©valéria garcia

                           

 

 

Em Dirceu Villa a erudição está presente como o suor na testa de um ajudante de pedreiro, ampliando as dimensões do lúdico pelo grego, italiano, francês e provençal, carnavalização já indicada pelo achado do título, Descort, discórdia, poema que mistura idiomas na língua de Arnaut Daniel. Claro, nota fundamental é o humor, a veia mordida que nutre o verso serpenteante de rimas internas e aliterações do poema chamado Ninho de Vespas, começando pelo "inferno editorial". Esse texto, em que o humor não fica só na intenção, mas se efetiva e provoca o riso mais divertido, é uma cantiga de maldizer, paródia sobre o Dante da Comédia, que tem por alvo um editor de livros, o crítico, um jornalista e um lingüista. É humor circense, sob o tom redentor da brincadeira de carnaval. Mas por que poupar poetas que também merecem uma daquelas estrofes, digamos, picantes?

 

Para alguns, o perigo da erudição é reduzir o leque comunicativo, mas isso não é problema do autor e sim do leitor. Oi Bárbaroi, a propósito dos bárbaros, pode parecer uma brincadeira bobinha, mas tem a ver. Dirceu (faz mestrado em língua inglesa, na USP) é um poeta capaz de idéias e de trabalhá-las, balas de festim funcionam como pistas para outros textos. A linguagem destruída dos bárbaros ou pré-linguagem, por exemplo, relaciona-se com a falsa moeda do lingüista condenado ao inferno por ter destruído sua própria razão de ser, ou do ser, o idioma. O caos da barbárie pode ser potência criadora; o lingüista é a própria decrepitude, com poder destruidor contagioso. A busca da sátira estabelece a relação com I Gregório, homenagem ao Boca de Brasa, que termina com uma profissão de fé no humor como matéria legítima de poesia, ecoando mais uma vez o tema dos bárbaros e da linguagem: "A língua foge ao comando,/ olhos de basilisco, queimando./ PONTO EM BOCA, portanto/ Que me leiam sem rubor, / como por encanto."

 

Com certeza, essa mesma mola do humor é que move um texto como Os Sentidos em Guerra, de tom épico-hípico — o épico que já não se sustenta, é anacrônico —,  sobre Eros e Tânatos, terminando assim: "baixa a couraça negra de granito o escudo/ negro e a montaria sobre a lua branca e contra/ a sombra então crescente ergue o montante e dá/ morte enfim de sangue a si e ao amor, que sorri." A vontade de trabalhar o cotidiano, revirando-o pela linguagem é a nota do poeta, mais evidente em Entre.

 

 

 

Em "Três poetas desafiam os leitores"

Caderno 2, jornal O Estado de São Paulo, 2003.

 

 

 

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Dirceu Villa. Descort. São Paulo: Hedra, 2003

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agosto, 2006.

 

 

 

 

 

Dirceu Villa, poeta, tradutor, ensaísta e professor de literatura. Publicou MCMXCVIII(São Paulo: Selo Badaró, 1998), Descort (São Paulo: Hedra, 2003) e tem inédito o novo livro de poemas, Icterofagia. Apresentou o programa da rádio CR37, da Casa das Rosas, na internet, sob direção de R. H. Jackson, e editou a revista Gargântua (1998-1999); foi publicado na antologia nova-iorquina Rattapallax 9 (2003); tem poemas publicados nas revistas Ciência & Cultura e Ácaro, na qual publicou também traduções de e.e.cummings e Ezra Pound; traduziu e anotou Lustra, de Ezra Pound, para o mestrado (2004); tem ensaio sobre Fernando Pessoa publicado no "Dossiê" da revista Cult (2005); fez o roteiro e desenhou a HQ "O Entardecer de um Fauno", baseada em poema de Stéphane Mallarmé, e recentemente prefaciou os Contos Indianos, do mesmo autor (São Paulo: Hedra, 2006), além de A Trágica História do Doutor Fausto, de Christopher Marlowe (São Paulo: Hedra, 2006). Traduziu Imagens de um mundo trêmulo, de John Milton (São Paulo: Hedra, 2006). Leciona no curso de extensão universitária da USP (Poesia – 2003/2004/2006) e faz parte do corpo editorial da revista Cadernos de Tradução, FFLCH-USP.

 

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Moacir Amâncio. Poeta, jornalista, professor de língua e literatura hebraica na FFLCH da Universidade de São Paulo, é autor de livros de poemas, ensaios, reportagens e crônicas. Óbvio (São Paulo: Travessa dos Editores, 2004) é o seu livro de poemas mais recente.

 

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