©sylwia bartyzel
 
 
 
 
 
 
 

barrigas famintas

 

 

na estrada do corpo

tem uma casa

guarda fiações

e sentimentos

quando o terremoto

alcançar-me

alguém inventará com palavras

pontes

aquilo que aos olhos do sol

será húmus

alimentado

barrigas famintas de árvores

 

 

 

 

 

 

novo destino

 

 

o abismo não se dissipa

a cólera mata tristonhas rosas

um céu diz notícia

de um pássaro defunto na gaiola

quem disse alguma coisa

hoje já não tem no corpo

hospedaria

sequer um dente na boca

 

ei abismo

que me tranca no infinito

inescapável lugar do nada

um cometa me atinge sozinho

eu aqui em minha imaginação

em devoção ao pergaminho

com um palito de fósforo

acendo um novo destino

 

 

 

 

 

 

punhado de ossos

 

 

estou parado diante do guarda-roupa 
das artes, letras e ciências
a respiração se faz mecânica
um punhado de ossos
em sua casa grande
indaga a si mesmo
e zomba da possibilidade
da cútis preta
engendrar gênios
fora do perímetro
do carnaval, futebol e samba

 

 

 

 

 

 

 

despensa

 

 

que graça ver
a sua beleza dançarina
ver os teus passos apressados
furando fronteiras provisórias
feitas por esculturas anímicas

imaginei 
do anoitecer-ao-raiar-do-sol
a sua voz
alimentando com grãos 
uma revoada lânguida 
de pássaros místicos

estava absorto
ao ouvir a sua flauta compor com os lírios
inundando de primavera
a parte em mim
antes recheada de vazios

 

 

 

 

 

 

canteiro

 

 

com a lua rindo

no cosmo do meu coração

sinto um leviatã emergindo na lagoa

grande terror e lapso

invadem a mão trêmula

a agente postal

em tarde etílica

não despacha

para os domicílios terráqueos

a flor-telegrama

plantada no canteiro da imaginação

 

 

 

 

 

 

itinerário completo

 

 

o carrinho de madeira

sem rugas

assiste o itinerário completo

de todo um álbum de família

 

 

 

 

 

 

abanar

 

 

abanar o incêndio diário

o gosto

pelo infinito

iluminado pela visão

de voar

nas asas de um louva-a-deus

 

 

 

 

 

 

nelsonrodriguianos

 

 

estou diante

da beleza fardada

os meus olhos

nelsonrodriguianos

despi a cada passo

de cima a baixo

a luxúria oculta

na antessala

dos teus olhos

 

 

 

 

 

 

termômetro

 

 

colidir em seu esponjoso corpo

até que em ti

um sapo-boi nasça

sangrar de branco

as suas fendas

em grau excelso

que o termômetro

rompa o teto

de tanta febre

 

 

 

 

 

 

peso oval

 

 

mal começou o dia

já estou exausto

o lombo carrega

um peso oval

pareço arriar

os dias gotejam

na pele como ácido

dói demais assistir

a  minha dramaturgia

há uma vontade intempestiva

de dormir

em outras camas

outros mundos

talvez-certo granjeie

um chão-dormitório

de ateus e místicos

lá do alto

as garças

riem como hienas

diante de deus

 

 

 

 

 

 

estranha fugacidade

 

 

bilhões de anos

escorrem da natureza

se eu com ela compito

o meu desproporcional

tempo de pilha

será fração ou fagulha

 

 

 

 

 

 

carpem diem

 

 

entrar no céu de corpo inteiro

sem canonizar o olhar erótico

que mesmo biblicamente sabatinado

enxerga a sedução da minissaia

com a precisão de um binóculo

 

sucinto descrevo, meu deus,

a minha desfiliação do paraíso

 

 

dezembro, 2017

 

 

Jean Narciso Bispo Moura nasceu em 31 de outubro de 1980. Poeta, professor, natural de São Félix/BA, reside atualmente em Suzano/SP. Estreou em livro no início dos anos 2000, com o título A lupa e a sensibilidade. Também é autor de 75 ossos para um esqueleto poético (2005), Excursão incógnita (2008), Memórias secas de um aqualouco e outros poemas (2011) e Psicologia do efêmero (2013). Tem poemas publicados em revistas e sites literários como Mallarmargens, Blecaute, Antonio Miranda, Canal Subversa, Blog do Noblat, Revista Cinosargo (Chile), Palavras que me tocam (Portugal), Antología Latinoamericana Un Canto a Iberoamérica (Chile), entre outros.

 

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