Filho

 

As janelas fechadas

 

E alguns enfeites desfeitos

A noite vem dos olhos alheios

 

Ao fundo dos anos

Um rouxinol cantava em vão

 

A lua viva

Branca da neve que caía

 

E sobre as recordações

Uma luz que agonizava entre os dedos

 

MANHÃ DE PRIMAVERA

 

Silêncio familiar

Sob as ignições florescidas

 

Uma canção

ascende sobre a fumaça

 

E você

Filho

belo como um deus nu

 

Os riachos que vão longe

Tudo viram os riachos órfãos

 

 

 

 

 

Horas

 

O vilarejo

Um trem detido sobre a planície

 

Em cada poça

dormem estrelas surdas

E a água treme

Cortina ao vento

 

A noite paira no arvoredo

 

No campanário florescido

Uma goteira viva

Sangra as estrelas

 

De tempos em tempos

As horas maduras

 

Caem sobre a vida

 

 

 

 

 

Caminho

 

Um cigarro vazio

 

Ao longo do caminho

Desfolhei meus dedos

 

E jamais olhar para trás

 

Minha cabeleira

E a fumaça deste cachimbo

 

Aquela luz me conduzia

 

Todos os pássaros sem asas

Cantaram em meus ombros

 

Porém meu coração exausto

Morreu no último ninho

 

Chove sobre o caminho

E vou buscando o lugar

onde minhas lágrimas caíram

 

 

 

 

 

Lua

 

Estávamos tão distantes da vida

Que o vento nos fazia suspirar

 

A LUA SONHA COMO UM RELÓGIO

 

Inutilmente temos fugido

O inverno caiu em nosso caminho

E o passado cheio de folhas secas

Perde o trilho da floresta

 

Tanto fumamos debaixo das árvores

Que as amêndoas cheiram a tabaco

 

Meia-Noite

 

Sobre a vida aos longes

Alguém chora

E a lua se esqueceu de dar a hora

 

 

 

 

 

Cigarro

 

Aquilo que cai das árvores

É a noite

 

O mar em meu copo de cachaça

E sobre o mar

teu chapéu vertical

 

PARA ONDE VAI ETERNAMENTE

 

Alguém morreu em teu jardim

 

A andorinha indiferente

Dorme sobre uma corda do violino

 

Eu tive em minhas mãos

tudo o que partia

 

E esta lua tão ferida

Indecisa entre o mar e os jardins

 

Perfumando os anos

Uma nuvem cavalgava meus lábios

 

E meu cigarro

É a única luz dos confins

 

 

[Do livro Poemas Árticos (1918). Tradução de Nina Rizzi para a Martelo Casa Editorial]

 

 

 


 

 

 

 

Vicente Huidobro (Vicente García-Huidobro Fernandéz) nasceu em Santiago do Chile, em 1893. Foi um dos importantes nomes da poesia mundial do século 20, e precursor das vanguardas latino-americanas, com o Criacionismo, e da poesia visual do século 20. Esteve também ligado às vanguardas europeias, como o Surrealismo (sendo amigo de André Breton) e o grupo Cabaret Voltaire. Morreu em Cartagena, em 2 de janeiro de 1948. Sua obra completa sai no Brasil pela Martelo Casa Editorial, com tradução do espanhol de Nina Rizzi.

 

 

 

Nina Rizzi (Campinas/SP, 1983). Historiadora, tradutora e poeta, vive atualmente em Fortaleza/CE. Tem poemas, textos e traduções publicados em diversas revistas, jornais, suplementos e antologias. Autora de tambores pra n'zinga (poesia, Orpheu/Multifoco, 2012), caderno-goiabada (prosa ensaística, Edições Ellenismos, 2013), Susana Thénon: Habitante do Nada (tradução, Edições Ellenismos, 2013), A Duração do Deserto (poesia, Patuá, 2014), Romério Rômulo: ¡Ah, si yo fuera Maradona! (versão em espanhol), geografia dos ossos (poesia, Douda Correria, Portugal). Escreve seus textos literários no quandos.

 

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