Antes de tudo ou antes de nada, antes, quero deixar dito que o que escrevo aqui não é crítica literária, não é artigo, não é resenha, não é ensaio. É um cisco, um risco, uma ciscada. Escrevo aqui uma espécie de recepção de poesia que foi lida, que foi lidada a partir de Fragma (Edição do Caos, 2007) e de Pedra Habitada (Age, 2002). E se inverto a ordem cronológica das referências, suas datas, é para justamente deixar expressa a arbitrariedade de minha leitura.

Um dia, me perguntaram: qual o motor de sua poesia? Não sabendo responder, disse: o olho, o olhar e tudo que por entre eles, olho e olhar, entra e sai. E tudo que por meio deles sai.

Passados muitos anos, muitos olhos, muitos olhares, muitas coisas vistas, guardadas, re-guardadas, re-olhadas, leio dois livros de Cândido Rolim, a quem nunca vi pessoalmente, que apenas conheço virtualmente, pelo cyber space e por intermédio de Ronald Augusto, que conhecia apenas virtualmente, mas outro dia o conheci pessoalmente.

Entretanto, não são de virtualidades, de pessoalidades que trato aqui. O que escrevo hoje, aqui, é o fio de olho, o fio de tempo, o aforisma e sobre a poesia enxuta, pensada, pensante que faz o leitor pensar, que faz o leitor olhar, de Cândido pedra e fragma, fragmento.

Fragma é composto, como livro, de ditos agudos, espécies de epifonemas, de aforismas, sentenças, cuja característica é a da poesia em chave breve, da brevitas antiga. Olho que vê, franja que se abre. É retina, olhar. Às vezes raridade, às vezes fechada, pois de olhos fechados, com olhos da alma, olhos incorpóreos. Outras vezes poliótico, poesia multifacetada. Não foi vista, não se viu, se quer vista, pois cheia de pálpebras. Outras vezes ainda é cega, pois fala da cegueira, e de fabricação, de fábrica, de fabrico. Tem ironia fina como finas as pestanas, os cílios a cada virada de página.

Reconhece o leitor, à página 77 o motor de Fragma no fragmento "nem tudo chega inteiro ao visível". Tentativa explicitada da captação que não capta, pela impossibilidade mesma de seu pressuposto, de seu rosto, de seu olho.

Se escolhi as palavras acima para dizer sobre Fragma, escolhi, pois as retirei do livro. Elas estão lá, como olho, olhar, retina, vista. E só dar uma olhada que se verá que estão e se repetem sistêmicas, sistemáticas, mas também misturadas, recompostas, rearranjadas. Nas páginas, enquanto lia, pensava e grafava exclamações quando a luz era intensa e o olhar cegava.

Pedra Habitada é pedra breve, passageira, também de caráter lacunar, elíptico, eclipsado. Vai na chave brevitas da linguagem como Fragma, porém menos pontiaguda, menos aguda, menos alfinetada, pois redonda em forma de poemas curtos, com estrofes ou desprovidos de estrofes. Nessa pedra, Cândido Rolim não abandona o olho, o olhar, nem a pálpebra, nem a luz, nem a imagem, mas do olho às vezes vertem lágrimas, saem águas, gotas, chuvas, trovões. É poesia mais do olho do que da imagem propriamente. Está em paisagem, na janela, no entrar e sair da luz.

Se escolhi as palavras acima para dizer sobre Pedra Habitada, escolhi, pois as retirei do livro. Elas estão lá, como olho, olhar, pálpebra, luz, lágrima, água, gota, trovão. É só dar uma olhada que se verá que estão e se repetem sistêmicas, sistemáticas, mas também misturadas, recompostas, rearranjadas. Nas páginas viradas enquanto lia as via. Sobre elas pensava, exclamava, deixando minhas marcas. Talvez por isso tenha chamado essa breve recepção da poesia de Cândido Rolim de Fragma e de Pedra Habitada de Exclamações e Sublinhados. Também, e sobretudo, por pensar ser essa poesia sublinhada.

Penso que minha resposta sobre o motor de minha poesia, embora dita de modo quase impensado, faz sentido. Se trouxe para cá a tal resposta foi porque tenho a convicção de que o que move a poesia de Cândido dos dois livros lidos por mim é algo muito caro a mim, muito semelhante, muito homólogo, de muita afinidade. O motor, tanto de Fragma quanto de Pedra Habitada, é o olho, o olhar e tudo que por entre eles, olho e olhar, entra e sai. E tudo que por meio deles, olho e olhar, sai para pensar-se.

 

 

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Os livros: Cândido Rolim. Pedra Habitada. Porto Alegre: AGE, 2002, 110 págs.

Cândido Rolim. Fragma. Fortaleza: Edição do Caos, 2007, 84 págs.

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setembro, 2015

 

 

 

Eduardo Sinkevisque. Poeta, ensaísta, professor de literatura brasileira (literatura colonial). Doutor em Letras: literatura brasileira pela FFLCH/USP. Escreve o blog menos: blogmenos.tumblr.com.

 

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