I

 

O Vazio Refletido Na Luz Do Nada

 

"Coisa

não é outra

pois nomear apontando olhos

dourando de objetos os nomes?

 

navio-poeta

cais é a mão que aponta

sentir doendo enjeitado acaso

encontra raiz perfeita

florescendo alma

disforme a fronde

 

simetria teimam vozes

estranho fado

melancolia métrica

 

tendo tudo

terei com Tempo

o nada em excesso

em saiba nemnonde

triste aurora rebentará

sol arisco pesadelo

remonta ao todo que algo embala

alva nuvem segue fardo

refazer noutro dardo exasperado

a centelha é o recomeço que recende

bola de fogo e pensamento

para quando o que se amoldando

 

noto a praia antes do Oceano

o prisma profetizando / horizonte

urânio celestial tudo mais do Amor

da mão distando, aproxima querer

o germe laivos inconclusos

cada manhã será uma manhã

outro dia verso este mesmo

hora é o que transtorna de ponteiros

fantasma contrário possível intento

estátuas de sal ao léu cruzeiro

pedras põem-se ao lugar

no pouso Eterno não repousam mitos

 

estar longe é qualidade desfazer

meu corpo não é fora do Mar

pela vista que conjugo

não concebo sem mim do Mar

só eu vejo sem par o promontório

nonda vago / perispaço

não concebo poesia sem tato

encarno a sensação dum escaler distante

tudo que não diste nenhum prazer consome

inconcluso o  gosto azul que sorvo é

bem mais que cheiro rumor orvalho

é gozo do olfato orgasmo do palato

se outro dia é esse aposto esvanece

poemas descabaçam

procuro em você golfo seta mirante

procuro em você quem dirijo rastro

procuro em ti farol agosto gancho

procuro em ti porão tonel fardo

procuro navego em você Sol-mulher

Atlântico manso pervogo voluto

hefesto forjo-me dorido mastro

transtorno tempo passado remorso

desfazimento segue aos passos

do que ainda quero tirando Deus do meu pedaço

esconde-te onda

arresto

nada pende no Oceano

túrbida fronde

criar mais do sal esfeito

tem-se espaço

pó recolhido serenado

extremo façanhas

aguada aprisionas

fazer dias claros

vales nítidos

um mar-tu mais fundo

horas restantes ao molhe

sobram desistem da Arte queda

punha um gesto na idéia içando rima

está por vir poeta que anda além das coisas

 

inventa dor colorindo vaga

peregrina língua pensa esgarça

profunda enseada de perplexidades ancorando

vento cosendo palavras

ritmos escoa o murmúrio

coisa é gênese nascituro obstáculo ao vernáculo

flutua e se deita largando vista:

não é outra razão de ver musicando

poema coisa tremo de sentir

coesia"

 

 

 

 

 

 

II

 

O Livro Nu das Coisas

 

Filamentos na datcha de verão: sou Míchkin, um idiota que se presta ao desentedimento no gesto criador das normas: subverto auroras em fímbrias — frases que brotam de raízes desfeitas de estalidos: Google avesso concavado no vazio de conteúdos imantando mundos mal-concebidos num berço de galáxias em conchas serpenteando supraverso: casca do periespaço.

Há um Google em aberto no BigBang: criar é significante.

Quando não se pára de não-sentir é um vão da consciência sujeitando-se que se esquece: objeto sem apreensão, penso solto pendendo pensamento duma palavra que me aborda. navio é recanto provisório da ilha: cessa quando lastro abalroa enchendo de sal acre do conhecimento. a geologia fóssil das hidrografias, trajetórias partículas, signos-velocidades, não sendo pois a coisa poesia espicha pedra-tema, se conta adoça açucara: o amigo é personagem imaginário que o desvario fez esquecer a descendência: morreu ali a vontade no gozo, bendito fruto dos esqueceres. moenda: nada o medo num Oceano fugíl um vazio angular nas reentrâncias onde parei em Proust? expandir-se em visão puramente paraíso: Y constelado da vagina de Eva. Gostar ou não gostar isso é coisa diferente. o sinal é outro. um ainda não é um: faz parte com todos. passar a vau Oceano vulvo. torvilhante parecença do barro que forja revolvendo mundos fazendo sentimentos artificiais dando ruídos aos nomes palavras dadas ao que se pensa passando sem nexo nesse planeta que não sai de moda criando algo incompreenssível com apelido : 'razão'. para onde ir depois de morto? por que lugar e não então também pensamento? não arredores, o pensamento regalava sua respiração era som o pressentido a música do vocábulo 'som' circunvagando. ergui acaso matéria inespressiva: a vida é fatalidade, sempre acontece. algo canhestro um pingo ponto chapéu se destaca num tronco de areia perseguindo semente-função, Sam agora diz ver um peixe se destaca levando a quilha, não era o peixe, fluxo de persistência devaneia sem tempo ou gravidade o tempo é o que suspende as coisas no peixe: chegar ao estranho que se fisga, a palavra soa então irremediável quanto a pureza das redes repuxando, quando pousar a idéia não serei mais o quem se escreve: tenho sensações dos que não vieram porisso não digo o arbítrio precedendo inexplicado. ocupar-se com paredes o céu distrai-me ainda quando não és: 'noiesis', 'noemas'. estou na época o tempo se ilude por mim: assim sucede. não há desencanto sem ultimato: o escritor simula o que seja vida em andamento. entro em mim mesmo pelo feixo de saída / tranco-me por fora / redentor do transporte: desir-me. queria ser meus olhos de antanho ou cegueira do amanhã partido entre luz / obscuridade dou margem floresço maciez entre dedos. Até que parecem bichos até que a redenção disponha: querer ficar aqui suscitando. buscava no vale madrugando o burburinho do açoite da morte no cais: um cemitério alteia cruzeiros aos passageiros vindos de crustáceos recobrindo túmulos. queria um livro que falasse diretamente aos olhos: prendi-me aos montes / quis achar esse

livro-espelho; há realidades que me estimulam na busca e não estão num passo, humilde agacho ao período da anunciação recortado dum efeito plausível que chame-se 'estória': tinha que rever sua copa / o canto / a lombada entre pilhas de jornais e personagens defuntos: livros entre variedades, tenho estímulo em viver fora saindo dentro de meu acervo a coleção estende-se na criação constante da Obra e a supera onde não se fecha mesquinha: impossível endoidar e escrever simultâneos, achar o livro é preencher o significado de alguns dias, amanhecer-se é um dia.

 

 

 

 

 

 

III

 

Memórias Dum Ausente Clandestino

 

"Como o detonador de Hiroshima, me sinto, na confusão de antisonhos, assomo de uma poética fluente, desaguadouro comum de mistérios num mister, desejos sem molde. esse poeta que sou eu é um resguardado: cada texto é um apego, forte indizente que reproduz a contenção que se espalha por dentro do que seria sem

literatura, foco de retomadas. não te lamento, só a frase que se perde pranteio na estrada carregando vento: não me faltam dons donde buscar acariciamentos substantivos. estive em ebulição sem rigidez dum caminho: queria-te solidário com o que perco dizendo, recostar e soletrando anunciar: olha eu divido esse fardo com Mallarmé: quero te ofertar a 'penúltima' antes que se imprima. ["Je m'enfuis, bizarre, personne condamnée à porter problablement le deuil de l'inespicable Penultième"] quero extirpar o 'demônio da analogia', não! o poema não terá rigidez de caminhos, será cada frase encitamento, fragmento de uma vastidão que se esconde no capote de bolsos abalonando-se: é o assoprar e jaz um nome. não quero assoprar para quedar-se um testemunho: solto-me em verbetes que imprecisam o enorme glossário assim composto: perpontuando

possibilitamentos. Quando escrevo nenhum obstáculo, os coleciono:

aceito percalço, o reutilizo: aí digo ser aí algo existente e passa ser unicamente existente o nomeado, mesmo findo com pele de nome.

não descobri, não impus, foi escrito quando não sei. como amor pela Virgem uma fraternidade de filhos sem pecados comuns, só os

resgatados e procuro-me em demasia nas nódoas idealizadas. Sem bruteza jamais tem termo absurdo: vou cavoucando, arruinado a ferida, jactando-me de buscar o que não é algo ainda. profundo e claro: efeito inconscientemente de sensações, profunda empatia com as formas todas do universo que abalroa, basta é a claridade, espírito absorvente e suscetível quebrando grandiloqüências sendo amor e morte experiências diárias. abjuro, maldigo, nunca enredo diabo de analogias: imitar-me é compreensão daquilo que nego verdadeiro,

tenciono o reexame, sento diante do real ecólogo de palavras,

há bem meio ambiente para as palavras, ecologia dos dizeres.

estou em movimento com as coisas: eu e tu que amo, mexemos objetos refeitos em pensamentos. Quando penso a coisa maldigo não ter esquecido seu primeiro modo: detesto modo de ser, ser é aquilo que movimenta e retine na ilusão que faço do olhar. dois tipos de conversão: a violência do entendimento e o luto; estou entre aparência e finitude: um poema é um reencontro com fascínio que possibilita sem preenchimento. Acredito ser arauto desse contrário:

o que se escreve me fora interdito da maneira visível de viver".

 

 

 
 
 

IV

 

Volátil

 

nem só respingo

flutuante

alma chora

acre

seco nebulosamente

chove

esvoaçando cortinados e ardores

desgastando sapatos pedrarias

calçados carros

ela some

pega-me a mão

mais são noite e flor

 

diamantes escorrem em esquinas

madrugada

enquanto eternas salivas passeiam por lábios castanhos

há uma boca no coração do mundo

jeito é dizer

um astro irrompe.

 

 

 

 

 

 

V

 

"Cafra, Carlos Francisco de nascimento, um poeta dissecando momentos enquanto navega entre igarapés seguindo a missão dos Médicos Sem Fronteira: saneamento e imunização dos povos da Amazônia Oriental; conheci enquanto bolsista da Fundação Rockfeller para um livro sobre cultura marajoara; vivemos no Rio e escrevemos diariamente para Hermione em Berna: o futuro será uma selva tomando metrópoles / aves de barbatanas e céus de centeio, segue aí dentro uma crença: o absurdo só é distante do nada; o Brasil é tão profundo! orgânico e imprevisível beleza inútil, formato de cerâmica funerária saudando cinzas da eternidade: vejo Macunaíma nascer todo dia da pena de Paracelso e Winckelman: desdenhamos ordem por princípio, temos amor por base e progresso por fim; neo-essênios saindo de cavernas, metrôs riscando casamatas e sexo livre de ardor: todos teremos olhos violetas / coxas comestíveis de repente no último verão / simpatizo com nossas senhoras mas horroriza que fiéis mantenham-se virgens:

se há movimento eterno é descabaço. A cópula será tão pecaminosa quanto derramar sopa no lixo à vista dum faminto? Deus era uma tarefa antes da essência: desprendemos o significado da ação, o sentido da causalidade: solta é que desdobra/ acordei do apocalipse e consegui reunir textos em anexo. Indômita a seiva toma a urbe / plátanos / tartamudos / procelas, as gramíneas ermos ectoplasmas, os gestos e meu reino por um arado; mãos que espantam odor do tédio / fardo da paixão / gemidos das horas / o ranger-segundos e das palavras, esse acúmulo que assoma na morte da teogonia. Achei um poema teu num exemplar de Lord Byron numa antiga trilha onde fora um dia alameda: confio em teu sucesso Thiago ou melhor carrega ele contigo e distribui aos montes: tua face sempre resvala o rosto em obra-prima, a face contrafeita num rosto impassível; aos quarenta anos, Thiago, estou sensivelmente menos surpreso, sensivelmente o mundo me pega menos e menos em apuros: vejo mais sem relance, o relance era a craca embutida no subjetivo.

Adorei e-mail lembrando Aníbal descendo os Alpes de elefante,

antes que esqueça: não me surpreendo com nada, só emociono das coisas e pensamentos, não saber do bem que representa, não saber além do conhecimento cru: vivemos todos em ocas de novo: até as idéias são novamente silvestres. Nascer deve buscar inencontrável; retendo fluída entrega: criar é coito interrompido. Queria recolher épicos inextensos; não há um Natal para o Espírito, tudo que tenho é vontade / o que de mim acontece no futuro? O que assombra não é Literatura, Thiago: coisa tal não falta pudor dizer: falimentar origem da verve / como o que se diz é construído com antecipação camerística na ausência de intimidade: põem-se tanta vontade de afeto para quem se diz que filmes livros detalhes de família / nome de quem rotina é extremado recorte da realidade maior que se vive ou considera digo de Bergman toda vez para conotar nosso interesse mútuo: deixar marca eterna do diretor de cenários e por em ti a fala

definitiva no minuto de fim de frase. A infância é pinçada outra vez:

onde voltaria se livre agora uma casa um rosto / não a situação geral:

o Pai-Estado morreu, pós-Édipo tudo mais é da mais precária natureza. Estamos condenados à Obra sem largar a Vida, nosso Talmude particular: Ter só uma máscara, Thiago, é tão pouco; a formar, o estilo: suavizações, manchas de sol, a felicidade curta, sublime serenidade, ir além do demonstrado, descrever é menos do que apresentado. A poesia necessária, não útil. A arte ama o ocaso.

O rastro é inferência.: será o Cosmo um brejo com flores mudas?

O suporte mundo então é teatro. Ando pela sala recitando Novalis,

trago cigarrilha tailandesa ejetando círculos pela janela torta e incorreta: a TV fica ligada sem som, no ar "Bonequinha de Luxo" é um protetor de tela entre 20 e 22 horas; — a sessão de cinema em casa chuvisca / o mar é anteparo real a tudo: razão ou arte cativas do harmonioso canto das sereias; acolhi um léxico do olhar: tenho sugestão prá tudo que não entendo só vendo. A tripulação acosta a nave ao porto: percebo ser a vida intermitente do sentido, a vida é um ápice entre ocaso e remanso...entretecimento: um chato sempre diz: o que isso tudo 'quer' dizer o 'querer'. myself: que expressão idiomática! decompor conjuntos por detalhes. sou gramátical, não existente: eu é um 'r' dobrando o canal em 'b' com bico breve de verso. exasperam as pernas escrever o destino: nada menos infame que a obviedade. o passado já tem casa em mim, compreenda Thiago: nós vagamos no fluxo, adjetivamos a substância intrincada entre espera e repouso: latinhas de celulóide, o cantor de jazz, cristal sonoro, eu choro não com milagres: o Absurdo que nega espanto caí com bruteza: estou dito para sempre quando reflito, não é a consciência o que distingue-nos das estrelas, é a reflexão: a consciência também bem pode ser luz e luz não pensa, o Homem é que faz sombra. Aderido, esgastado, amor transporte: nossa vingança será calcogravura o baixo relevo os sulcos num meteorito em Andrômeda. junção não é unidade: seremos pregnâncias: é isso!

anexos atachados num hacker de Deus. aliás, penso que Prometeu nos inspira isso: formatemos outro sistema, algo bichado para sempre: tornemo-nos hackers de Deus! todo contempla / 'sensibilia'/ sistemas acentrados: interferências ilocalizáveis : ao tanto esforço meu te querer, Thiago, dá-me uma tristeza de Rosa, a tua sozinheza, você é um lírio pendendo no vão ingreme duma escarpa: quero te atingir Thiago: esse amor desbordado que abisma-se entre minhas artérias. nunca se vai tão perto demais quando o mundo se distancia: somos nós no transe que se rompe. A linguagem habita cômodos dum castelo gótico: adornado de apetrechos desconexos para os visitantes doutra língua / justaposições arquitetadas num software de intercorrências intermináveis: experiências subjetivas são mais críveis

que cometas. dê-mos vez ao sujeito além das partes univocamente compostas: impossibilidade burilada, copydesk do imaginário: adentra o espetáculo miraculoso e expressado pela razão da linguagem; a linguagem tem razões subterrâneas e sideradas: esse cartesianismo contranexo que nos faz H.G. Welles e Júlio Vernes da prosa. imanências de cavernosas idéias: não existem cidades, só ruas e uma esquina; nenhuma hospedaria, só o leito; nada existe Thiago que não seja pensamento e passo: se não com as pernas, caminha-se por algum qualquer substrato: o gênio artístico, a ignorância, a crueldade, o romantismo; nada existe além da atmosfera de nossas mentes: somos únicos seres capazes de estranhamento: sem meu poema-mente como ponte o Universo eclode e turva. Thiago, o cérebro é soma de mentes decompostas em poemas, não epifanias ou insigths, poemas demenciados e que se apuram prestantes ao cotidiano, corriqueiro, urgente. quanto menos útil mais poético o pensamento: quando sento, deito, ejaculo pereço docemente entre miasmas de ondas e nuvens. cristalino dever de reencetar a marcha: no guarda-pó embolso riquezas indivisíveis / tem origem naquela linha que causa amor onde o mar não morre: estabelecemos contrato emocional entre cópula / dor e paisagem: entramos com método e digamos assim: fica em torno da minha saudade, fica me cercando todo de proximidade, leva-me daqui de onde não te sinto: vem que teu corpo envolve-se no meu eco.

O que não somos será ventre: autonomia do tempo-mãe, a mãe indivisa, o espaço recostado feito alma em espreguiçadeira.

O universo é o que dorme: sonho é que vibra em garatujas.

sonho é sábado à noite: a vida é sábado à noite: pureza de não crer que nada se acabe: sétimo dia é manto. quando estamos juntos vemos a eternidade numa grua: cada pingo e grão molda-se em acervo; googlização: possibilidade / ascensão do detalhe. deve Ter uma gaveta no zênite disponendo-nos num site de busca.

O rosto do homem que não conhecia envelhecer / unicídio:

manchas no teto / o que se sucede / o que se está / interpõem-se:

unicórnio de Deus: tudo diz respeito na véspera do anulamento / esse que vejo é o do filme / subjétil / o antro é reflexo partido do horizonte o ônibus quando há um poema desfixado que rompe até sei destino disposto amplexo tendo asseio alívio de pó o entendimento, impensável geometria maior que a excludente da soma fora de proporção com que e quem contém qualquer se surpreenda. já que não há: misteriariza. Thiago, aponta o céu, dá-me um beijo e diga junto ao que-seja testemunha: nós sabemos de ti, sentimos algo dentro do algo que seremos: nós sabemos de ti; o beijo é socorro cúmplice. navio sem trilhos / cores berrantes / desnorteamento de alentos / desdefinição: só agora parte. fio condutor dum biopoema / estetizar a vida com arremedo. fados / príncipes consortes / ternura exitante / o moribundo reduz tudo ao derradeiro, tenho toda incerteza. o vazio está sempre disponível; eles tomaram conta, mas nós vencemos: tutelam o que governamos na surdina, criam para deformarmos. a ilha flutua / semi pátria erra

escorrendo / o nem aí das coisas adejando toda parte. escrevo:

entrego testemunhos de não dizer diretamente das coisas ao significado: este é tanto para a palavra ser tão só. saber é supor.

e para você estremeço de haver dito época certeira / onde tudo era

concreto tempo presente a cismar por outras mais épocas, lembrado evanescimento: me fez a vontade de certezas assim, escritor. teimava por um ano exato: 2007, datas e sentimentos em seu contexto, só através dos escritos e destinatários se vive animando o que aos outros é fluido embaço. mais que livro-de-presença ou livro-caixa, sou tomador de notas que se vitalizam no cansaço dos acontecimentos. julho / 1993: mês e datas tão aletórios quanto documentados precisamente em todos calendários de parede, as folhinhas arrancadas os dias carcomidos parecendo frutos decompostos em seiva nova e rica pra semente doutra árvore que se forma para frutos aguardando a forma: anotei num dado instante onde se move um personagem que agora leio percorrendo a trama banal que o valida personagem dando ao texto sua básica estrutura.

Alguma aura de mistério conteve antes de desfazer-se resenhando

todo trajeto marcado em gravetos marcados de lua: a órbita refeita

montará o trajeto de espectros: o pontilhado dum esboço sempre se articula sob o artifício de tornar-se real. a realidade é arremedo dum longo sono do inabordável. Me sinto aberto: onde o Anjo na casa que habitamos? onde o Anjo? estou etéreo mesmo. falta a contradança, o prisma acompanhado para matizar de estrelas o azul permanente. Sim! sou aberto dito refeito em palavra encerrada em travessão e linha pontuada. Ante de mim Thiago, fosse Rilke ou Matisse, bloco de notas, tinta, apetrechos e janela dando para jardim selvagem. tenho jardim inglês bem no fundo da casa em que debruço e durmo recostado nas sebes a Alma do Destino. reflito então a lida, ofício, me sinto cada vez mais compilador das tradições persistentes, não tenho centro, sou artista. da música sincopada ao hotjazz, o fraseado minimalizado: há um novelo perceptível atento específico que carrega o leitor e desencaminha. O que não se esforça por entender, sente apoucado dum aluvião incipiente tornado de potente compreensibilidade. chove vento page views standards padrão pontocom mercado online multimidiadizado genômica ermida lixo evolutivo tenho dado coices nos meus sentimentos e sei onde parou estranheza de não ser amado. se quedo, brutalizo, meu coração recende a orvalho. Tudo que sentimos num ônibus na Alemanha profunda ou sentindo saudades de Tudo num porto brasileiro. somos estranhos para aquilo que escrevemos. e o que escrevemos soa tão além do que sentimos ainda pouco. só sentimos ser pouco, Thiago.

a palavra agiganta aquilo apenas pressentido. maldita secretária eletrônica, maldita tua ausência, maldito seja quando te desconhecia. sinto sua falta (uma falha na minha franja, um cisco, um repugnante cravo na testa) as noites também me faltam e os corredores e Joan Fontaine e John Garfield todos os seriados de monstros e gigantes e é cinco horas e me falta a manhã e as hecatombes. nota: quero restituir a noite dentro delas mesmo, momentâneo seja noite e pudera teu ombro esticar-me e Ter alguma reciprocidade, o que tens de mim quero restituir-me, Thiago: é indivisível esse nomeado aglomerado de prazeres sem presença de partes e todo, sábados seja feito para que se gostam ou tenham aguardada essa hora que se possa parecer aquilo que diga: é o instante! a voz aproxima amiúde, o pudor do esquecimento e a voz são os derradeiros, teima facilitar o Destino do Nada. ter só uma máscara é tão pouco. a forma estilo

suavizações ao assunto, manchas do sol, felicidade curta sublime serenidade ir além da demonstração descrever menos. a poesia necessária não útil. o acaso ama minha Arte / eu não amo o acaso assim de cara, sou descrente feito um ancoradouro desativado.

sigo os perigos da inexatidão, porém calculo o impreciso: tudo é acaso também pensando bem alongado tudo é só questão de Tempo.

se acerto são só predições ou suposições bem-sucedidas. Thiago,

eternizo para nada ninguém: um livro é só cumprimento duma promessa para esse que vou desconhecendo já que não alcanço sucesso em antecipá-lo. Penso que esse navio vá dar em Le Havre: me atraem os portos do Norte. mesmerizante; escaleras golfantes: os pés faltam se pensamos muito a pisada desacertada, vendia sálvia e tartarugas minúsculas, aquela mulher era lírio ao que eu amava despedido dele sabendo reencontrar. O senhor espera alguém? a mulher é um personagem forçado em meus textos. ela quem me aborda sempre. fico assim segunda à quarta sem vê-lo, sei juntos no fato da promessa: ele tem uma mulher e elas nele tem papel preponderante. há um branco no mundo: eu na espera ele e o reencontro, pessoaliza fato e local: o reencontro é uma farsa cronológica, nada se repete por nada existir: acontece coisas, acontece gentes, nenhuma concordância supre a falha de continuidade. mesmo assim é amar a espera entre dois pontos intercruzado; faz calor na ausência, ambiente cultivado nos trópicos.

'outra vez essa história?' é minha repito até quarta-feira advérbios preposições um guarda-chuva esquecido num táxi um precipício na sensação de estar vivo um letreiro de vende-se e combinamos um filé de salmão sem alcaparras aguados na boca de vinho verde, solo de guitarra a praia dista meia-quadra, o que humano é feito natural, diz então? cansa a flor se pondo sol brotando e só voluntariosa ao nosso encanto; o fraseado é rico em entorces de palavras vagas, miração, verbetes salidos de estalos nos olhos retirados prepúcios. todo amante se reconhece evita o que não aprouvemos ser visto ele assenta onde estaco nado de braçada em seus quatrirremes no alento da brisa remoendo... ah! na ponta dos dedos conversamos

de orvalhos verdes lacrimosos: só com ele faço chorar pelo momento. pintalgados aqualí molhes atobás flauteando desconsiderados: marlins prateados, ondina acalentam pouco mais instadas que fiquemos reservara o cenário para quem escolhe o dia, faremos felizes, meu medo é saciados. Thiago não vem: não se enoja de vagina. Volto-me à linguagem. Literatura não pode ser orgia, mas melhor que seja do que vilegiatura. As academias são pândegas, iconoclastas muito das vezes preparam o fardão ainda nas barricadas, exótico é passaporte para o legítimo provisório — dou um tempo à confraria e volto à ti que nem é escritor ou devotado: nada mais gélido que o desprezo dum iniciado, a indiferença do que te é familiar; cada dia meu é novidade em nossos deslocamentos. Entendimento demais picota a senha de entrada: perdemos respeito pelo percurso antes de dar na estrada. Dúctil diria. termino em dúvida se Thiago existe: não temos mais força para gerar personagens".

 

 

 
 
 
 

Aion e Vale Sem Rumo

 

"Nesse tempo me chamavam só Aion. Traduzia trovadores de Provença e entornava sopa sem respingos. olhava o mundo e revirava livro a livro. costumava prolongar o banho cinco da tarde.

mirava tudo, menos o teto: detestável parar os sentidos. uma noite pronta saí. o bar era toda esquina cheia de graça: transeuntes de copo em punho falam riem ao menor sorriso ouvem dançando sobre próprio corpo instrumentista sofrível. Mastroianni quero pôr som em harmonia. antes de mais nada dá um gosto tremendo passar ligeiro na soleira dum botequim e notar como o circo se monta. noto com malícia que Deus cometera crime perfeito refazendo o que não mais vai existir. Deixo aos homens a irreflexão ingênua sem açoite da complexidade. Seguira pela praia a ilha escarpada, o mirante sobranceio permitia notar contornos diáfanos: nunca como daquela vez distinguira colossal disparidade entre cidade engolfada em ravinas e Oceano. em segundos o Mar destroçava o bulício. Nunca fui dado ao desespero essa marca de geração. me acometia o desamparo. desespero é tão diferente de desamparo. o vácuo recortado entre cidade e imensidão me dominara em cheio. como onda podia dar cabo naquela 'coisa' em par de segundos. a encosta dava em cheio dez metros profundos só num pulo sem brechas ou

eco. ponho olhar. refletir é muito. quando assim desvalido sinto desejo de ficar: é sexo. nada de dengo ou remorso. sexo mecânico com objeto adorável. ele estava ali alguns minutos a ocasião e seu rosto chamavam intimidade. pedi. assentiu. sentara na rocha. passado extâse me pus refeito ao caminho. o grande rio salgado estende sem vales. o bar ainda fervia e gargalhavam ainda mais alto. todos ali breve fariam sexo por amor ou sacanagem. os mais simples não prescindem motivação para serem naturais. dei de passar no alfarrábio por notar ainda aberto a seleção de clássicos. Apanhei volume para madrugada e revi Artêmis na corrente donde escorre o porto: — quer casar comigo? casar é ficar de mãos dadas apenas. vem ouvir o que juntos dissermos, Artêmis? ou seria outro deus bifronte? dizia me amar faz tempo... só esperava um arranjo casto de ficar-mos unidos. volto ao penhasco quando sinto mais que só ficar pensando. amar é distender-se num rastro: é alongar as mãos sem acerto".

 

 

 

 

 

 

Transmodernidade: Diário Dum Bardo

 

toda questão é o tempo

toda moral a estética

reflexo e compromisso

e se fosse o mundo ao contrário?

de ponta cabeça seria eu todos teus amantes

tudo é sentido / nada é nada na variedade do mundo

denotando desejo sem cansaços / o que intuis procura o que queres:

acha. rio de música / exegeta través dum ponto entrecho a catedral

do teu corpo ciência da vista miração contemplas missal tépido vinhas do pensamento assopro do vento. um homem  narra fala imagina sem algo de que se aproxima: o quarto / vê que o personagem intui por si mesmo. vento / mar / desejo / dá-se no quarto a mais verdadeira trama: mãos / chuva / livro até encontro do afeto. quando afeto, pronto! solta o balanço das cordas e vai! fantasia herética: autor procriando bastardos, um arzinho no rumor cinzento. ficcionalizar é clínica da linguagem: valoração de moldes imprecisos que se colam ao estilo. estilo pode ser amálgama ou ponte. O conto levanta-se do leito à espreguiçadeira: o conto olha-se, observas as coxas da estória: tira o lençol que recobre a genitália:

o conto é então o que não fode mais, alitera. inventividades são acréscimos do que era íntimo e se quebrou. Tatear adjacências :

'portraits' / 'constelação estética' / auto-retrato / neoexpressão /

'happenings' ! 'cotterie pós-literária': contemplação pagã e dor cristã. Aprendi finalmente ler como quem conversa. leio / rezo: catolicismo ultraestético: as ranhetices papais eu toreio com chifres de ganso. não há conflito com autoridade que finge meigamente que Eu não existo. pedras de Veneza são tão dóceis quanto preceitos vaticanos. região profunda: tal livro que vai ser lança flashes cortantes na imprecisão depressiva. algo quer submergir: o conhecimento é artifício que se esconde para buscarmos e sentir esvaziamento paulatino de significado. é o livro quando supunho ter o texto na língua. consisti nisso: literarmadura e um amante pertinente. meu corpo é fechado para o que tenha significação restrita. o livro é o conhecimento evadido quando supunho ter o texto na língua. Literatura não é o que diminui a Arte da palavra é gozozo que antecede a tessitura".

 

 

 

 

 

 

O Paraíso Digital

 

A CARTA DE CAMINHA EM DISQUETE: PARAÍSO É QUANDO RIMOS SOZINHO DUM ACHADO.  hora de escrever e o pensamento obsessivo que impossibilita e depois facilita a produção. fixação em dados; quando tenho um caminho não estabeleço-o estreito — rápido! o caminho voraz até diz, quando?

Dubuffet. abstratização. singles. Cyberbands / covers / multimídias.

Thomas Bernhardt: fala extraordinariamente do sempre-mesmo.

desde gilgamesh tudo é o mesmo 'refazido': sondando inconsciente.

'no pain / no gain', lia esse dito inglês em Dover. Multifatorial:

a língua assovia Deus. multifatorial: a língua assovia Deus...

escrever não é para gênios: só loucos ou heróis. Thiago, a Vida não nos cabe: excedemos: a razão pode ser um efeito climático.

Thiago, só existe o que se dizer: o real incontável dramatizável,

insanidade meiga que escritores encerram numa caixa de música

com letra e sem ritmo fixo. abusamos do Homem: contamos.

 

auto-estrada, aquedutos, ponte-pênsil: os terminais de carga acesos, o cais fica para trás: nós filmes ordinários ainda se pergunta pós-amorosamente: foi bom pra ti? gostaste benzinho? na ida ias contando viagens por Toronto e o Vale do Loire: a recepcionista entrega as chaves do apartamento 69 pela terceira vez esse ano:

é possível ser sacana decentemente: a velha com cara de Helen Hayes tricota sacando por baixo dos óculos: 'são cinco horas de estadia, direito 4 cervejas ou 2 coquetéis', seria Shelley Winters; tivesse mais ternura do que transe pela candura da velha da portaria. é a pressa, porra! Gargalhar depois do orgasmo: disseste que não havia vácuo entre nossos apetites, nenhuma brecha no improvável

vaso onde deposito a seiva sem frutos de Sodoma. Ah! bancar grandiloqüência proustiana ao som de Smetana interpretado por Itzhak Perlman. Você com ar de 'lounge music': até que curto Rivers Cuomo, modelito Dolce & Gabana desde que ainda tenha esse rostinho de Tom Baker para meus 35 minutos de "Blow Job".

A vida é foda quando temos que repetir para sempre mesmo amor

da adolescência: o amante croata. a costa dálmata resulta da submersão de um relevo de dobras, o que explica ser ela muito recortada, com inúmeras ilhas e península. a costa adriática da Itália é retilínea, regularizada por aluviões: a única saliência notável nela é o bloco de monte Gargano. as frustrações escondem colagens de relevo erótico. o inconsciente não deixa pedra sobre pedra.

 

Desde meu primeiro contato profundo com a filosofia e a literatura (ambas não dão no mesmo) tenho frase martelando: até descobrir Cioran e ter confirmação do derretimento das calotas polares ainda tinha ilusões sobre Shakespeare e Mozart: tudo é inútil, agora completo com: tudo é inútil, Thiago. tenho pra quem dizer da inutileza. Thiago é a vírgula ao desânimo, possibilita seguir construindo frases. Deus! Oh, meu Deus: Deus é a mais veemente expressão do vazio até o nada ou o nunca: Deus é onde cabe toda metafísica: uma interjeição eloqüente. Escrevo para não dizer amém.

 

 

 

(imagens ©rave)

 

 

 

  

 

Flávio Viegas Amoreira (Santos-SP, 1965). Escritor, crítico literário e jornalista. Publicou cinco livros pela Editora 7Letras, do Rio de Janeiro: Maralto (2002, poesia); A biblioteca submergida (2003, poesia); Contogramas (2004, contos); Escorbuto, cantos da costa (2005, poesia) e Edoardo, o ele de nós (2007, romance). Publicou, ainda, Os contornos da serra são adeuses do oceano ao cais, de poesia, editado pelo selo experimental Dulcinéia Catadora e Sampoema, pelo Atêlie Acaia, ambos de São Paulo.  Considerado um dos mais inovadores autores de vanguarda brasileiro, foi incluído na denominada Geração 00,  grupo de escritores que se destacaram na primeira década do século e que terá reunido suas obras numa antologia organizada pelo crítico literário Nelson de Oliveira, para a Editora Boitempo, em 2010. Colaborador de diversos jornais, revistas literárias e sites, seus livros foram adotados por universidades norte-americanas e européias, tendo obras traduzidas para o inglês pelo professor e "brasilianist" Charles Perrone, da Florida of University e comentada pelo acadêmico português Luis Serguilha. Dramaturgo, estreou em junho de 2009 o monólogo Clarice Lispector: roteiro do insondável e prepara-se para lançar dois novos livros: Santiago além de João, sobre a obra do cineasta João Moreira Salles e O vazio refletido na luz do nada, onde implode a noção de gêneros, como prosa e poesia. Ativista cultural e libertário, o autor participa de vários movimentos pela Cultura e pelos direitos homossexuais. Já foi musicado pelo compositor Gilberto Mendes, tem parcerias com artistas plásticos e liderou 2 movimentos literários: "A literatura do Estilhaço" e "Transmodernidade". Recentemente, causou enorme polêmica ao ser entrevistado no programa "Provocações", de Antonio Abujamra. Historiador, luta pelo resgate das tradições de vanguarda do Litoral Paulista e nos meios iconoclastas de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2009, lança No Vinho, o Verso, de poesia, com gravuras de Paulo Von Poser e coordenação de Cláudio Vasquez, impressor de Tomie Ohtake.
 
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