©locandina fahrenheit 451

 

 

O dia em que Thom Yorke tocou a raiz do problema 

Thom Yorke, vocalista, letrista e compositor do Radiohead está com o saco cheio. Do quê? De Tony Blair. E nisso escreveu o seguinte no site da banda:

 

Estou cheio disso. Nosso governo em cima do muro com os EUA enquanto a Terceira Guerra Mundial parece explodir no Líbano e no norte de Israel. Precisamos tirar Tony Blair do cargo AGORA. Ele não representa a visão do povo britânico. Ele não representa a visão do seu gabinete de relações exteriores e de seus funcionários. Ele sequer representa a visão das pessoas do seu gabinete. Está preocupado excessivamente com sua relação com Bush e Murdoch. Esse homem não está preparado para ser nosso Primeiro Ministro. Faz um belo dia de sol. Vamos lá, a hora é essa. Você sabe que faz sentido. Um voto pela desconfiança. Ou algo do tipo. Qualquer coisa.

 

E por que pus no título "a raiz do problema"? Bom, porque o texto não durou muito no site. Suprimido sem que se dissesse um "a" sobre o assunto.

 

A verdade no mundo de hoje: uma brevíssima e quase invisível fagulha que é logo exterminada com baldes de água fria, ou montes de panos quentes.

 

 

Literatura na Revista da Folha de SP (!!!!)

 

Há uma definição muito funcional de como as coisas são feitas no Brasil: num bar. Havia já a expressão "filosofia de boteco", que é um modo sintético de descrever uma pretensiosa conversa patafísica que vai do nada pra lugar algum. A poesia ganhou versão semelhante, nos "saraus poéticos" da periferia de SP.

 

Clichês do arco da velha despencam da reportagem: é a realidade que se transforma em literatura, gente com a experiência da vida, um pouco de sentimentalismo, duas pitadas de panfletarismo básico e uns estilemas usados como palavras de ordem.

 

Uma das pérolas colhidas pela jornalista dizia o seguinte: "Ferreira Gullar só terá valor se deixar a USP e for à periferia", complementada por outra pérola: "Não, irmão, ele não precisa vir aqui, não. Nós é que vamos lá. Queremos os 50 por cento que são nossos. Vamos tirar aquele bando de vagabundo e colocar a malandragem lá".

 

O jogo dos sete erros viria bem a calhar. Mas vamos pegar apenas dois:

 

a) Me escapa o que Ferreira Gullar tem a ver com a USP, já que não estudou lá, não dá aula lá e nem é muito chegado ao típico conhecimento universitário; a USP foi usada, como de praxe, como sinônimo de "universidade pública" e "antro de afetados", por oposição à boa natureza da nossa gente simples;

 

b) A questão das cotas, já ruim por si própria, piora mal-compreendida. Uma universidade deveria ser, hipoteticamente (percebam a minha delicadeza ao utilizar a palavra), um centro de excelência para o conhecimento. Mas, evidentemente, numa sociedade que se acostumou a fazer tudo pelo avesso, se tornou um elevador social em que você entra, aperta um botão e sai palestrando na FLIP com um bando de outras celebridades ignorantes e imprestáveis.

 

Essa malandragem parece bem mané, o que demonstra que mesmo uma crítica a um sistema social injusto pode errar o alvo, numa espécie de tiro no pé.

 

Os saraus dos bares da periferia cumprem, no entanto, para a Revista da Folha, aquele papel tão agradável, que é um aceno cheio de ternura à ignorância brasileira, que nos caracteriza tão profundamente. Permitir, com essa condescendência, que a coisa permaneça assim. Para complementar, um Bukowski pra cá, e um Carlos Drummond pra lá: está de bom tamanho.

 

 

"Si-mul-ta-ne-ous-ly"                        

               (dedicado ao meu querido amigo Pandit)

 

Fahrenheit 451 em DVD. Finalmente. Poderia parar por aí, mas vou dizer mais uma ou outra coisa.

 

Primeiro, a edição prometida, com extras e entrevistas, não aconteceu; a que acaba de ser lançada não copia a edição internacional da Universal, por exemplo, que viria bem a calhar; entretanto, aí está o filme disponível e já não era sem tempo.

 

Segundo — e portanto — esse filme não poderia faltar: um grande momento para Truffaut, que dirigiu uma ficção científica das melhores (para pôr junto de 2001, Uma Odisséia no Espaço e poucas outras) e pôde trabalhar com o emblemático Bernard Hermann, que compôs trilhas inesquecíveis para Hitchcock, como Vertigo e Psicose, e não deixa por menos aqui; se baseia no ótimo e visionário livro de Ray Bradbury (que recentemente teve edição comemorativa de 50 anos), criando uma alegoria, nos nossos dias já quase real, da estupidez de um mundo que nada sabe de livros, porque eles foram banidos. Os restantes são queimados pelos bombeiros que invertem sua antiga e esquecida função (a memória das coisas desaparece junto com os livros).

 

É um filme brilhante, e tende a ficar cada vez mais atual. E, é lógico, Truffaut torna as relações entre as pessoas um núcleo de interesse (e muitas vezes de pungente beleza) que ultrapassa qualquer coisa existente no próprio livro. Montag e Clarisse são seres de celulóide indeléveis.

 

Resumindo: absolutamente necessário.

 

 

A Fantástica Fábrica de Poemas


Valério Oliveira, ele mesmo ou outros eles-mesmos, é um mistério borgiano: e poderíamos dizer portanto que, se não fosse inventado, teria de existir.  Seus poemas são ótimos, como uma verdadeira farra bem organizada de tópicos do vagamundo letrado e sem muita paciência com as velhas frescuras do mundo literário. Daí o seu tom, no melhor, lembrará ao leitor algo da remota Priapéia e, no pior, a literatura marginal dos anos 70, com a qual sua poesia tem evidentes ligações.  Mas muitos poemas estão cheios daquela verve que falta à maior parte da poesia hoje, e alguns deles têm aspectos formais muito interessantes, como um arranjo paronomástico diferente do que faziam os concretos e também muito efetivo, multiplicando possibilidades de leitura do mesmo verso; poemas dialogados, sátiras hilárias a encontros de poetas, etc. E mesmo alguns têm o recorte objetivo e direto dos melhores epigramas ("O falo falante", por exemplo).

Uma poesia pequena e veloz, da uis comica, ação entre amigos de um homem só, destinada a fazer rir. Leitura recomendadíssima nos dias de hoje, em geral, caretíssimos a respeito da velha empostação poética, como anota o insuspeito Gray Goldman na sua "review", dentro do mínimo livro MÍNIMO EU. E adverte-se por isso ao leitor que repare também nos achados colofônicos das suas edições, revisadas, por exemplo, por José J. Jota, com projeto gráfico de Teodoro Adorno para, é claro, a editora 100 leitores.


Admirável.

 

 

 

 

 

agosto, 2006

 

 

 

 

 

 

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