"Pois eu os representei, tomei o lugar deles e transmiti sua imagem de minhas visões.

É a psique que fala".  Oskar Kokoschka (1912)

 

 

A citação do pintor e dramaturgo austríaco Oskar Kokoschka (1886-1980) manifesta o temperamento do movimento expressionista. Tanto no teatro, cinema, artes plásticas, arquitetura, dança, música e literatura a ênfase está na alma, espírito, nos encontros e desencontros da mente com as emoções subjetivas. Num certo sentido, o expressionismo é mais conhecido como um determinado tipo de arte alemã produzida por volta de 1909 a 1923. Portanto, às vésperas e depois da Primeira Guerra Mundial. Um período nervoso, marcado pela dúvida, desespero e a insegurança frente às mudanças sociais, científicas, políticas e tecnológicas. Nesta época, a Alemanha possuía vários centros culturais além de Berlim, tais como Munique, Colônia, Leipzig e Dresden; e mais ao Sul, Praga e Viena. Propiciando um certo conflito de opiniões entre o centro e as outras regiões. Conseqüentemente, salutar na procura do Novo Homem, como idealizava os expressionistas, uma espécie de indivíduo cuja ação deveria ser marcada por um humanismo indiferente às classes sociais, em favor dos oprimidos. Lutavam para restaurar a plenitude dos homens, propondo uma série de transformações e reformas culturais e sociais. O expressionismo foi o apogeu da utopia na modernidade.

 

Foi um movimento multifacetado. Incrementado por jovens escritores, que conversavam sobre as suas musas, sobre o perigoso momento político, sobre as suas angústias e, principalmente, sobre a literatura. Os cafés e os cabarés eram os principais redutos de encontro. Sendo o mais importante o Neopatético (Neopathetisches Kabarett), fundado em 1910, na cidade de Berlim, local onde o escritor Herwarth Walden se reunia com os poetas novos, principalmente Jakob van Hoddis e August Stramm, para dialogar sobre a poesia e detonar as estruturas convencionais da língua alemã. Walden lançou a revista semanal Der Sturm (A Tempestade), que teve as colaborações de artistas plásticos como Chagall, Paul Klee e o próprio Kokoschka. Der Sturm foi publicada até 1932. O seu auge foi na década de 1920.

 

 

Oskar Kokoschka, Noiva do Vento (A Tempestade), 1914

 

 

Poesia expressionista alemã: uma antologia - Muitos dos poemas publicados pela Der Sturm no século passado estão presentes na edição bilíngüe (alemão/português) do livro Poesia Expressionista Alemã: uma antologia (Estação Liberdade, 2000), organizada e traduzida pela germanista Claudia Cavalcanti. Acompanham os textos, as reproduções de gravuras de artistas plásticos do expressionismo (Georg Grosz, Max Kaus, Heinrich Campendonk, Max Beckmann, Karl Hofer, etc.). Uma delas (Mulheres Errantes — II Versão, 1919) é de autoria do brasileiro Lasar Segall. Ao todo são 16 poetas alemães, numa antologia primorosa e fiel ao gênero que é a marca do expressionismo: a tragédia.

 

A reivindicação dos jovens poetas expressionistas fez surgir uma nova poesia. De protesto, desprezando a tradição poética e dotando a língua alemã de novos significados, com o uso de metáforas e verbos incisivos, passagens e mudanças graduais ou estanques, jogos de palavras e trocadilhos, onde cada verso se mostra independente do anterior ou posterior. Em 1911, Jakob van Hoddis publica um dos principais poemas expressionistas "Weltende" ("Fim do Mundo"): "O chapéu voa da cabeça do cidadão,/ Em todos os ares retumba-se gritaria./ Caem os telhadores e se despedaçam/ E nas costas — lê-se — sobre a maré. // A tempestade chegou, saltam à terra/ Mares selvagens que esmagam largos diques./ A maioria das pessoas tem coriza./ Os trens precipitam-se das pontes". Este poema, como observa o professor Dr. Klaus Schubmann no prefácio do livro é um exemplo do estilo predominante: "O chamado 'estilo simultâneo' (ou estilo ordenado em versos, em que cada um é uma afirmação que se basta) traduz a totalidade da vida ansiada pelos jovens (...), por um sem-número de informações, dados e acontecimentos sem muita lógica entre si, com versos de posições cambiáveis, mas que sugerem uma concomitância das mais variadas situações cotidianas; esse 'simultaneísmo' foi uma das formas poéticas mais usadas, e com êxito, pelos poetas expressionistas".

 

A tragédia também está presente em forma de clamor e sofrimento na poesia "Schwrmut" ("Melancolia"/1914) de autoria de August Stramm: "Avançar almejar/ Vida anseia/ Arrepiar ficar/ Procurar olhares/ Morrer cresce/ O vir/ Gritem!/ Profundamente/ Nós/ Emudecemos". A esperança aparece de maneira subjetiva e inalcançável, conseguida somente através do reino lúcido das palavras, num dos mais belos e criativos poemas da antologia, "Der Spruch" ("A sentença"/1914), de Ernst Stadler: "Num velho livro topei com uma palavra/ Que me veio como um golpe e ainda arde em brasa:/ E quando me entrego a um turvo prazer/ Preferindo brilho, mentira e jogo em vez do puro ser,/ Quando acho melhor com supérfluo me enganar,/ Como se fosse claro o escuro, como se a vida não tivesse milhares/ de portas a fechar,// E repito palavras cuja amplidão nunca senti,/ E toco em coisas cujo sentido jamais revolvi,/ Quando um sonho bem-vindo me acaricia com mãos de veludo/ Aliviando-me do cotidiano sobretudo,/ Longe do mundo, alheio ao mais profundo eu,/ Então se ergue em mim a palavra: Homem, procura o teu apogeu!".

 

A maior poeta do expressionismo — Ela publicou seus primeiros poemas em 1899 com quase 30 anos de idade, e foi uma das fundadoras da revista Der Sturm. De origem judaica, como a maioria dos poetas expressionistas alemães, e muito bela, transgrediu quase todas as normas da sociedade vigente. Casou-se duas vezes, na segunda com o escritor Herwarth Walden. Tinha crises profundas de depressão. Viveu em constantes dificuldades financeiras. Excêntrica e rebelde, uma lenda alemã: Else Lasker-Schüler. Uma poeta movida pela paixão. Sua poesia autobiográfica, criativa, espontânea e melódica não encontrava limites para a formação de novas palavras na língua alemã. Ela foi um dos poucos representantes do expressionismo que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. Ironia do destino: faleceu em Jerusalém em 1945, logo após o final da guerra. Seus poemas lembram a poeta portuguesa Florbela Espanca. Gottfried Benn (que também faz parte da antologia), a quem nos poemas chamava de Giselheer, foi uma grande paixão da poeta. Lasker-Schüller dedica o poema "Giselheer dem König" ("A Giselheer, o rei"/1913) a Gottfried Benn: "Estou tão só/ Se encontrasse a sombra /De um doce coração.// — Ou se alguém/ Me ofertasse uma estrela -/ Sempre a apanharam/ Os anjos/ Assim, no vai-e-vem.// Tenho medo/ Da terra negra./ Como ir embora?// Quero ser enterrada/ Nas nuvens,/ Ali onde o sol cresce,/ Amo-te assim!/ Também me amas?/ Diz, então... ".

 

O período mais fecundo da poesia expressionista alemã foi entre 1910 e 1918. Desejar!? Apaixonar!? Sonhar!? Delirar!? Eis os principais verbos, em seus tons afirmativos e questionadores, que fazem parte do grande mural de palavras dos jovens poetas expressionistas alemães. Visto de frente, e iluminados pela tênue luz do luar, o grande mérito e extrema vitalidade do movimento repousa num conturbado grito de descontentamento. Na década de 1910, uma procura incessante pela liberdade ecoava pelo mundo numa súplica — sempre em expansão e movimento, um lugar e ponto de intercessão —, onde os sonhos e a utopia jamais acabarão.

 

 

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O livro: Claudia Cavalcanti (Org.). Poesia Expressionista Alemã. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

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setembro, 2007

 

 

 

 

 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, pesquisador e escritor. Autor de Pavios curtos (poesia, anomelivros, 2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (poesia, org. Wilmar Silva, anomelivros/Fundação Camões, 2005), que reuniu 40 poetas mineiros e portugueses. Autor de Em linha direta (dissertação no campo da comunicação social, no prelo, pela Quarto Setor Editorial).
 
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