Alex Simões
a mulher de Lot é um artista
a mim parecem o músico e o seu instrumento
uma condensação do que me faz a arte.
não é o que escuto ou vejo, mas a parte
que me toca é o ser no exato momento
pessoal e intransferível, não o sentimento
que emite quando toca um tema, mas o que arde,
queima mesmo, faz calo, dói e, sem alarde,
o que doeu no ensaio virou sedimento
porque não é mais um que toca o que é tocado,
que faz sublimação do suor: vapor al'Ado
a ponto de fundi-los em inversa osmose
num gesto ensimesmado e concentrado tal,
que o movimento esculpe uma estátua de sal.
Alex Simões
Na Germina
> Poesia 1
> Poesia 2
Alice Ruiz
Sem título
[Depois de ler Ana Akmátova, Wislawa Szymborska e Assionara Souza
no dia de sua partida: 21 de maio de 2018]
Não se sabe
o nome
da mulher de Lot
Mas sabemos
que
ao olhar para trás
estranhou
sua última lágrima
ser a mais salgada
de uma vida
Alice Ruiz
Na Germina
> Poesia [Haicais]
Carlos Barroso
sem título
pestilenta
esta carcaça
há de zanzar
mares
dissecando sal
pela essência
até a memória
olvidar
tua presença
Carlos Barroso
Na Germina
> Poesia
> Dezcarlos — Dez poemas roçando a perna de Drummond
> Amor 1000, Minas 300
Mariza Lourenço
Último Olhar
(à francesa)
Um último olhar e já não avistou a casa, o balanço quebrado, tampouco a copa das árvores.
À frente, somente a estrada e, atrás, todas as escolhas, feitas há tanto tempo e tão erradas. Um coração (que nem era o dela) batendo no ritmo monótono das aflições.
E um pecado não cometido.
Sempre ela, à frente. A estrada.
Ela e seu mistério, novo e desconhecido. Aquele vazio e aquela ausência: de antigos medos, de velhas dores.
Sequer uma lembrança, um cheiro, uma saudade, uma cor.
Nada. Nada que a fizesse, uma vez mais, olhar o que restara.
Mariza Lourenço
Na Germina
> Contos
Silvana Guimarães
a quimera
o baile a dança do fogo
o fogo de palha o mormaço
a sarça ardente: as asas
os olhos que anoiteceram:
quartzo rosa rosa dos ventos
era tanto ardor para tão pouca:
poesia trágica poesia
morria enquanto alguém
abria uma janela
o santo era de barro
o passado: incontornável
quando acordou
era uma estátua de sol
os passarinhos
alheios à maldade do mundo
profetizavam o dia novo
Silvana Guimarães
Na Germina
> Conto
junho, 2021