ARCO-ÍRIS BRANCO

 

 

Pássaro bicou a paina

no galho alto,

repercutiu neve.

Caías em mim

— arco-íris

branco

fragmentado

em sete tons —

 

pele

sorriso

fumaça do cigarro

esperma

notas do violão

voz e alma.

 

 

 

 

 

INSTANTÂNEOS

 

 

Ele ouve Bach.

 

Eu calculo distâncias.

 

Ele nu na cena cinza-azulada.

 

Eu penso — quatro andares? — morro: não morro.

 

Ele entreabre a cortina e a lua goza só de roçar em sua pele.

 

Eu penso que a fuligem do fogão vai empoar a dramaticidade.

 

Ele sorri e insulta os deuses com sua luz plena.

 

Eu abro a gaveta e procuro a gilete.

 

Em segredo, ele sorri. Pisa-me, mas sorri quando me recorda.

 

Eu penso que devo comprar outro fogão, plasmando morte sem sangue.

 

A lua estica os olhos turvos para espiá-lo além da cortina.

 

Eu penso em flagelos — rasgar a pele com arame farpado — dar-lhe razão para o asco — Miss Frankstein!

 

Ele entra no banho e ilumina a noite.

 

Esqueço as tramas fatais e decido por — la petite-mort — nos braços dele não voltaria do orgasmo.

 

Ele, Adônis, tangendo o sexo como uma flauta entre espumas.

 

Eu, úmida, erguendo trincheiras de arames farpados, pronta para a guerra final, afinal.

 

A água murmura indecências no lóbulo lindo onde um dia sussurrei minúcias.

 

Eu vejo meu rosto cerzido carmim pontilhado, rasgado, em uma alegoria escarlate.

 

A toalha abraça a pele de lírio em arrepios têxteis.

 

Evoco a pele lírio e abro a caixa de Pandora, agarro a esperança, pássaro que baila entre os meus dedos.

 

Ele sorri para a lua e acende o cigarro.

 

Eu recupero o passado contemplando este gesto.

 

Estamos de novo, lado a lado.

 

Instantaneamente.

 

 

 

 

 

AMANTES DE AGOSTO

 

 

Gosto de agosto.

O algodoal menstrua

sangue branco

antes da primavera.

É preciso rasgar

por dentro

antes que chegue a primavera.

É preciso pagar o tributo,

os deuses sempre cobram.

Depois que cair gotas espessas

brancas

no chão quase-negro,

os algodoais serão apenas valsa.

Uma onda de espumas trepidantes.

Quem sabe um leito rústico,

para os amantes de agosto.

Quem sabe agosto faça o parto da

primavera com menos pranto,

sem sangue branco,

apenas vento,

valsa

e um olhar que é só encanto.

 

PROFANA

 

 

A cor do amor é branca,

e o amor tem uma covinha do lado direito do rosto

e o amor me olha como alguém

que jamais vai tirar a minha calcinha

e gozar o céu dentro de mim.

O amor sempre vai me olhar

como se eu estivesse num altar de papel.

Para o amor, eu sou uma rima

e rima não tem vagina.

Para o amor, eu sou uma ode

com uma ode ninguém fode.

Eu sou um verso alexandrino

jamais tocado pelo herdeiro deste nome.

Eu sou a palavra, e a palavra, a palavra é Deus

Deus ninguém come, mas

será que beber

pode?

 

 

 

 

 

*

 

Fico equilibrando a vida, como seus dedos ontem — Equilibrando-se, brancos nas cordas, na mais bela dança. Foram eles que me puxaram para perto naquela noite no palco do Hermes. Foi brancura de luz que é só beleza. Eu sei que muito tempo vai passar, sem que eu veja algo mais belo que suas mãos e sem que eu deseje ser outra pessoa, que não ela, que te tirou o cabaço, baby... Pois soa no final com uma certeza lúdica, que você a amou.

Não só o corpo entende? Como se eu quisesse um fiapo da eternidade que ela teve. Que ela queria apenas como aconchego, e que eu quero como amor...

Estas luzes que são teus dedos, como um manto de mariposas, que eu fosse um mundo inteiro para elas valsarem quando você pousasse no corpo antigo, judiado, esquecido e triste, que te alisa em um travesseiro branco, teus dedos brancos, a primavera inteira.

 

 

 

 

 

BEIJA SUAVE A MINHA NUCA

 

 

..."demorei a entender que és mulher

e carregas outonos na nuca"

Luiz Felipe Leprevost, em Ode Mundana

 

 

Uma pinta de beleza

brotou sob o seio esquerdo,

para o menino

devorador de sinais de beleza.

Rito de oferta,

olhando este corpo mascavo com digitais

impressas,

buscando um poro virgem para plantar

a pétala,

e te oferecer depois

— rosa a ser desvirginada —

 

Um dia, li os versos epifânicos,

do amigo solar — profeta

sem saber —

que há em mim apenas outonos

para esfriar verões de acordes...

e o amigo do amigo solar

nem sabe,

do mantra que eu repeti meses a fio,

a caminhar por ruas e corredores e

antes de adormecer, recitando suave

como prece:

beija suave a minha nuca!

beija suave a minha nuca!

beija suave a minha nuca!...

de outonos adornada... e a pinta recém-nata,

gota de meu coração que vazou sobre a pele,

ou um prêmio extra que trouxe destas noites

em que adentro oceanos estranhos

e te procuro entre as estrelas naufragadas.

 

 

 

[Poemas e ilustração — de Ane Fiúza — do livro Noir]

 

 
 
 
 
 
 
Bárbara Lia é professora de História e escritora. Vive em Curitiba-PR. Publicou os livros de poesia O sorriso de Leonardo (Curitiba: Kafka Edições Baratas, 2004); Noir (Curitiba: Ed. independente, 2006) e O sal das rosas (São Paulo, Lumme Editor, 2007).

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