Céu

 

então, é assim: palato no infinito, finito no céu da boca,

sua boca com gosto de lua, estrela marcando caminho, sol

alpino entre gotas de chocolate, seu creme entre minhas

mãos, minhas cismas, minhas lembranças

 

 

 

 

 

 

Fio

 

sábio o que define em sílabas

e pontos finais

as paisagens.

 

símio o que tenta arrancar verdades

em formas de pedras

lapidadas

 

sólido o que enfrenta

se pena em punho

desalinhos e arroubos.

 

simples o que inventa

com o vento

alegrias e estratégias

 

cínico o que recria táticas como

regras e mandamentos.

 

sôfrego o que passa a limpo sem rever

cores e entrelinhas

 

pálido: meu coração que bate

em compasso de valsa nossos

rocks e galopes.

 

120b pms em beat de câmera lenta.

alento e profilaxia como desculpa do desacerto.

paixão sem ferida ou desassossego.

 

a história, falsa premissa

pressa sem pressa ma reza da missa

 

presentes etéreos

e-mails sem destinatário, garrafas

virtuais sem rumo, nexo e sexo.

 

romantismo de barco a fotonovelas sem bússola e músculo.

só se salva o que merece susto e pavio.

o resto é a vida crua, fritando em fio sem capa

e limite.

 

 

 

 

 

 

Insônia

 

se não durmo

bom sinal

dormir

é para os justos

 

 

 

 

 

 

Reflexo

 

minha mão:

parapeito

 

Sua boca:

paraíso

 

meu olhar:

narciso

 

o espaço

(o espelho)

preciso

 

 

 

 

 

 

Ora pro nobres

 

relógio

só orgia sossego

 

somos nós

ostracismo de pedra

 

em mim

oração não pega

 

 

 

 

 

 

Lupicínia

 

seu olhar

ácido

corrosivo

mata mais

que 11 mil giletes

no

corrimão

 

 

 

 

 

 

Nanonada

 

meu nome é nada. nonadaquase. nódoa, mancha, cisco. the

name is on the table. anagrama, palavra cruzada. símbolo

fálico. prince dos póveros, purple rain de chuva ácida. aço.

ferro. flerte. foguete em ponto de explosão. rastro de desenho

no céu querendo dizer tudos.

entre dentes,

entre fronhas e lençóis, sleeping bag virtual,

rede de entregas. 0800 sem destino. desafinado sem coração.

bossa nódoa. mancha negra. cisco kid. no meio do nadaquase.

 

 

 

 
 
 

Onomatopéia

 

 

te lendo falar assim, tão ruidosa no empenho da caneta,

me incomodam as onomatopéias sem freio,

o papel no meio do barulho, o arrulho de sílabas sibilantes, o sigilo do

silêncio do quarto cortado pelo fio da ponta da esfera gráfica

afiada. já não ouço mais nada do ambiente. a paisagem

tragada pelo papel. a cor de papel de maçã galopeia por

minha memória. lápis de cor como rashi entre sushies de

brutos do mar, peixes brancos entre shoyos e wasabis

wanabee. soy loco por ti, colérica. na passagem das

páginas, duplas asas de colibri, o vôo flácido das falácias. a

fala fácil das animações. no caminho do meio, o abandono

plurisolitário do e-mail. entre spams e firewires, espamos e

soluços de plasma. o pincel vermelho sangue tentando

ilustrar o mangue. seus peitos entre meus lençóis.

e minha solidão a sós nas entrelinhas.

 

 

 

 

 

 

Buy buy Brasil

 

guaraná jesus na daslu

pepsi lemon light na daspu

 

sale: 100% off

 

 

 

 

 

 

Clique

 

quer dizer que o imenso e o eterno

somam pouco e parco pó?

felicidade, de tão crua e gasta, resvalou em amizade em vielas toscas

de alegria?

simplória equação de soma, eco e ação

de voltar ao lerdo do sonho

 

vou retornar a meus vícios de vinícius, meus links com

leminski, meus

rolos com rock e jazz.

 

daqui em diante

choque só de frente à luz da cena, ao clique da claque

ao sabor do permitido.

 

já não ouço o olvido como voz de paixão.

já me sobram deslizes.

já me assaltam labaredas de fuga fugaz.

 

vou, a todo gás, acender lampiões.

acatar ilusões de soluço e de sexo.

 

tranco portões e cadeados.

jogo chave sobre o ombro.

e não busco alvo de queda.

 

já me caem sobre escombros os aviões.

ônibus passeiam por vielas e tripas.

viagem sobre veias virgens e já esburacadas.

cuido com cuidado de nada.

 

silêncio. silêncio. silêncio.

 

salgo o azul do céu com bethânia e costello.

pregos e martelos insistentes e amargos.

salto imortal para o futuro do imperfeito.

 

impretérito perfeito.

 

solda de sólida solidão.

de página branca.

 

 

 

 

 

 

Poema mesmo

 

mesmo que seja só isso, sorriso

mesmo que a farsa seja fato,

fosfato

mesmo que a vontade

não mais esteja viva, verdade

mesmo que a esmo,

largados os ponteiros

a lesmas, tempo

mesmo que soe sempre

o sumo do mesmo,

memória & fúria

mesmo rigorosamente

a mesma, musa

mesmo ansiosamente

silêncio, silêncio

 

 

 

 

 

 

Bar Esperança

 

bye bar brasil

a última ficha caiu
 
 
 
 
(imagens ©alexander calder)
 
 
 
 
 
 
 
 

Kiko Ferreira (Belo Horizonte-MG, 1959). Trabalha na área de cultura há três décadas. Crítico musical, produtor de rádio e TV, diretor artístico de várias emissoras e colaborador de projetos e entidades como o Itaú Cultural, Prêmio Visa de Música Brasileira e projeto Natura Musical. Atualmente, é diretor artístico da Rádio Inconfidência, colaborador do jornal Estado de Minas e da revista de economia Mercado Comum. Letrista bissexto, parceiro de Gilvan de Oliveira, Sérgio Moreira, Affonsinho, Danni Calixto, Victor Mazarello e César Maurício. Desde a década de 1980, vem lançando livros de poesia, em parceria com artistas como Fernando Fiúza, Nilson e Luiz Daré. Sua obra começa com Cordiana e caminha com Cio em setembro, Beijo boir, Belo blue e Solo de kalimba (Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2003 e 2ª edição, Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2006). Vive em Belo Horizonte.