Victor Horta | Escadaria de ferro forjado para a residência Tassel | Bruxelas | Bélgica | 1893

 

 
 
 
 

  

A sinuosidade é um recurso visual que desencadeia múltiplas conexões. Pode ditar o ritmo em distinções dinâmicas e estabelecer a complexidade nas partes e/ou no todo. É sofisticada. Pois permite sutilezas na difusão das formas e uma pretensa diluição das imagens. Ou complementa-se por um tipo de olhar que resgata aspectos e singularidades. Tem um parentesco muito grande com a distorção. Valoriza, promove e agrega na pregnância da forma desvios no olhar, rompendo ou repetindo, intercambiadas por uma leitura um pouco mais exigente na observação, decorrência em sua maioria das vezes pelo contraste e a ousadia estética. A sinuosidade é um desafio: o brilho da representação imaginária e no discurso de um campo em expansão é "o lugar ambíguo onde a continuidade da natureza, arruinada, mas insistente, se reunia à continuidade vazia, mas atenta, da consciência. De sorte que não teria sido possível falar, não teria havido lugar para o menor nome, se no fundo das coisas, antes de toda representação, a natureza não tivesse sido contínua1". De maneira que no caminho da história da arte, confrontando com o final da citação de Michel Foucault, interroga saber os vários caminhos, bifurcações, cursos e dobras, rodeios e contestações sejam de ações que evocam e ao mesmo tempo estabelecem certos valores e autonomias, nos quais se "trata da semelhança, da força da imaginação, da natureza e da natureza humana, do valor das idéias gerais e abstratas, em suma das relações entre a percepção da similitude e a validade do conceito2".

Novamente é a realidade o seu princípio vulcânico de liberdade, quebrando linhas, perfazendo subjetividades para dar sentidos e redefinir as operações das linguagens. Subversão criativa do seu conteúdo, estabelecendo outro tipo de realidade: a imaginária. No seu encalço, as ideias. "A passagem da arte 'pré-moderna' para a modernista, se concordamos com Greenberg, foi a passagem das características miméticas para as não miméticas da pintura. (...) Ela é marcada por uma ascensão a um novo nível de consciência, que se reflete na pintura como um tipo de descontinuidade, quase como se enfatizasse que a representação mimética se tornou menos importante do que algum tipo de reflexão sobre os meios e métodos de representação3". Interessante não se lembrar nesse instante da sinuosidade barroca da forma, num contexto de industrialização desenfreada da época moderna agregando construções artísticas repleta de curvas, mosaicos e arabescos (Gustav Klimt  dialogar muito bem com estas linguagens), desenhando um panorama e passagens no cotidiano, como observaremos no exemplo adiante na arquitetura interna de Victor Horta. Estampando, numa extensão das palavras de Danto, sobre os novos meios e métodos de representações contaminadas. 

E seu efeito na modernidade relativiza a própria linha reta. Distância entre dois pontos distintos no plano e espaço. Pode-se chegar ao destino de maneira reta sem dobras (geométrica, se é que boa parte de artistas contemporâneos pretendem chegar a algum lugar). Ao mesmo tempo, o caminho para se chegar a este destino (é variável a concepção da obra de arte), como vimos anteriormente pode ser pela distorção (também pelo seu contrário, a exatidão), mas o homem criativo (no caso, o artista moderno) pode também desviar a rota e optar por alguns trânsitos e expedientes que interagem com outros na confecção e estrutura visual. Formar ângulos e quebras diferentes. Sinuosidades. Os traçados a partir da modernidade são diversos no espaço moderno. "As soluções visuais devem ser regidas pela postura e pelos significados pretendidos, através do estilo pessoal e cultural. Devemos, finalmente, considerar o meio em si, cujo caráter e cujas limitações regem os métodos de solução4". O processo é complexo. Não um obstáculo na interação realidade/abstrato/simbólico, mas uma necessidade de aprendizado de como criar/interpretar visualmente as ideias.  

Além da noção de estilo, estratégia e de agenda, a modernidade, como observa Danto, também "é uma reversão a alguma forma antiga de arte." A reversão ligada ao espaço à volta, ações e relações dos indivíduos com o mundo (interno e externo). Dimensão de fenômenos conscientes e inconscientes, versões e aparências, como podemos observar na escadaria de ferro forjado para a residência Tassel, de Victor Horta, imagem acima, uma obra bastante representativa da Art Nouveau. Movimento, cuja ênfase está na linha, seja ela ondulante ou reta, tratada de modo ousado, definindo a forma unificadora, progressista. O interessante nesta composição artística de Victor Horta é que percebemos a sinuosidade floreada e tensionada por diálogos estabelecidos no questionamento e tentativa da eliminação de uma suposta idéia do decorativo como princípio fundamental da composição. Na parte interna de uma residência, fruto da liberdade que o artista teve para levar adiante o seu projeto, também temos um diálogo com os dois tipos de luzes: a natural e a artificial (elétrica), sobressaindo uma interatividade dinâmica dos dois espaços (o interno e externo, pois se observa do alto da escadaria com degraus tortuosos uma luz diferente, realçando os contrastes das formas e dando ritmo ao movimento das curvas). Uma passagem fluída, com detalhes em ferro forjado no corrimão (não deixando de ser um design de interior), demonstrando a exuberância em ladrilhos (mosaico). Uma complexidade de formas muito rica numa superfície predominantemente curva. 

 

 

 

 

Referências

 

 

1 FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma Arqueologia das Ciências Humanas. Trad. Salma Tannus Muchail. 8.ed. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1999.

 

2 Idem.

 

3 DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: a Arte Contemporânea e os Limites da História. Trad. Saulo Krieger. 1.ed. São Paulo: Edusp e Odysseus Editora, 2006.

 

4 DONIS, A. Dondis. Sintaxe da Linguagem Visual. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes Editora, 2007.

 

 

 

junho, 2010

 

 

 

 

 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007), Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008) e Poemas que latem ao coração! (São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009).
 
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