DA LONJURA DOS DIAS

 

 

vida, ela pediu,

ele deu-lhe a

lonjura de dias

 

e ela concedeu-lhe

o desejo do coração

e não lhe negou

a súplica dos lábios

 

e rogando

a majestade do leito

o fogo do olhar

e a demora do gozo

 

o tempo lhes permitiu

muitas manhãs

nascentes e rios

e fontes e travessias

 

e era ímã a vontade

e era o sangue deles

o mesmo nas veias

de dois corpos

e não houve palavra

no adeus nem duração

capaz de memória

o amor demora

a se transformar

em nada.

 

 

 

 

 

A PEQUENA PLANTA DA SALA DE ESTAR

 

 

a pequena planta da sala de estar resistiu.

renascida no seu verde mudo,

me diz que o destino veloz

não roubará mais a luz das horas.

a pequena planta da sala de estar renasceu,

seu silêncio ergue folhas à lua.

o seu verde mudo me diz

que só revive quem sabe morrer.

a pequena planta da sala de estar revive.

é de luz noturna que se alimentará

e seu verde sólido será monumento

a um instante vivido no silêncio do olhar.

a pequena planta da sala de estar cresce

e me desafia a responder se,

depois do tempo dos segredos,

ainda resistirá à fome da memória.

 

 

 

 

 

A ÚLTIMA BALA NO TAMBOR

 

 

                   (para Vladimir Maiakovski)

 

 

O que há num nome?

Há uma letra.

A letra era ele e era eu

Um V um M

 

 

O que há num canto?

Um instante.

E nunca é o bastante

O resto do viver

 

 

O que é um gatilho?

Uma virgula.

E o dedo do poema

apontando uma estrela

 

O que há na dor?

Há um amor.

E uma dádiva,

A vida ser ofício

 

 

 

 

 

E SE NEM MAIS UMA LETRA LIDA

 

 

e se nem mais a poesia

puder entrar na tua vida

 

e minha voz não mais ouvida

ou nem a minha letra lida,

 

se aos poucos eu desaparecer,

invisível ao olhar que não me vê,

 

e meu peito pulsar uma verdade:

o que em nós rejeita a felicidade?

 

à distância, intenção ou medo,

o adeus que chegou tão cedo.

 

o caminho ao coração é estreito,

o amor é encontro e gesto feito.

 

 

 

 

 

PRECE PARA MINHA IRMÃ DOR

 

 

minha jovem irmã dor

igual ao sonho me tornaste

 

oh, meu velho pai coração

invisível de Deus me deixaste

 

mãe, que te chamo morte

só o teu passo me deste

 

meu querido irmão chamado amor

da felicidade me fizeste inocente

 

 

[poemas inéditos]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Vanderley Mendonça é editor dos Selo Demônio Negro e Edtih, jornalista, tradutor e lecionou Editoração na ECA-USP. Designer gráfico e especialista em cores formado no RIT - Rochester Institut of Technology, Rochester, EUA. Traduziu, entre outros livros, Poesia Vista, antologia bilíngue do poeta catalão Joan Brossa (Amauta/Ateliê, 2005), Crimes Exemplares, de Max Aub (Amauta, 2003), Nunca aos Domingos, de Francisco Hinojosa (Amauta, 2005) e Greguerías, de Ramón Gómez de La Serna (Selo Demônio Negro, 2010). É autor do livro Iluminuras, 2013.