Com Clenira, sua esposa

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Ikebana

 

Para Clenira

 

 

O pequeno ikebana sobre a mesa

tem olhos. São os teus olhos.

Não apenas olhos: um livro aberto

a mostrar-me suas páginas não lidas,

apenas sentidas.

Fala-me da suavidade da beleza,

sem precisar de inútil erudição.

Aponta o equilíbrio, a harmônica

disposição, tão simples e tão distante

de tantos olhos que não vêem.

O pequeno ikebana sobre a mesa

olha-me — e eu o olho à feição

de olhar o amor, com olhos claros.

 

 

 

 

Recebendo o trofeu Tiokô 2009 (concedido aos destaques do ano) do presidente da UBE, Edival Lourenço

 

 

 

Lição de Francês

 

Le régiment était en bataille

Sur le talus du chemin de fer:

oh, se me lembro, era pequeno,

e je n'avais pas a consciência

da beleza de certas línguas.

E dona Elza me ensinava fazer

a liaison correta.

Meus olhos perdulários, rápidos,

ligavam-se às coxas redondas

da professora e eu inventava

mil posições d'enjambements.

 

 

 

 

Na Bienal 2009, em Goiás, com Herbert Franco Vêncio, Carlos Nejar,

Brasigóis Felício, Luiz de Aquino, Elza Nejar e Aidenor Aires.

 

 

 

A Rimbaud

 

Um barco perdido

— e bêbado.

 

A liturgia do mar:

seguir o desrumo

da rosa-dos-ventos.

 

Verdes ilhas:

uma ânsia

dentro de nós.

 

Ignotos rumos

na (der)rota dos mares

: ir-se com as ondas.

 

Há pesados ventos

ocultos nos portos

: ser bom timoneiro.

 

(Poesia: meros efeitos

de causas a ponderar.

Uma causa a cada tempo)

 

No céu vermelho

o poeta

inventa pássaros.

 

 

 

 

 

 

Sou um homem rico, sim, Silvana. Sou o primeiro filho de uma prole de 13. Vivi até os 11 anos no meio rural. Desde então, estive fora da família, para estudar, morando em casas de "estranhos". Quando meus pais foram para a cidade, eu fui para Belo Horizonte, onde estive durante 12 anos, e fiz o meu curso. Em 1940, eu "ouvia a guerra" pelo rádio (à bateria, cheio de ruídos adventícios), e sabia dos acontecimentos principalmente pelo Repórter Esso e pelo Estadão, que nos chegava com quase uma semana de atraso (eta, tempo!). Nem podia imaginar que 60 anos depois, viria a conhecer a figura extraordinária deste cidadão chamado Iosif Landau [clique aqui e leia], tão rico de memória e de vivência que, naquele ano, sofria em Londres os bombardeios nazistas. Nem poderia imaginar também que poderia partilhar com vocês todos essas coisas! Para mim, isso significa a maior riqueza que um homem pode ter. Infelizmente, a maior parte fica guardada no fundo da memória, e vai com a gente quando chegar a hora. (...) Não vi a maioria dos meus irmãos crescerem. Tenho um irmão, médico também, que encontrei depois de 20 anos, ele já formado. Hoje, fazemos anualmente, no mês de julho, uma reunião de todos, com suas respectivas famílias e comemoramos durante três dias, ora em Goiânia, ora em Brasilia — pois quase todos moram nestas cidades, embora alguns estejam desgarrados em Belo Horizonte, Natal, Estados Unidos e Áustria. Fechamos um espaço, geralmente um hotel-fazenda, e haja o que conversar... as sete mulheres e os seis homens, com toda a descendência. Em 1999, fui o rei da festa. Comemoraram meus 70, com homenagens de todo tipo.  Mas o que quero dizer é que a minha vivência na roça, a minha ausência da família em toda a minha adolescência, deram-me uma experiência de vida que jamais eu teria de outra forma. Os meus anos na roça, trabalhando,  plantando, capinando, lidando com bois e vacas, nadando nos rios — e os meus anos afastado da família, convivendo com pessoas diferentes, de todo o tipo — deram-me toda a riqueza que hoje tenho, que é o meu acervo de memória, as minhas lembranças e a compreensão e a tolerância que tenho dos muitos fatos que ocorrem à nossa volta. E muitas dessas coisas estão implícitas na minha poesia. Aqui, sigo Rilke, que diz: "fale de sua infância". [Por e-mail enviado a Silvana Guimarães, em 2000]

 

 

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