Pintura

Me faço
traço
Nanquim
na tua tela
Ponto, elipse,
paralela
Me disfarço
esfera
no trapézio
do papel
Danço
losango absurdo
na horizontal
triângulo essencial
ao teu pincel
Me dissolvo
caravela
em águas
de aquarela.

 

 


Retorno

Amar-te —
inquietação estranha:
visgo, aranha.
Revolveu-me tanto:
enguia, cabra, cobra.
Revirou-me entranhas
ao te receber
(alto calibre;
pimenta, gengibre)
sôfrega e nua,
virada pra lua.

 

 


Ballerina

Na tela,
a sombra da bailarina:
galho dobrado ao vento
destino de gueixa
castigada sapatilha.
E purpurina.

 

 


*

Mais te amava
sem saber que me deixavas.
Rompeu-me a alma em sustos.
(Até tu, Brutus?!)

 

 


*

Amou-me como um deus
amei-o como louca.
Paixão barroca!

 

 

 

Penélope

Espero.
Tal Penélope
teço a teia
de suspiro e saudade
em ponto meia.
Às noites de lua
entremeio
fios de paixão
brilhos de prazer
bordados em canção
eu, toda nua,
vestindo tua mão.
Pronto o manto
envolvo de encanto
loucos sonhos na cama,
a trama de quem ama.
Tal Penélope
na noite sem lua
sem teus passos na rua
desmancho, desfaço,
meus pontos, teu laço.
A solidão, não meço.
Amanhã, recomeço.

 

 


*

encrespam-se
as madeixas do lago:
pente de vento!


na vasta folhagem
reflexo do sol.
manga madura!

 

Brisa inusitada!
Entre céu e mar azuis
borboleta amarela.

 

Pescador solitário.
No barco de peixes
mar de gaivotas

 

 

Exótico 

Ele gostava de deixar entre as páginas de seus livros e cadernos pequenas flores, folhas diferentes e até insetos que, desidratados pelo tempo, tornavam-se exóticas lembranças coloridas.

Atormentado pela saudade do amor desfeito, pegou a imagem dela em seu coração e colocou-a entre as folhas de seu missal poético.

Tempos mais tarde, ao reler seu poema predileto, virou a página e descobriu-a. Uma imagem sulcada por finas rugas, amarelada na poeira do tempo e que, apenas, exalou um perfume sutil como um suspiro de anjo. Era uma lembrança desidratada pela dor de se sobreviver à ela.

 

 


Diagnóstico

Não conseguia olhar abaixo de seu queixo. Mantinha-o sempre levantado. E tal problema causava-lhe outros, pois não podia relacionar-se com qualquer um, apenas com os mais altos que ele.

E tanto ouviu falar de si que cedeu às censuras e submeteu-se a exames e radiografias. No resultado, não deu outra: tinha um rei na barriga.

 

 


Equilibrista

A malha colante no corpo esguio era azul celeste. A corda de prata, bem esticada, bem no alto de uma torre à outra, dava um ligeiro risco no céu.

Pé ante pé, como bailarino das estrelas, ele caminhava na vida por um fio. Os braços fortes levando a longa haste-da-fé como diáfanas asas que o faziam pairar ali.

E no ondular suave da corda, no vai e vem, de repente, um balanço inesperado — o povo aqui embaixo, narizes levantados, suspirou um contido OH! — ele estremeceu forte. E, meio desequilibrado, caiu em si.

 

 


Pingos nos ii

Tão econômica quanto ele. Escreveu-lhe nas entrelinhas e ele leu-a em meias palavras. Bastaram-se.

 

 


Negócios

Abrira uma fábrica de beijos com grande sucesso. Eram beijos de despedida, beijos de amor, beijinhos doces, e até beijos roubados (muito procurados). Mas a queda de seu império começou assim que, ambicionando maiores lucros, lançou no mercado o primeiro beijo-de-Judas.

 

 

Tânia Diniz (Belo Horizonte-MG).  Poeta, contista, editora, promotora cultural, professora, editora-fundadora do mural poético Mulheres Emergentes, publicação trimestral de circulação internacional, em 1989. Publicou O mágico de nós (Contos, 1988/2ª ed., 1989), Rituais (Contos, 1997). Mulher EmBalada (Poemas, 1992), Bashô em nós (Poemas, co-autoria/1996), Relato de viagem à marmelada (Poemas, 1997), Flor do quiabo (Poemas, 2001). Tem trabalhos publicados em diversas antologias, revistas e jornais nacionais e estrangeiros. Recebeu vários prêmios em concursos literários no Brasil e exterior.

 

(imagens ©littlemine)