©raphaëlle martin
 
 
 
 
 
 
 
 

prólogo menor      

 

 

                            para W. J. e S.

 

 

mandar à merda

às favas, já mandei

tanta gente, tanta pessoa

burra ou chata já mandei se foder.

agora, vou deitar os botões da camisa

sob o travesseiro. boa noite.

 

 

 

 

 

 

"O grande romancista André Gide disse certa vez: cada coisa que possuo se torna opaca para mim". W. Benjamin

 

 

 

0

 

 

vide o vazio do vidro

: colossal e indolor

 

até que em corte nos separe.

 

 

 

 

 

 

1

 

 

ali aonde chegam os homens

as mulheres

as crianças

 

ali onde a mesa aposta numa frase boa

numa conversa longa

numa prosa só

 

por um momento ouça:

vide o vazio

onde a cegueira se perde de

vista

 

numa infame

bruma

 

nebular.

 

 

 

 

 

 

2

 

 

vide o vazio e todo o seu aspecto

de nuvem

de frio.

 

o vazio da nuvem

incomoda

os olhos.

 

o vazio

da nuvem vazia

corta os olhos

como o frio

corta o

interstício.

 

 

 

 

 

 

3

 

 

resiliência carrega

em si o

vazio

 

de todas as outras palavras

ao esmo

 

resistência

carrega

em si o vazio

 

como qualquer outra palavra

preenchida de palavra.

 

eu não vivi para ver o tanto se contrapunham

pelos ombros opostos

 

logo eu:

porquinho-da-índia recheado

ao molho burjoá.

 

 

 

 

 

 

4

 

 

é assim a vida — vide o seu vazio

que às vezes se enche de merda.

 

vide o vazio, disse

esperando que setembro devorasse

outubro.

vide o vazio, pensou

pra sustentar a fala

quando a chuva inundava os corações

(pudera comovidos por novelas).

vide o vazio

com seu aspecto

ocioso. onde pode

um homem ser

e se sentir homem

 

onde pode uma mulher

deixar o tempo tocar

as histórias sussurradas

em seus ouvidos pra

serem esquecidas.

 

vide o vazio

e seu aspecto

de penúria e saudade.

no vazio

 

pode

 

fica

 

 

esvai.

 

 

 

 

 

 

5

 

 

veja a vã vaidade

 

: ante tudo isso

lhe resta o silêncio de tola

ironia

 

 

 

 

 

 

6

 

 

além disso, uma coleção casual pode definir

— e se isso define alguém —

 

o q todo mundo sabe.

 

 

 

 

 

 

7

 

 

esta camada não te mostra

o insensato

 

da dúvida. não venha

com bobagens e mentiras

programadas.

ó captain my captain, nossa

tenebrosa viagem

não acabou.

 

um pouco

de espaço

de folga

brio nos olhos

quando lhe refletir

o vazio avistado.

 

 

vide o vazio e seu palco de associações livres pelas tabelas

 

como aquela noite em que pegou seus cães pela madrugada

e resolveu soltar sua merda cidade adentro.

 

 

[do livro menas, no prelo]

 

 

junho, 2019

 

 

miguel jubé é natural de Goiânia (1987). Concentra seus estudos em poesia luso-brasileira, estética e processos editoriais integrados à impressão. É doutor em Estudos literários (UFG) e editor pela martelo casa editorial. É autor de poemas de minimemórias (Porto: Calendário de Letras, 2015/Goiânia: Caminhos, 2015) e eugênio obliterado (Editora da UFG, 2017). Ganhou o Prêmio Literário AICL Açorianidade (2014) e o Troféu Goyazes Leodegária de Jesus (2018).

 

Mais miguel jubé na Germina

> Poesia