Pela
primeira vez em mais de quarenta anos, a poesia de Roberto Piva, que
completa 68 anos, será integralmente reunida e posta novamente em
circulação, para deleite dos leitores brasileiros. Com vários títulos há
muito esgotados, Piva é daqueles autores cujos versos circulam não se
sabe bem como, resistindo, em sua inquietante estranheza, ao deserto do
conformismo e da falta de imaginação. Donde a exatidão do título
proposto pelo poeta para o primeiro volume da trilogia: Um estrangeiro na
legião.
O
livro enfeixa a produção inicial de Piva, compreendendo seus dois
primeiros livros — Paranóia, de 1963, e
Piazzas, de
1964, ano do golpe militar —, o poema Ode a Fernando Pessoa, publicado
em 1961 sob a forma de plaquete e jamais recolhido em livro desde então,
e os Primeiros
manifestos.
Como
destaca o organizador dessas obras reunidas, o crítico Alcir Pécora — que já havia organizado para a
Editora Globo a publicação da obra, igualmente inusitada e
transgressiva, de Hilda Hilst —, o traço predominante nos poemas desse
período seria dado pelo viés blasfematório (em diálogo com autores como
Whitman e Pessoa, e com a literatura beat), ao que se seguiria uma etapa
psicodélica e experimental (característica dos livros que comporão o
segundo volume, publicados entre a segunda metade da década de 1970 e o
começo dos anos 1980) e um terceiro momento, mais místico e visionário
(terceiro volume), que se estende até os dias de hoje.
A
despeito do caráter um pouco esquemático dessa divisão, ela ajuda a
entender seja algumas alterações de rota no percurso criativo de Piva,
bem como certas linhas de continuidade no conjunto de sua obra. Nessa
medida, o vitalismo de extração romântica, o vínculo tenso com o
surrealismo — que em Piva, à diferença do que ocorre em outros autores,
não se degrada em mera retórica do não-sentido — e a intertextualidade
vertiginosa são alguns dos elementos que podem ser mobilizados para a
compreensão do que se funde na fornalha desses versos.
Um
estrangeiro na legião
contém ainda longo e elucidativo posfácio escrito pelo poeta e crítico
Claudio Willer — companheiro de geração de Roberto Piva — e uma boa
bibliografia ao final, extremamente úteis para o leitor ávido por mais
informações sobre uma das vozes mais importantes no panorama da poesia
brasileira contemporânea.