©lucian freud
 

 

 

 
 

 

 

 

rabdomancias

 

 

apontem os rifles

dedos    em riste

falem      de Rilke

da transitoriedade da

vida

do

feto

componham rimas

em estruturas metálicas

esqueçam os chapéus

pendurados nas

esquinas

quando passar o leiteiro

deixe sempre leite como sempre

recolha a coalhada que fermentou de madrugada

matem a fome comendo Hot Dog

há sempre um cachorro frio

absolutamente vazio

vigiando

passos & postes

quando se dobra uma rua

uma mulher nua

desaparece na esquina

besteira esquecer

ou falar palavrão

a solução está no contraste

usar camisa lilás &

cuecas cor de mofo

rasgar o peito &

morrer como Isadora Duncan

enforcado na vida

nunca enforcar-se pela vida

deixar-se levar

pela revoada dos berimbaus

imaginar

se pombos seriam brancos

se corvos amarelos

se papagaios mudos &

de passagem surdos a

apelos

medo

anjos

rotas

mas absolutamente contaminados

pela náusea

pelo bater do coração na ponta dos dedos

ser simples

esperar que a vida empurre

a cadeira de rodas

ser complicado a verdade

complicar sem conspurcar

o jogo

saber

que a vida é uma praça

os mesmos personagens a enrolar fumo

e cuspir no pó

mas

nunca espalhar o segredo

& imaginar-se

em degredo

no cômodo dedal.

 

 

[anos 1970]

 

 

 

 

 

 

Pastamos almas como as cabras capim

o sole è mio; não há dúvida

eu sei tudo!

até desfolhar crisântemos de depois

e que a morte é para os tristes ventura

assim sendo e sempre

Por que perdi minha amada?

E por que Elvis Presley, bem agora,

cismou de cantar Are You Lonesome Tonight?

 

 

[7/11/76]

 

 

 

 

 

 

Locutor tão distinto...

diz

ratos & gatos

com o mesmo som.

sem que a voz lhe trema,

com leve inflexão,

descreve

o dilúvio, a fome, a erupção.

tiros tapas tupis & tapuias

tiras tapes to bes & lamúrias

saltam das cordas vocais

& ficam pairando

entre as sobrancelhas

& os dentes brancos

que dizem Boa Noite.

 

 

[20/5/76]

 

 

 

[Desenho de Guto Lacaz]

 

 

 

Verde andorinha dos meus dias normais

quando as libélulas lambem os lápizes das crianças

& os Zepelins gondoleiam

VIVA ADEMIR DA GUIA

que é bamba         durobamba

bambolê      foot-baller

hóspede com direito a voto no Olimpo

Olimpo meia do Palmeiras

verde & branco

Como     BUDA

nos dias de festa

 

 

[5/10/73]

 

 

 

 

 

 

RUGE             RUGE

COM TEU ROUGE

Ó LEÃO

REI DAS FERAS

TOUCADOR

DAS MAIS BELAS

OPERETAS

DO PASSÉ COMPOSÉ

DO TEU CORAÇÃO

AZUL DA COR DO PÃO

 

 

[1973]

 

 

 

 

 

 


Cerejeiras do anoitecer

Hoje também

Já é outrora.

 

Kobayashi Issa

Jaboticabas do amanhecer

Aqui meia-noite

Aí meio-dia.

 

[Roberto Bicelli, 2017]

 

 

 

 

 

 

SPLEEN

STRESS

 

 

 

 

 

 

oi, Deise Que Deu-se e Fodendo Fodeu-se:

pra esquecer

assombração

só trocando de

ilusão;

— sendo ilusionista —

transformar

dejà-vu

em

terra à vista.

navegar

em

porto seguro.

sofrer

em silêncio.

fingir de morto.

fazer das tripas

coração.

desdobrar

fibra por fibra

o rosário de lágrimas

da saudade.

(usar todo arsenal

da obviedade)

amar odiar amar

esquecer/lembrando/olvidando

um dia,

a imagem amada

será

fumaça,

silêncio,

poesia...

mais diria

— ó, Deise,

se

Preguiça

não me impedisse

de encher

linguiça.

 

 

[5/2009]

 

 

 

 

 

 

macucaymmico

 

 

manda-me

teus poemas

que eu

os

direi

meus

 

 

[2015]

 

 

 

 

 

 

prefiro

despercebido a

desapercebido.

gostava muito de clítores

(cume),

que virou clitóris

(adjacência):

na boca, acentos

criam rotas...

gosto de advogados

detesto adevogados

vale para psicólogos...

se-ca-men-te: bons.

aceito boins

se a repórter for bela.

nada contra floripes

fico com florisbela.

puta! please;

não digam meretriz.

ai, que preguiça!

se é fogo

que seja fogão

gosto de murcego

belos caninos em U...!

fora! morcegos,

cujo O

não morde ninguém.

se quero beber,

vou abastecer

se já bebi, bastici.

bêbado e bêbedo

ficam trêbados

juntos...

iiiiii !!!! ou xiiii !!!!???

rompam a patela

meu menisco permanecerá.

ânus e cu são sinônimos.

amorosos/libidinosos

dizem: cu-zi-nho!

amour vache

o lado animal

além

do bem e do mal.

xupar e chupar

igualmente permitidos:

nessas horas

tudo faz sentido.

este poema é

aberto

quem quiser continuar,

fale com roberto

ele mesmo:

um cê

e dois elles:

Bicelli

 

 

[2017]

 

 

 

 

[2019]

 

 

 

 

 

 

não sou mulher

delas — de quando em vez —

sou rei...

com a mesma desfacilidade

perco a majestade.

rei morto e sepultado.

 

rola no tsunami

os

óculos da avó

de oswald de andrade...

nesse never more

grasnará the raven:

"april is the cruelest month"

"pobrezinho" dirá vinicius

de meus ais...

 

"absinto-te só"

cantará naporano

 

"l'amour fou"

revelará willer

na alquimia da dor

 

"canastrão!" apontará

babenco.

 

"attento con la commare seca"

dirigirá marcelo fonseca

 

pessoa, esse sim,

saberá me consolar:

"se te queres matar..."

 

piva, amigo eterno,

lançará a pá de cal:

bicelli, consola-te

com as flores do mal...

 

não sou mulher

delas e por elas

certamente

morrerei.

 

 

[2017]

 

 

 

 

 

 

epitáfio

 

 

aqui jaz mim

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Roberto Bicelli é formado em Letras, com especialização em Literatura Brasileira e em Gestão Cultural. Exerceu o magistério de 1975 a 1984, quando começou seu trabalho de gestão cultural na Fundação Nacional de Artes (Funarte), onde foi coordenador adjunto ou interino em diversos períodos. Poeta, autor dos livros Antes que eu me esqueça, poesia. (São Paulo: Feira de Poesia, 1977/São Paulo: Editora Córrego, 2017, edição muiiito aumentada), O colecionador de palavras, romance juvenil (São Paulo: Contexto, 1987) e Ego Trip, diário de viagem. (São Paulo: Virgiliae, 2011). Literariamente, atuou, principalmente, como membro do grupo que tem profícuo diálogo com a Beat Generation e com o Surrealismo, constituído por Roberto Piva, Claudio Willer, Antonio Fernando de Franceschi, Décio Bar e outros. Essa experiência foi narrada pelas jornalistas Camila Hungria e Renata D'Elia no livro Os dentes da memória — Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e uma trajetória paulista de poesia (Rio de Janeiro: Azougue, 2011).