Noélia Ribeiro
Noite de Natal
Na noite fria de Natal
alinhavo cruzes no
céu estrelado
Merry Christmas, baby
Goodbye, amado
Preso pelo fio
a balançar observo
o ornamento europeu
Feliz Natal, amore mio
Adeus, amor meu
No breu natalino
o vento também move
o coração delirante
Adios, my love
Até breve, amante
Volta logo, menino
Noélia Ribeiro
Na Germina
> Poesia
Nuno Rau
Off (Lasciate ogni speranza)
Papai Noel, aliás José Calixto
da Silva, pardo, 42, foi
encontrado morto numa viela
do Jacarezinho, bala no crânio,
e um 38 achado sob o corpo,
junto ao fumo da pólvora nos dedos
polegar e indicador, mais os maços
de contas atrasadas e um bilhete
do filho caçula pedindo a bola
oficial do campeão do ano
na Libertadores, revelam tudo:
suicídio. Horas antes, o anjo
anunciador informou por zap:
"os patrocinadores reduziram
as verbas, e, por isso, até segunda
ordem não necessitamos de seus
serviços... gratos pela parceria
até aqui, sem mais, a Direção".
Na praça de alimentação, José
viu, no presépio, que o menino-Deus
vestia fraldas Pampers, e Maria,
uma echarpe azul de seda Versace
como véu, ao lado do carpinteiro
pai do menino feliz, com sapatos
Bär Schuhe, enquanto conferia
nos bolsos as moedas pra chegar
de volta em casa. Os patrocinadores
cancelaram o Natal, o futuro,
quaisquer projetos que drenassem seus
recursos nos meses de contenção,
protegendo o balanço e os acionistas
da volatilidade dos mercados,
os patrocinadores só não podem,
no entanto, cancelar este poema.
Nuno Rau
Na Germina
> Poesia
Regis Gonçalves
Presepe
No presépio o boi
a cabra
o jumento
o deus compartilhando
sua pobreza
e glória
com os animais
e ensinando que somos
todos bichos
da criação
filhos da natureza.
Regis Gonçalves
Na Web
> Quem é.
Ricardo Leão
Natal no Lar
"A família é verdade,
Como diz o Pessoa":
Ecoa o vento nas grades
Durante uma garoa.
E sem qualquer alarde
Num bairro de Lisboa,
O tempo nos dissuade
De toda vida à toa.
Através da cidade,
A mente bem à proa,
Toda a realidade
Revela-se tão boa.
As famílias nos lares
E uma canção que entoa,
Por toda a eternidade,
Todo amor que perdoa.
Em um domingo à tarde
O silêncio ressoa:
"A família é verdade,
Como diz o Pessoa".
Ricardo Leão
Na Germina
> Poesia
Rogério Barbosa da Silva
Antissoneto natalino
Mudaria o Natal ou mudei eu?
Percute n'ouvido a melodia mesma
Embriagam os sentidos cor e luz
Sob emoção a estrela liberdade
Nas ruas a multidão muda olha
e suspira o sonho de inteireza.
Incordial nega o sofrer insano
e augura a felicidade dos midas
que em ouro forjam sua grande fortuna.
Enquanto contam carneirinhos, riem,
pois muge na bolsa o touro de ouro.
Lá fora, campeia a fome de ossos.
Contra a lei dura e cruel dos infames
reclamam os herdeiros das vacas magras.
Rogério Barbosa da Silva
Na Web
> Quem é.
Ronaldo Werneck
4 poemas
Natal Letal
sábado é natal
sábado é letal
morrenasce
nascemorre
amargamassado
neném
belémblémblém
baluarte do acaso
crucificado again
solo
sino
sono
quem comemora
a dor quem chora?
[Cataguases, 1967]
Velhos Natais
a Baden Powell
sim
não existem mais
sinos
meninos
os velhos ais
não
sim
não existem mais
sons
sonhos
sinos
címbalos
símbolos
sim
não existem mais
presentes
no passado
meninos
janelas abertas
na memória
velhas histórias
não
nós
nozes
velas
nós na garganta
velhas vozes
sim
não
— que adianta?
não existem mais
coisas que tais
hoje só
só sons
estranhos
martelando
a madrugada
ruídos rompendo
interrompendo
janelas fechadas
a manhã
presentes-ausentes
hoje só
pressentes
os sinos
sim
os sinos
não
os velhos ais
uais de nunca jamais
não
noites
não
nozes
não
vozes
veladas vozes
de outroragora
sambam soltas
entre as frestas
da janela
de nunca
jamais
entre as festas
de velhos
anelos
belos
tanto
tontos
natais
atônitos
Natal de Casanova
já em dezembro
natal de prova
me surpreendo
de casanova
ano que vai
vida que vem
vem me ver vai
olha que trem
sai daqui sai
belém-blém-blém
nada é igual
tudo renova
a vida pau
pra toda prova
Trem de Natal
tudo tem tudo trem
do ano que vai e vem
pra você: este brilho
viajor, andarilho
ano que vem e cai
agora: berço-embalo
tudo sim tudo claro
tudo que vem e vai
nada neste natal
nada nada fará
nada bem nada mal
nada ao tudo faltar
tudo improvisar
tudo novo janeiros
tudo ao deus dará
tudo de novo: ei-los
os dias sem estepe
um sambinha de breque
tudo salamaleques
do ronaldo werneck
[Cataguases, 2004]
Ronaldo Werneck
Na Germina
> Poesia
Rosani Abou Adal
Natal Remoto
Fraternidade solitária,
a mesa vazia de fragmentos natalinos.
Os sonhos transcendem o espírito humanitário.
O pedido do Papai Noel em espera
acalenta os sonhos e a fome.
Inúmeras entregas de brinquedos
com controle remoto, de robôs,
drones, tablets, androides, notebooks,
videogames e até de um Monopoly de ouro.
Por que seu presente nunca foi entregue?
Ficou na memória da sua imaginação.
Queria apenas uma galinha
para botar ovos todos os dias,
o alimento sagrado da sua família.
Pedido secundário:
Arroz, feijão e abobrinha.
Papai Noel de certo estava surdo e cego.
Jamais poderia ouvi-lo ou vê-lo
no Polo Norte.
A ceia natalina em farelos
devastando a fome,
alimentando seus sonhos anêmicos.
Rosani Abou Adal
Na Web
> Quem é.
Rubens Troll
Fique comigo neste Natal
em que na cidade estamos sós
os perus já vão se preparando
pra passarem por dentro de nós
eles sabem que natal pra quem tem asa
é fim de carreira ou porta pro outro mundo
muitos passam dentro da humanidade
mas sabedoria às vezes não vem com a idade
por isso Jesus não falhou
e veio pessoalmente
mostrar que somos mais que animais
por isso Jesus não falhou
como vocês pessoal
então porque viajar neste Natal
mas na rua em que moro hoje em dia
não dão pelotas para o Natal
não sabem que antes de ser um feriado
é o aniversário de um cara especial
fique comigo
neste natal
até Papai Noel voou pro litoral
fique comigo neste Natal
não vou chorar nem passar mal
passar mal eu já passei
esse ano que passou eu me encontrei
passar mal eu já passei
mas esse ano que acabou eu comecei
Rubens Troll
Na Web
> Quem é.
Samuel Marinho
Wish
É preciso reinventar a luz
Salgar a terra
Com o mar dos olhos
Ir em busca de uma cidadela perdida
No começo do mundo
Exercitar o espírito
Em uma sinagoga qualquer
É preciso ressuscitar
Desse azul que nos cega
Dessa asfixia emoldurada
Implacável com que os dias
E as suas estatísticas precisas
Nos condicionaram a contar os mortos
E os sonhos vencidos
É preciso ver nascer um novo filho
Fazer ressurgir a alegria
Celebrar de novo a vida
Com a chegada de uma estrela
No sorriso de uma menina
Como fazíamos de mãos dadas há séculos
Naquelas noites oníricas
Dos antigos natais
Samuel Marinho
Na Germina
> Poesia
Sidney Nicéas
O dia em que Papai Noel caiu do trenó no meio da rua
natal
meu pau
e meu pão?
Sidney Nicéas
Na Web
> Quem é.
Silvana Guimarães
2 poemas
banquete
a mesa posta
cerejas lichias
uvas castanhas
ameixas pão
o corpo morto
arvorado-devorado
vísceras-alvíssaras
em vinho & pernil
o estupor nos
fios de ovos
no arroz com
passas & nozes
nas asas fincadas
ao meu redor
esperando menino
não bateram à porta: abri
do lado de fora
três reis magros: cansados
procuram uma estrela
perderam a viagem
eu também procuro uma estrela
e ainda não perdi a esperança
é ela que há de anunciar
a chegada do deus que vai
enfim ressuscitar o mundo
então
nunca mais nenhum deus nascerá como homem
nunca mais homem nenhum morrerá como deus
Silvana Guimarães
Na Germina
> 7 Contos de Réus