Jorge Vicente
Poema
gabriel. deixa-me escrever-te um poema. um poema que diga do meu nome, da sabedoria inerente a todas as coisas. dessas pequenas palavras que só os justos conhecem, como se fosse algo inerente ao mundo. e partisse dele. e o rebentasse.
deixa-me ser um rebento azul. anterior à terra e à sementeira das águas. nunca poderei ser mãe. nem pai. apenas um invólucro de giz envolto em mil pontos de luz.
deixa-me escrever-te um poema, como se fosse uma carta. ou um rol de pedidos dirigido às mais altas entidades. nunca perceberei o significado de ser pai ou mãe. ou uma terra aberta no desfloramento do corpo.
anuncia o teu amor. anuncia-me e cai. cai como se fosses o único, como se a cor vermelha não te afligisse e visses o homem no lugar do anjo.
Jorge Vicente
Na Web
> Quem é.
Jovino Machado
O Natal de Janaina
A Infância
Em 1985, ela tinha 7 anos de idade e já conhecia As reinações de Narizinho. Não sabia que Taubaté era a terra do pai da menina de narizinho arrebitado, mas, do quintal de sua casa, em Bragança Paulista, podia avistar os pássaros que voavam em direção à Serra da Mantiqueira. No seu jardim tinha várias árvores frutíferas, mas a sua fruta preferida eram os morangos silvestres, que ela colhia no bosque habitado por sacis, corujas e curiangos. Sua maior vontade era coroar Nossa Senhora, na igreja pequenina que ficava do outro lado da cidade, mas o seu maior sonho era ver flocos de neve embelezando as noites mágicas de sua infância. Gostava de brincar sozinha e se imaginava dando aulas para os gnomos e duendes que habitavam o seu imaginário. Janaina era filha única e os seus melhores amigos eram o Sapo Lírico e a Galinha Jururu, que botava ovos vermelhos como as bolinhas da árvore de Natal. Os dias eram compridos e modorrentos, mas ela vivia a sonhar com a viagem que o seu pai havia lhe prometido para as próximas férias.
A Travessia
Naquela noite de 24 de dezembro, a menina do interior foi vencida pelo sono e não pôde aguardar a visita de Papai Noel. Tinha brincado ao sol e estava um pouco febril. Nas horas mortas sonhou que tinha se transformado numa ninfa e que viajava num trenzinho caipira. Um velhinho chamado Candinho ouvia no rádio a "Bachiana n. 2", e sem que ela percebesse, pintava seu retrato com tintas coloridas. Ela não podia fazer a menor ideia, mas o pintor era Cândido Portinari e o autor da música que ele ouvia era Heitor Villa-Lobos. Pela janela lateral do trem Janaina suspirava e admirava as montanhas. A Maria Fumaça deslizava nos trilhos no ritmo dos versos do poeta pernambucano, cuja boca era um piano de calda com as teclas pra fora: "Café com pão, café com pão, café com pão, agora sim, voa fumaça". Já em terras mineiras, um belo senhor chamado Manuelzão passou recolhendo as passagens e dando bom-dia para todos os viajantes. Algumas horas se passaram e a nossa pequena já podia avistar as luzes do antigo Curral del Rei, arraial da Comarca de Sabará, Minas Gerais, situado no local onde, em 1897, implantou-se a cidade de Belo Horizonte, nova capital do Estado, planejada e construída em substituição à antiga Vila Rica, hoje Ouro Preto, destino da heroína dessa história.
O Natal
Em Belo Horizonte, Janaina ficou fascinada com os enfeites de Natal e também com pôr do sol que enfeitava a sua viagem. Amou os arcos do Viaduto de Santa Tereza e sorriu emocionada quando chegou na Praça da Estação. Na capital mineira visitou o Presépio do Pipiripau e mais uma vez sentiu a força de sua fé, no Deus menino, que mais uma vez renascia para abençoar a humanidade. A caminho da terra do poeta Gonzaga e da musa Marília, tomou café com pão de queijo, avistou no céu os balões de Guignard, e no meio de imensa neblina se alegrou ao ver de longe as torres do Aleijadinho. Quando chegou em Ouro Preto foi transportada por um carro de boizinhos do mato diretamente para a Missa do Galo, na igreja do Pilar. Quando se ajoelhou a rezar, o anjo que guardava a Sagrada Família ajoelhou-se ao lado dela e disse: "Vai, Janaina, seu gauche na vida".
Jovino Machado
Na Germina
> Poesia
Julio Mendonça
água sobre céu
se o paradoxo
(baixo em cima)
ensina
água em riste
vaza entre os nadas, supina
arquitetura do vazio —
góticas colunas de gotas
perseveram
até as nuvens
persevera
espera separando, palatal
sustenido
céu sobre céu
[2010]
Julio Mendonça
Na Web
> Quem é.
Jussara Salazar
2 poemas
*
a floração pergunta
o que são
esses amarelos
jades rubros
ao sol
da décima segunda casa
e que brotam
como um pequeno fogo
de dezembro?
solstício
guarda
a tempestade no lenço
dobra
segura o tempo
que os sinos anunciam
o barro estranho
que marca
as noites de dezembro
Jussara Salazar
Na Germina
> Poesia
Kátia Borges
outros modos de árvore
espada e pedestal de microfone,
seu corpo de madeira.
uma casa com teto de telhas,
suas hastes de arame.
todas as cores e festas inteiras,
suas pequenas luzes.
pequenas árvores de esguelha,
suas folhas de plástico.
mil guerras napoleônicas,
seus enfeites de anjos.
e era assim, o ano inteiro,
um Natal rarefeito atravessava a infância.
Kátia Borges
Na Germina
> Poesia
Kiko Ferreira
Cio em setembro
se digo que não ligo
é charme e intenção
evaporado na nota canção
se digo que não digo
é truque, ilusão
afogada no fogo da paixão
se digo que não digo
é golpe, armação
destilada em caixas de hortelã
prefiro o cio de setembro
ao festivo brilho de dezembro
manhãs
ao sol de Arembepe
paixões
ao som de George Gershwin
meu sangue
jorra em livres
tentações
Kiko Ferreira
Na Germina
> Poesia
Luiz Roberto Guedes
Oferta de Natal
ganhe 666
nesta metralhadora
Luiz Roberto Guedes
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> Poesia
Manuel Bandeira [1886-1968]
Versos de Natal
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
Manuel Bandeira
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> Poesia
Marcelo Dolabela [1957-2020]
vida natividade
em memória de
dona hilda — minha avó.
dona dorinha — minha mãe, e
maria hilda — minha irmã.
1.
Do cobre, eu faço o sino;
da pedra, a catedral;
hoje, nasceu o Divino;
hoje é noite de Natal.
2.
Nasceu!
A Terra se faz maior
que o mais vasto Céu!
3.
Cantemos — com louvor —
a simples oração:
hoje, nasceu nosso Salvador.
4.
Da manjedoura à cruz,
a esperança:
uma marca,
uma tatuagem,
uma cicatriz.
5.
— Sagrado Coração:
banhe-me, minha mãe,
nas águas do Rio Jordão.
6.
Embale-me também,
ensine minha mãe a cantar
a mais linda canção de ninar.
7.
Mãe de todos nós,
até em silêncio,
ouço Tua voz.
8.
Quando nasceu o Divino,
todas as Bandeiras
entoaram, do amor, o hino.
9.
Cada um com a sua missão.
O marceneiro José
fez, com toda paixão,
um bercinho para nossa fé.
10.
Medeia, Jocasta, Maria.
por mais cruel o destino,
a vida escreve sua linha.
11.
Tua mãe — tão jovem —
não sabe Te chamar de filho,
nem Jesus, O Nazareno.
12.
— João, pra mim, basta
uma gota gasta
do Rio Jordão.
13.
— Vovó Sant'Ana,
ensine-me a ler
em uma semana.
14.
Na beira do rio,
a Pietá lava
as fraldas do Filho.
15.
Unidos e humildes,
os três Reis Magos
levam a Maria
os nossos afagos.
16.
Nem todo ouro do mundo
caberia na manjedoura;
a maior Riqueza da Terra
nasceu naquele segundo.
17.
Nenhum incenso reproduz
a mais cintilante luz
de um instante de Jesus.
18.
No céu, anjos
tocam lira;
no dicionário,
uma nova palavra
brilha: mirra.
19.
Quem diria,
um burro,
por companhia.
20.
Viva, Assis Valente,
que nos mostrou
a não esperar o presente.
21.
Oh! Quaresmeira,
será que sua cor
revela a dor
de uma vida inteira?
22.
Será que Cristo
diria, em uma oração:
eu sou cristão?
23.
Será que Jesus,
por ser do bem,
usava Protex,
que protege o neném?
24.
Curiosa sina do Pioneiro:
morrer na cruz de madeira,
sendo filho de marceneiro.
25.
Por que confundimos
Deus com Jesus?
Só por que elidimos
Nossos breus com a luz?
26.
No crucifixo, eu sei:
cada prego,
foste o Senhor
que bateu.
27.
— Ah! Minha Mãe,
Não sofra
ao me encontrar na cruz.
A dor é uma palavra
que não se traduz.
28.
Jesus já sabia
— desde criança —
escrever poesia
(???!!!)
29.
Perto de Deus, és nada.
Talvez, apenas um profeta.
Mas guie-me na jornada
de querer ser um simples poeta.
[bhz, 2010-2011]
Marcelo Dolabela
Na Germina
> Poesia
Márcia Maia
quase um poema de natal
eu queria um natal sem luzes
sem sinos sem coroas sem presentes
sem festas de confraternização
onde se repete quase escandindo
(e à exaustão) a palavra so-li-da-ri-e-da-de
eu queria um natal mais solstício
que natal — um natal pagão —
um natal simples sem palco
onde a gente ousasse ser apenas gente
como a gente que a gente é nos outros dias
Márcia Maia
Na Germina
> Poesia