspar
Soneto de Natal para os tempos de cólera
Em memória de dona Sibá, minha mãe
O Rei que nasce agora é o dos sem rumos,
dos perdidos, dos vãos, dos Zé Ninguém.
Dos famintos, sem nome, desse húmus
que aduba o mais e mais de quem já tem.
Dos que passam suando solidão,
dos que perderam o trem para o mais fundo.
Dos que nem sabem mais para onde vão,
por já não ter lugar nenhum no mundo.
O Rei que nasce agora é o dos sem nada,
dos que só têm de seu as mãos rachadas,
o cansaço sem fim ao fim do dia.
Coubesse em nós a Flor desse Menino
Antes que templos, seitas, ódios, hinos,
crucifiquem o amor que ele trazia.
Viriato Gaspar
Na Germina
> Poesia
Wagner Moreira
1 poema
*
ser a parte e o infinito
nesse corpo fluido falível
com o tempo ─ uma perspectiva
no existir afetivo
encontrar os limites
afirmar-se a partir daí
gostar desmedidamente
preservar a si
encontrar-se outro
comum ─ vivente
narrativa terrena
a fazer o coletivo
compartilhar a flor
força afirmativa
floresta libertadora
germinada amor
um voo diferente
iluminado estelar
a dizer o necessário
no beijo movente
no existir afetivo
uma perspectiva o tempo
nesse corpo fruído falível
ser infinito com engenho
Wagner Moreira
Na Germina
> Poesia
Wanda Monteiro
Luz de Maria
Um dia bem longe
no sem fim do tempo
a estação trouxe ao oriente
o desafio da escolha:
a festa ou a liturgia
?
o chão dos religiosos
ou o chão dos pagãos
?
Foi quando no céu
o sol chegaria para vingar
à luz de um mito
um signo másculo e viril
e inaugurar o rito de passagem
para celebrar a natividade
Mas a palavra antiga e mofada
perpetuou esse astro
invicto em seus obeliscos de luz
a se valer de um erro fadado
à benção de três magos
foi um erro tanto e tamanho
que para vencer as dobras do tempo
um rei foi criado
um cristo foi narrado
e precisou morrer
e nascer
e nascer
e nascer
Mas neste quando
da estação deste chão
a cada volta solar
inteira e completa
todos e todas nascem
de novo e de novo
E neste onde devemos dizer:
esse sol não é astro nem rei
não é divino nem menino
esse sol é sim estrela e rainha
esfera fecunda de luz de Maria
que sempre acenderá à memoria
para celebrar os afetos.
Wanda Monteiro
Na Germina
> Poesia
W. H. Auden [1907-1973]
A questão
Todos nós acreditamos
ter nascido de uma virgem
(pois quem pode imaginar
os seus pais a copular?)
e casos há conhecidos
de Virgens que engravidaram.
Mas permanece a Questão:
de onde Cristo recebeu
aquele cromossomo extra?
[Trad. João Moura Jr.]
W. H. Auden
Na Web
> Quem é.
Wir Caetano
frases natalinas
"pura química"
diz a senhora
saudosa do amor natural
entre lagartas e rizomas
"ah, criancices"
diz o velho
de barba inatural
em mais um turno extra
de aplicativos e renas
"não sou assim um roberto"
tartamudeia a menina preta sem
teto e sem
nome no mapa sem
rumo
que as balas vasculham a dedo com capacetes e escudos
Wir Caetano
Na Germina
> Poesia