©ramon perez terrassa
 
 
 
 


 

O poema

 

 

depois de teadorar

              por um Bandeira intransitivo

 

encontrei 

              techamar

                         queruda

 

         predicativo passional

                        de vogais em desordem

 

possessivo

por tanto teler

                       Nerida

 

 

 

Razão

 

É com muita satisfação que aceitei o honroso convite para participar d'A Genética da Coisa.

 

Falar sobre o poema "neologismo comparado", escolhido entre os mais de 90 poemas de meu livro Partitura (Goiânia: Editora UCG, 2006), é uma raríssima oportunidade, uma vez que ele é o poema-eixo de Partitura.

 

Primeiramente, é preciso dizer que este poema foi especialmente escrito para o livro. Vamos entender o que significa isso, pois — a princípio — todos os poemas presentes em Partitura foram escritos para o livro. Ora, parece óbvio o que estou dizendo. Mas não.

 

Depois de definido o projeto do livro (cuja concepção teórica e organização da disposição dos poemas escolhidos são da Professora e Poeta Sylvia Helena Cyntrão, da UnB), alguns poemas foram escritos a partir da leitura do conjunto de poemas que foram pré-selecionados.

 

De uma forma bem resumida, partitura propositadamente tem seis partes, cada uma sendo um movimento de uma composição do jazz clássico, a saber: SOPRO, SEMEADURA, MANIFESTAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, INTEGRAÇÃO e RESSONÂNCIA. Cada parte (=movimento) agrupa poemas líricos com poemas concretos, em que o "improviso" do jazz aparece na contraposição entre os poemas, uns entrecortando outros, como são as variantes harmônicas em uma composição do jazz clássico.

 

No livro, escolhi para a epígrafe duas citações. Uma não bastava, pois a minha intenção era homenagear dois poetas que me influenciaram (e influenciam) bastante na minha trajetória poética: Manuel Bandeira e Pablo Neruda. Bandeira, pelo que representou com a sua lira para o Modernismo. Neruda, porque seus poemas de amor para a sua Matilde são de dar inveja na gente: se não bastassem os poemas, fico com inveja até da Matilde. "Inveja branca", que fique bem claro!

 

É assim a epígrafe de partitura:

 

"É por isto que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band."

Manuel Bandeira

 

"Falo de coisas que existem,Deus me livre de inventar coisas

quando estou cantando!"

Pablo Neruda

 

Então, eu precisava escrever um poema que fosse um diálogo especial com esses dois poetas, não só para homenageá-los (e agradecê-los), mas também para colocar a minha dose do que chamo de "despALavras", que são improvisos que busco-encontro por entre os versos, uma característica recorrente na redação de meus poemas.

 

Mas eu não fiquei apenas na homenagem aos dois poetas. Eu tinha que homenageá-los — sim! — mas escolhi homenagear a Sylvia, desde o título, pois ela é Professora de Literatura Comparada, na UnB. Daí o título: "neologismo comparado".

 

De todos os neologismos que já li, o que mais gosto é o verbo "teadorar" que Bandeira criou no célebre poema "Neologismo":

 

 

NEOLOGISMO
Manuel Bandeira



Beijo pouco, falo menos ainda.

Mas invento palavras

Que traduzem a ternura mais funda

E mais cotidiana.


Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.


Intransitivo:

Teadoro, Teodora.

 

 

Li muitos poemas escritos pela Sylvia. E ainda tenho o privilégio de lê-los, inéditos. Mas a maneira com que Sylvia "leu" os meus poemas (e os organizou e concebeu Partitura) foi uma "leitura" que me ensinou muito. Sylvia me ensinou a "sair de dentro da minha poesia". Foi ela quem me "conduziu" ao que chamamos de "distanciamento" (necessário, apesar de difícil execução) para que eu pudesse aprender a ler os próprios poemas como poemas e não somente com a poesia.

 

Aprendi muito com a Sylvia. E ainda aprendo muito, pois Sylvia representa um encontro vital para a minha trajetória poética, "com a poesia pelo meio" (como certa vez disse Affonso Romano, sobre o encontro poético entre mim e Sylvia).

 

Um encontro de vogais em desordem, que me propiciou tomar posse da própria poesia, que Sylvia me devolveu sob a forma do livro Partitura.

 

Voltando ao poema "neologismo comparado", em termos de estrutura de linguagem, parto do "teadorar" de Bandeira e vou me dando o direito de criar minhas "despALavras": o "techamar" e o "teler". Troco as vogais "i" de querida com "u" de Neruda e (des)construo, em improviso, as palavras "queruda" e "Nerida".

 

O poema "neologismo comparado" fecha o "movimento" INTEGRAÇÃO de Partitura. E, como todo o poema que encerra um movimento abre para o próximo (no caso, RESSONÂNCIA, o sexto e último movimento), "neologismo comparado" está ali para expressar que a "leitura" que Sylvia fez de meus poemas me INTEGRA e RESSOA dentro e fora de minha poesia.

 

Palavras não bastariam para eu agradecer à Sylvia. Tinha que ser através de um poema. E este poema tinha que ser o poema-eixo de Partitura.

 

Por isso que "neologismo comparado" foi especialmente escrito para o livro, depois que o livro estava pronto. Quase pronto. Pois ainda faltava "neologismo comparado".

 

Agora, convido-os a reler "neologismo comparado" com a coisa da genética e da gênese devidamente germinada.

 

março, 2010
 
 
 
 
AL-Chaer é a grafia correta do sobrenome árabe de Alberto Vilela Chaer. Mineiro, nascido em Uberlândia-MG, em 11 de agosto de 1963. Vive em Goiânia. Mestre em Engenharia Civil pela PUC-Rio, iniciou a carreira do Magistério no Ensino Superior na Universidade Católica de Goiás em 1989, onde ensina para os Cursos de Engenharia. Em 2000, recebeu do IBRACON (Instituto Brasileiro do Concreto) o "Prêmio Excelência", pela divulgação do Ensino de Engenharia do Brasil no exterior. Atua também como Projetista de Estruturas de Concreto Armado. Vários de seus poemas estão veiculados em diversas páginas da Internet e publicados nas antologias: Pacote poético (UBE-GO, 1984), Horizontes (São Paulo: Ed. PD-Literatura, 1999), InsPiração Erótica (Poemas Sensuais. Jundiaí: Ed. Literarte, 2000), A sensualidade da língua (São Paulo: Laser Press Comunicações, 2000; 1º Concurso de Poesias do site Poemas Azuis, em CD-ROM, Rio de Janeiro, 2000; Confraria do Porto do Escritor (UBE-GO, Goiânia: Editora Kelps, 2005). Seu livro partitura (poemas), foi editado pela Editora da Universidade Católica de Goiás, em 2006. Há algum tempo, estuda o movimento da "Poesia Visual" e tem realizado algumas incursões no campo das artes visuais, utilizando ferramentas computacionais para produzir seus poemas em meio digital. Escreve o blogue visu-AL-Chaer. Torcedor do Goiás. Pai da Laura.
 
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