[Imagem original de Túlio Travaglia]
 

 

 

 
 

  

Pronto Socorro Maysa

 

 

Senhora dos Aflitos

tire os olhos dela

de dentro de mim.

 

 

(Hai-Kaixa, 1993)

 

 

 

 

 

 

Silvinha Telles

 

 

tenho em comum

com os sensatos

— o desespero

 

 

(1982, Radicais, 1985)

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Um amigo:

A metade de tudo

Mais o perigo

 

 

(Radicais, 1985)

 

 

 

 

 

 

Saudade # 565

 

 

Supercílio

quando sonha

não usa colírio.

 

 

(1994)

 

 

 

 

 

 

 

Solidão # 902

 

 

Aqui reside o revide

a saudade não divide

nossas roupas no cabide

 

 

(1995)

 

 

 

 

 

 

*

 

 

solidão: a chuva

só cai

em sua sombrinha

 

(Hai-kaixa, 1993)

 

 

 

 

 

 

*

 

 

eu poderia

mandar dizer pra ela

que eu estou com frio

morrendo d'amores

mas não,

diga apenas que eu

estou comendo uma

tampa de caneta por dia.

 

 

(1980, Radicais, 1985)

 

 

 

 

 

 

Presuntos

 

 

Sim, há bueiros sobre nossas cabeças

e cães ladram vadios no nosso intestino;

cometemos todo crime, somos heróis:

eis o que nos ensina a lei e o destino.

 

Aprendemos a matar desde menino,

no café da manhã, cortando o presunto;

seguimos, à tarde, seremos bons heróis,

que sabem saborear um bom defunto.

 

Saibamos manejar cifras, colt, palavras,

como um bom cidadão, sensato assassino;

assim, teremos bueiros sobre a cabeça

e vadios cães no nosso verde intestino.

 

Um bom herói se faz desde menino,

conhecendo suas leis e seu assunto,

passeando sobre a cidade, bom herói,

recebendo uma medalha por um defunto.

 

 

(Radicais, 1985)

 

 

 

 

 

 

 

Velhíssimo tempo

 

 

Viver é ganhar o resto

que sobra do fim da festa

a mudez depois do gesto

um aleph em cega fresta.

 

Viver é não ver o visto;

é perder, no chão, a pista;

é ser Jesus, sem ser Cristo;

é lutar, sem ter conquista.

 

Viver é ser vil arbusto;

é sofrer a pena injusta

de crer a todo custo.

 

Viver é nunca ter basta;

é morrer às próprias custas;

é guardar o que se gasta.

 

 

(Acre Ácido Azedo, 2008)

 

 

 

 

 

 

Apontamentos excluídos de um caderno de notas 1

 

 

a morte não é um acerto de contas;

a morte um dia na vida;

a morte não pune os que ficam;

a morte é apenas um inútil escombro;

 

a morte não é um desafio;

a morte é uma música de silêncios;

a morte não tem nada de especial;

a morte é uma chuva de verão;

 

a morte não faz do corpo novamente pó;

a morte é um carnaval sem alegoria;

a morte não é uma pele de luto;

 

a morte é uma lágrima doce;

a morte não é motivo de arrependimento;

a morte é um abismo de rosas.

 

 

(Acre Ácido Azedo, 2008)