Henri Matisse | Retrato de André Derain | Óleo S/Tela | 39,4x28,9 cm | 1905, Tate Gallery, Londres, Inglaterra

 

 
 
 
 
 

  

O modernismo é um estilo, observam os teóricos. Por extensão, no vasto uso do termo, uma visão de mundo. De outra maneira, na sua consolidação e efeitos, uma ação. Fenômeno de consciência e despertar de um projeto. E sua ação reiterada: modernidade. O moderno seria o novo, do baixo latim modernus, de modo, que significa de forma objetiva recente, agora, tempo presente. Este tempo presente, assume seu valor supremo: a novidade. Transformação (ainda que a modernidade — consequência direta do iluminismo e um "pé esquerdo no romantismo" — não tenha contemplado boa parcela da humanidade), triunfo e nova visão do mundo, em meio aos conflitos de uma dialética em movimento, influenciado pelo progresso técnico, as imagens da fotografia e o cinema, períodos de guerras e entre guerras, rompe com determinadas normas clássicas e seus recursos "absolutos" e absorve relações e pontos de vistas exteriores, deslocamentos "relativos" no tempo/espaço, forma/fundo. Observem que no cubismo a Teoria da Relatividade reflete o mesmo objeto sob vários aspectos e ângulos. A autonomia do objeto em prol do coletivo (é justamente este olhar do outro na sua pluralidade — sendo o artista o "canal" construtor — um dos caracteres, que rompe com o "olhar centrado" do Renascimento). A mobilidade do espaço moderno (principalmente, início do século XX) projetado não somente na superfície das artes, pois as relações sociais perante a história agregam mudanças de hábitos, comportamentos, estabelecendo uma outra lógica tempo/espaço no patamar da subjetividade, descontinuidade, cientificismo, progresso e um novo espírito vão se incorporando e contaminando todos os outros processos, cujo principal (nas artes plásticas/visuais) seria a predominância da representação sobre o real. O moderno na sua essência é a experimentação para negar não só o realismo/naturalismo e o academicismo, mas romper com a perspectiva, temas impostos da estrutura, movimento e ordem dos modelos visuais legados pela tradição; misturar, trocar de posição, (re)articular potencialidades e (re)alçar um tipo de visão pessoal em torno da realidade Advém destas constatações a distorção. 

"No âmbito da modernidade, a linguagem desempenha um papel especial. Confere nome, qualifica, quantifica, enfatiza, compreende, interpreta, reproduz e traduz o significado das realidades, prosaicas ou excepcionais, visíveis ou imaginárias, presentes, pretéritas ou futuras. Em todos os casos, a linguagem da modernidade supõe a representação, a mímesis, em termos que podem ser clássicos, românticos, realistas, naturalistas, simbolistas ou expressionistas. Mas sempre está em causa algum compromisso com a representação da realidade prosaica ou imaginária, em termos literários, científicos ou filosóficos" 1.

Octavio Ianni instiga a palavra central que remete à distorção: mímesis. Se você ler atentamente o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa observará que o recurso é bem antigo na elaboração de um discurso. Encontrará também o mais importante: "2 LIT recriação, na obra literária, da realidade, a partir dos preceitos platônicos, segundo os quais o artista, ao dar forma à matéria, imita o mundo das ideias [É na Poética, de Aristóteles, que encontra a primeira teorização acerca desse procedimento da arte; no entanto, para este filósofo, a mimese seria a imitação da vida interior dos homens, suas paixões, seu caráter, seu comportamente etc.]" 2. A imitação a partir de dentro, no choque com o mundo real, e a partir de um outro mundo (o das ideias) teremos um outro tipo de representação do real. Uma conexão com o real, "retratado" segundo uma linguagem e estilo pessoal. O artista parte do real, reelabora este real no mundo das ideias, e dialeticamente devolve a sua "impressão" criativa como um sintoma da própria realidade. Uma expressão. Logo, o oposto (a exatidão, que segue os padrões da experiência visual e natural das coisas, prima em primeiro grau do realismo) que modifica a tendência à exatidão, adulterando o real e suas formas regulares seria a distorção, uma espécie de resposta da composição visual, desviando a sua forma regular e reguladora da própria realidade, apontando que existe uma outra maneira (a partir do mundo das ideias e sensações) de ver, observar, criar e dar um outro sentido à realidade. Pode parecer primitivo, mas é moderno. Pode parece inconsciente, mas é moderno, Pode parecer absurdo, mas é moderno. Primitivo, inconsciente e aburdo: o diferencial é a intenção, o gesto, a ousadia, a montagem, a colagem, a costura, em prol da emancipação e da própria razão, alterando as condições; a costura, em prol da emancipação do ser e suas criações imaginárias, aprofundamento e ampliação dos sentidos na concepção de mundos e suas histórias. Imagem noturna no rair do dia. Ocidente sobre nuvens carregadas. Distorções de cânones em rotações, espaço da pregnância na evolução de movimentos artísticos à procura de conhecimentos compartilhados.

 

 

 

 

Referências

 

 

 

1 IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2000.

 

2 HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.

 

 

 

março, 2010

 

 

 

 

 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007), Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008) e Poemas que latem ao coração! (São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009).
 
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