andré hauck, 2008 | s/t| fotografia c-print | 125 x 125 cm

 
 
 
 
 

  

A modernidade mudou inegavelmente a maneira de perceber uma obra de arte. Perceber — o que era antes um efeito direto e sentido por um tipo de contemplação morna, mais as influências, discursos e intransigências das academias (também presente na atualidade) — é a própria condição da imperceptibilidade. Os opostos andam juntos. Há vários repertórios, técnicas e teorias, desde a psicanálise, passando pela semiologia, Gestalt, etc., que se interrelacionam numa leitura mais ampla, coabitando num mundo real e virtual. Porém os abalos ecoam em tentativas em suas correlações modernas e contemporâneas — amplitudes antenadas — que tentam dar conta do recado. Para não dizer o termo razão proposital, na explicação de tudo. Ou quase tudo. Tentam (e não estão errados, pois todos nós estamos tentamos interpretar, compreender pelos sentidos e a razão), pois a arte inegavelmente é sustentada por uma certeza: algo imprevisível e incerto. Nós e laços. O oxímoro das trevas: a certeza incerta. A escuridão da luz. O paradoxo se instala: talvez seja realmente necessário entendê-la sem dizer necessariamente como ela é. Pode ser! Há controvérsias!? Um espanto! Dois espantos! Eis a roldana em nossos olhos contemporâneos contaminados pelo(s) movimento(s), só não podemos dormir no(s) ponto(os). E perder o(s) bonde(s). Quem fica parado é poste...

A estrutura da obra visual como um todo é formada por partes intercambiáveis. Podem ser isoladas e observadas de maneira independente, para logo em seguida serem reunidas na sua totalidade. Donis A. Dondis, a partir da Gestalt, observa que "A utilização dos componentes visuais básicos como meio de conhecimento e compreensão tanto de categorias completas dos meios visuais quanto de obras individuais é um excelente método para explorar o sucesso potencial e consumado de sua expressão. (...) Para analisar e compreender a estrutura total de uma linguagem visual, é conveniente concentrar-se nos elementos visuais individuais, um por um, para um conhecimento mais aprofundado de suas qualidades específicas".

 Vários são os sentidos da palavra movimento. Em especial, como um  vetor/força vital na/da visualidade. Seja no cinema, na TV, nos móbiles de Calder, nas vitrines, nas roupas, nas capas de livros, cartazes, publicidade e outras manifestações artísticas em seus detalhes específicos. Como ressalta Donis A. Dondis: "A linguagem separa, nacionaliza; o visual unifica. A linguagem é complexa e difícil; o visual tem a velocidade da luz, e pode expressar instantaneamente um grande número de ideias". O movimento é um elemento básico para a compreensão da constituição de uma determinada linguagem. Por outro lado, num desdobramento/deslocamento da palavra, observamos também que ela remete a um grupo de pessoas que defendem determinadas ideias em comuns. Isso se aplica ao Construtivismo, Concretismo, Neoconcretismo, Surrealismo, (neo)Dadaísmo, Land Art, Arte Conceitual, Arte Cinética, Arte Povera, etc. Ou seja, essa diferenciação no campo das artes plásticas e visuais perfaz uma multiplicidade de ações, percepções e reações nas quais temos reflexos, diálogos e intertextualidades importantes, sendo a questão do movimento uma das variáveis fundamentais de todo o processo.

As pontuações apresentadas nos dois parágrafos anteriores são importantes, pois a química da obra de arte e o espectador, não esquecendo o criador, imploram significados. Afinal, todos perguntam o que o artista está querendo dizer com isso ou aquilo? O que este amarelo está fazendo aqui? E este urinol? Isso é arte!? Uns podem sussurrar: perguntem à Crítica Genética. Outros berram sem cessar, "não podemos esquecer a Teoria da Recepção". Várias mesclas de associações acrescentam valores à obra de arte, por extensão também às obras visuais, em seus deslocamentos no processo de significação. O olhar é a ponte da experiência estética. Faz (re)lembrar, necessário citar, o que José Saramago recolheu no Livro da Cartuxa (Livro dos Conselhos) e está estampado à entrada do belo Ensaio Sobre a Cegueira: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". 

As evidências são muitas na constituição do conhecimento. Vamos dizer que ao reparar uma obra de arte, o espectador desloca aquilo que alguns chamam de sensibilidade. Com certeza, em ligação direta com a experiência de vida e o próprio pensamento. Logo, temos não só o movimento do criador na modernidade. Observamos também na percepção do espectador outro tipo de deslocamento/movimento: a imaginação.

Numa divagação das palavras de Jorge Luis Borges, é como se fosse uma leitura a partir de um criador e na sua constante consequência, teríamos invenções de outras leituras. Leitura seminal, retroalimentação positiva, dinâmica que se constrói e instala num discurso sobre o trabalho de um criador. Não que o discurso cria a obra, ele ecoa numa linha não reta, mas curva no tempo e espaço. Pois, também é contaminado por interlocuções. Sustenta a fruição, algum problema ou terreno minado por tensões. Temos que aprender a partir da obra, já sentenciava Hegel, no espírito que tudo duvida, por isso ele existe, cogita. A autonomia da obra de arte na modernidade parece dizer que a imaterialidade é que se desloca/movimenta nas leituras, espantos e estranhamentos. A imaterialidade é a imaginação.

Torna-se necessário na(s) contemporaneidade(s) um exercício estético de dúvida em relação à(s) imagem(ens) imersa(s) numa Sociedade do Espetáculo — Guy Debord já colocou essa questão há tempos. A qualidade da imagem passa a ser a exigência de um olhar que pensa. Que pensa de maneira mais vagarosa e lúcida em meio à contramão da velocidade estonteante e tecnológica, acompanhada de alguma experiência de vida e informações das mais variadas fontes (interessante, aviva à memória a Fonte de Duchamp). Talvez daí — nessa era de incertezas — desponte uma luz, para relacionar as informações adquiridas (por parte do espectador), como critérios de avaliações estéticas. Logo, a questão é uma escolha. E escolha lembra a palavra ética, haja vista que nada é fechado, tudo está em aberto. Porém vale insistir — e refletir pessoalmente — na epígrafe que José Saramago utiliza no seu Ensaio Sobre a Cegueira. A arte é uma transgressão, alternativa na qual a imaginação é que realiza realmente os saltos/deslocamentos/movimentos necessários e que impulsiona todo o processo histórico. O meu, o seu, da comunidade real e natural, da internet, do país, do mundo e do universo que estamos (re)começando a ver, (re)parando.

 

 

 

 

dezembro, 2009

 

 

 

 

 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007), Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008) e Poemas que latem ao coração! (São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009).
 
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