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Dez
escritores mineiros de gerações diferentes, seis mulheres e
quatro homens, bailam em tramas que vão das delicadezas do
amor até a angústia existencial em compassos de inquietudes
diante dos mistérios da vida. Os 18 contos de Claro(e)scuro
(Organização de Eunice Dutra Galery e Ilka Valle de Carvalho.
Belo Horizonte: Editora Veredas & Cenários, Obras em
Dobras, Coleção Poieses Interlinguagens, 2009) assinalam
riqueza de estilos e linguagens. São textos originais, colchas
de retalhos, claros e escuros, luzes e sombras, com destaque
para a ficção "A Palavra", de Maria Magdalena Lana Gastelois
(falecida em 2008, ex-professora da UFMG e UFOP, doutora
em Literatura Francesa pela
Sorbonne, Paris, França). Um estranho passeio pela morte
anunciada, narrativa densa, intertextualidades e um trecho
expressivo: "'Alô, o que o médico disse hoje?'. 'Disse que
estou vivo'. 'Grande novidade, eu poderia dizer a mesma coisa,
não precisava pagar'. Ah, uma diferença linguística
desconcertante entre o uso de ser e estar. Ninguém nunca pôs
em questão sua característica bem marcante, você sempre foi um
sujeito vivo, muito vivo, de repente estar vivo é mais
definitivo do que ser, e, paradoxalmente, é por isso mesmo e
sempre um estado provisório sujeito a uma irreversível
ruptura. Como se para você continuar a ser um cara vivo não
precisasse mais estar vivo". Além de Maria Magdalena Lana
Gastelois, temos as presenças de Ana Maria de Almeida, Augusto
Galery, Eunice Dutra Galery, Ilka Valle de Carvalho, Nancy
Maria Mendes, Nina Melo Franco, Otávio Galery, Ronald Claver e
Vladimir Kotilevsky. Na apresentação do livro, Letícia Malard,
professora titular emérita de Literatura Brasileira da UFMG,
comenta a essência da antologia: "No caso dos temas: os
autores, em sua maioria, trabalham questões relacionadas à
presença e ao papel da mulher na sociedade, na família, do
passado remoto ao presente próximo — mulheres vivas
surpreendidas em seus flashes do cotidiano,
nos afazeres domésticos, no trânsito, na busca da beleza, nas
relações amorosas e no contato com pessoas queridas a caminho
da morte destas; mulher morrendo de morte natural ou ameaçada
pelo consumo de drogas; mulher morta afogada não se sabe como,
que toca fundo no coração de outra mulher. Não raro essa
temática confronta limites entre a realidade e o sonho ou o
pesadelo, a loucura e a sanidade, o normal e o absurdo, o
racional e o alucinatório".
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Belas
composições literárias para quem gosta de cachorros. Ou
melhor, para quem é apaixonado por eles! Uma proposta e
temática bem contemporânea, principalmente levando-se em conta
os aspectos da solidão urbana, na sua grande maioria
preenchida pela companhia dele, o cão. Muitos perambulam pelas
ruas ou são internados nos abrigos das Sociedades Protetoras
dos Animais. Decorre deste fato o caráter do projeto: um
movimento e tributo ao Canis lupus
familiares. Segundo o ex-senador americano George G. Vest:
"O mais altruísta dos amigos que um homem pode ter neste mundo
egoísta, aquele que nunca o abandona, que nunca mostra
ingratidão nem deslealdade". Em Poemas que latem ao
coração! (Organização de Ulisses Tavares e apresentação de
Luisa Mell. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009)
presenças marcantes de Olavo Bilac, José Paulo Paes, Astrid
Cabral, Carlos Nejar, Ricardo Corona, Luiz Roberto Guedes,
Glauco Mattoso, Domingos Pellegrini, Valéria Tarelho, Marcelo
Tápia, Frederico Barbosa, Ricardo Mainieri, Ivan Santtanna,
Leila Míccolis, Jovino Machado, José Aloise Bahia, dentre
outros, totalizando 50 escritores na antologia. Coordenação
editorial (Nathália Lippi), Projeto gráfico (Humberto
D'Ambrosio e Adriana Ortiz) e fotografias (Agência Reuters,
Itockphotos e Dreamstime) colorida (na capa) e em preto e
branco (no miolo) de primeira qualidade. Um prato cheio para
os leitores de poesia e os que defendem a causa dos animais,
da paz, ecologia e a convivência fraterna entre as diferenças,
sejam de humanos ou animais. O livro tem a delicada e plena
certeza que, sem um cão, a vida seria um osso duro de roer!
Convém salientar que, a antologia também é destinada àqueles
que participam de campanhas e associações de adoção de cães
abandonados e contra os maus tratos aos animais. Outro fato
interessante é a presença do escritor parnasiano Olavo
Bilac — membro fundador da Academia Brasileira de Letras,
criou a cadeira 15, cujo patrono é Gonçalves Dias —,
participando com o imortal poema "Plutão", que, com certeza,
muitos recitaram na infância, adolescência ou juventude. Faz
parte da história e formação de qualquer poeta: "Negro, com os
olhos em brasa,/ Bom, fiel e brincalhão,/ Era a alegria da
casa/ o corajoso Plutão./ (...) Dormia durante o dia,/ Mas,
quando a noite chegava,/ Junto à porta se estendia,/ Montando
guarda ficava,/ Porém Carlinhos, rolando/ Com ele às tontas no
chão,/ Nunca saía chorando/ Mordido pelo Plutão...".
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"Quem
lê
Euclides da Cunha, desde o primeiro momento
vê que há dois Brasis: um inclemente, e outro das
inclemências". As palavras de Antonio Houaiss são de uma
atualidade medonha, aplicáveis para caracterizar vários
setores, instituições, fundações, etc. e comportamentos
pessoais e públicos da vida nacional. Quem se interessa pela
história e pelos rumos da cultura brasileira têm que ler este
debate com alguns dos mais brilhantes estudiosos da obra de
Euclides da Cunha e da Guerra de Canudos, presentes em Euclidianos e Conselheiristas: um
quarteto de notáveis (Organização de Walnice Nogueira
Galvão. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009). O livro
não deixa de ser também uma homenagem, pois todos os quatro
estão falecidos, e se apresentam numa transcrição da célebre
mesa-redonda reunida na Editora Ática em 1986, em São
Paulo, com a participação de Antonio Houaiss,
Franklin de Oliveira, José Calasans e Oswaldo Galotti. Também
as presenças importantes dos debatedores José Carlos
Garbuglio, Valentim Facioli e Walnice Nogueira Galvão. Uma
mesa rica e polêmica, na qual é fundamental ressaltar duas
opiniões essenciais, impressões sobre a complexidade do beato
Antonio Conselheiro e do escritor e repórter jornalístico
Euclides da Cunha. José Calasans: "À margem da Igreja. A
Igreja deu-lhe apoio antes que os proprietários se lançassem
contra ele, e foi a própria Igreja quem deflagrou o processo.
Um ou outro padre o apoiava, mas a Igreja se julgava
prejudicada. Avalio o Conselheiro como uma grande figura de
líder da comunidade sertaneja: um homem que construiu três
cidades — uma foi destruída —, mais duas dezenas de
igrejas, açudes e cemitérios. Eu costumo dizer que ele foi a
SUDENE do sertão brasileiro (risadas), no século passado, que
fazia uma diferença para os sertanejos (todo mundo fala
junto). A minha opinião, independente dessa minha atitude
de... conselheirista, é esta". Na outra ponta, Oswaldo Galotti
dá a sua versão sobre a opinião que Euclides da Cunha tinha
sobre Antonio Conselheiro: "... Homem singular. Extraordinário
senso moral deprimido. Ditador humilde. (...) Gnóstico bronco.
(...). Neurótico vulgar. Um doido. Psicose progressiva. Franco
delírio sistematizado. Paranóico em fase persecutória". Este
livro é outro grande lançamento de 2009, que merece uma
leitura atenta e singular. Imperdível! Que ajuda e muito, a
compreender, algumas passagens malditas sobre o que foi a
carnificina chamada
Canudos. | |
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Após
o notável estudo do poema fescenino "O Elixir do Pajé",
de Bernardo Guimarães (1825-1884) e o magnífico
Matéria Bruta, no qual "a carne é
reticente; a noite cega", o poeta mineiro retoma os
ritmos, sonoridades e metáforas contrastantes no
complexo Per
Augusto & Machina (Romério Rômulo. São
Paulo: Editora Altana, 2009). Uma poética
implacável, como bem observa Maria da Conceição
Paranhos. Um diálogo fecundo com a obra de Augusto dos
Anjos. Tumulto, razão, emoção e revoadas de um pulmão
amargo, vazado pela solidão e a tormenta de uma carne
trêmula entubada pela máquina do tempo. Amálgama de
versos soltos e solenes, restaurando a dignidade no
pensamento e verbo que se faz tecido, pautado em
recorrências temáticas — extensões do corpo
físico — como a morte, solidão, vida,
transformação, loucura, terra, nuvens, noites, desfiando
as fibras do vento e o pulsar do sangue em cada veia.
Interessante notar no novo livro de Romério Rômulo a
recorrência em relação à questão do corpo e da noite,
haja vista que tais temáticas também são exploradas com
apurada sensibilidade no livro anterior, Matéria
Bruta. Faz sentido delirarem no reino de
thanathos: "a noite trêfega, dura, me apavora./ meu sono
é manhã adjacente./ são osso minha clave de delírio,/
meu corpo marginal, incendiado.// falo noite e ruptura,
quero andrajos/ de palavras que quietem a voz/ do vento
apregoado do deserto/ de uma voz que, outra, me apavora.
(noite e ruptura)". Um processo imagético pleno de
sabedoria na ação e conhecimento, restaurando o corpo, o
corpo da poesia. Maria Conceição Paranhos reluz a
interpretação mais visível e límpida da obra: "Uma aguda
consciência do tempo percorre todo o livro. A despeito
do inevitável, do precário, da morte, enfim, não há
recuo. Ao contrário, a palavra poética se arremessa
contra as paredes do tempo, conferindo-lhes o sentido de
que carece. O nonsense é escavado e restaurado em agudo
confronto com cada aresta do viver. Tudo, então, é
denso. Não de uma densidade turva, bem pelo contrário,
na perseguição de uma opacidade em que a experiência do
existir se mostre em plena
luz". | | |
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Você
já parou para pensar na relação das garrafas pets com
o mercado americano? O refluxo no Brasil foi às tubaínas
(refrigerantes populares), que começaram a usar as pets,
barateando o preço final do produto. Isso tornou-se uma pedra
no sapato dos lucros da Coca-Cola, não só aqui, também pelo
mundo afora. Essa informação e muito mais encontramos
em A
Tribo do Mouse: histórias,
dicas e truques do mundo corporativo (João Paulo
Reginatto, Juarez Poletto Junior e Ulisses Ponticelli Giorgi.
Porto Alegre: Editora Fábrica de Livros, 2009), um conjunto de
crônicas bem humoradas e surpreendentes. Nada de formalismos e
formulismos, pelo contrário, pois a editora publica o livro
com duas capas distintas, deixando para o leitor a escolha que
mais lhe agrada. Um fato audacioso! A tribo formada por Jack,
Reggie e Zambol usa uma linguagem bem coloquial, semelhante as
que observamos na internet. O referencial é o cotidiano das
empresas, relatados com ironias em situações e comportamentos
inusitados nos locais de trabalho. O trio divide a obra em
três partes: "Quem somos", "O que nos move" e "Para onde
vamos". Três "fusos horários" diferentes, com direito a um
presente da editora ao final do livro, poema de Bruna Lombardi
(INPUT - THROUGHPUT - OUTPUT/ cibernose). Em "Quem somos",
temos histórias de escritório e testemunhos que levam ao
autoconhecimento como projeto ético. O foco muda em "O que nos
move". A pergunta essencial dessa seção gira em torno do
seguinte: o que nos faz levantar pela manhã? O trio limita o
escopo da pergunta ao mundo corporativo, o horário comercial
das 8h às 18h e suas consequências básicas. Finalmente, no
último capítulo "Para onde vamos", a reflexão gira em torno de
tentativas e mudanças. Mudanças de mentalidades, direções e
sentidos sobre a maneira de viver e valorizar o trabalho. Já
que o livro é fruto de um blogue, não é um livro de auto-ajuda
(pode ter certeza disso), a Tribo do Mouse deixa o seguinte
recado: "Ser nerd é: 1) Conseguir falar sobre
qualquer assunto. Sendo nerd, você lê muito e tem muita
facilidade em discutir qualquer tópico que seja. Afinal, nerd
tem inteligência acima da média, senão não seria nerd, seria
somente esquisito; 2) Adorar Lost, ainda que
saiba que iria morrer de tédio na ilha, sem um notebook com
internet rápida e 3) Ser a única pessoa segurando um livro, na
beira da Praia do Rosa, em Santa Catarina". | |
dezembro,
2009
José Aloise Bahia
(Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e
colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em
Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo
(UNI-BH). Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte:
Anomelivros, 2004). Participa da antologia O achamento de
Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo
Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e
outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas,
2007), Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o
Texto, FALE/UFMG, 2008) e Poemas que latem ao coração!
(São Paulo: Editora Nova Alexandria,
2009).
Mais José
Aloise Bahia em Germina
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