©alva bernadine
 
 
 
 
 
 
 

O QUE HÁ NO TEMPO

 

 

o que há no tempo, 

que se expressa 

no teu movimento?

 

na forma que reage 

às coisas que vê,

no jeito se mover?

 

é a tua calma

ou a tua alma

 

o que me convida

a caminhar contigo,

se resistir ao ritmo

frenético da vida?

 

o que carregará 

teu nome e o meu

será nascido

do amor tranquilo

 

 

 

 

 

QUANDO ESTOU EM TI

 

 

quando estou em ti
somos um só:
alma e poesia
querendo calma
e afazia

e a vida é sonho,
e o amor é o real

o mundo dorme

e só nós acordados.

e amor não faz contas
nem tem mistério
mata a espera
é só aqui e agora

volto a ti


meu destino
é o teu coração

meu país,
o teu corpo

minha sorte,
o teu olhar.

 

 

 

 

 

DENTRO DE MIM NASCEU HÁ DIAS UM ANIMAL

 

 

dentro de mim nasceu há dias um animal

alimenta-se dos meus pensamentos e cresce

 

engole a palavra que eu guardei

para a mulher que vive no meu futuro

 

ele sacia sua gula comendo a palavra

que a ela eu direi sob céu do silêncio

 

o animal me faz esbanjar as horas

folheando calendários, relógios de corda

 

quer devorar o tempo que demora

para sair do peito quando for a hora

 

 

 

 

 

AOS MEUS OLHOS PERTENCE A CIDADE

 

 

aos meus olhos pertence a cidade

que nos acolheu, 

que nos viu caminhar de mãos dadas

falando do amor depois do amor

 

a cidade me ensinou a ser 

o homem pra te amar com a força do mar

e não há força maior que o mar

 

esta cidade conta as horas pra eu te rever,

mas ela sabe o quanto estamos juntos

atravessando a janela da pele dos dias

 

 

 

 

 

É COMO ESTAR DENTRO DE TI

QUANDO TE PENSO

 

 

Meu corpo é uma pira

Queimando lenha e tiras

Uma chama gira

 

Vibração e desarmonia

Flor do dia, fúcsia fantasia

 

Violetas, rosa magenta

Silêncio e alumbramento

 

aaaahhhh

 

 

 

 

 

O SONO COMPARTILHADO

 

 

não sou mais eu 
— digo à mulher que desejo — 
me transformei na vontade
de querer amanhecer com ela

vem ficar em silêncio comigo?
— digo à mulher que desejo — 
descansaremos das palavras

o desejo se nutre no olhar

sem tentar nominar

o que nenhuma palavra

poderia descrever

o que a vida faz valer

 

e as palavras são tão generalizadas

 

 

 

 

 

DIA A DIA, VENCEMOS PALAVRAS


dia a dia, vencemos palavras

e inventamos a nossa duração

 

dia a dia, inventamos 

o nascimento do amor

 

o acaso é a nossa condição

o tempo nos agarrou pela mão

 

nos fez rir, chorar... aguardamos 

o tempo sempre foi um ladrão

 

mas um dia a poesia nos levou de trem

e descemos na mesma estação

 

 

 

 

 

O DESEJO NÃO É FEITO DE PALAVRAS


o desejo tem língua própria

língua que é açoite

lambendo orelha
e sem uma só palavra
escuta outro desejo

o desejo sabe esperar

numa sala de estar
numa mesa ou num sofá

quem sabe até

sob o céu de Marabá
de tanto desejar 
não pode evitar

o gritar que sai do olhar 
e se ouve um não, 
deixa fingir o coração
chama para caminhar 
sentir o vento

em noites da sexta-feira
como se fosse a mão da felicidade 

nos tocando nossa face
e ainda que não compreenda
o coração adivinha:

não podia ser de outro jeito: 
o desejo é a cor

que eu não conhecia

 

 

 

 

 

CRIEI CONTIGO UM DIA PURO

 

 

criei contigo

um dia puro

com o vento repetindo 

as ondas do mar 

do nosso desejo

florindo falas

e não era escura a noite

nem era mudo o dia

era só poesia

na maré da alma

era olhar e calma

era verde o dia,

ver-te,

o que eu queria

 

 

 

 

 

A CIDADE 

 

 

a cidade 

ouve a minha prece

 

o céu adormece

o sol me esquece

 

te penso

só você me aquece

 

 

 

 

 

 

ONDEAR MINHA MÃO NAS TUAS COSTAS

 

 

ondear minha mão nas tuas costas
no maramor do teu pescoço
e nos teus seios-mel : brancos lua-cheia

no ritmo da maré dos teus ais

o aroma doce dos teus mais e mais 

e ais

 

te guardo feito talismã

nua e bela nas manhãs

no fundo do peito, protegida do tempo

ou do frio do sofrimento

 

 

janeiro, 2018

 

 

 

Vanderley Mendonça é poeta, tradutor e editor dos Selos Demônio Negro e Edith. Traduziu, entre outros livros, Poesia Vista, antologia bilíngue do poeta catalão Joan Brossa (Ateliê, 2005); Crimes Exemplares, de Max Aub (Amauta, 2003); Nunca aos Domingos, de Francisco Hinojosa (Amauta, 2005) e Greguerías, de Ramón Gómez de La Serna (Selo Demônio Negro, 2010). É autor do livro Iluminuras (Patuá. 2013).

 

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