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quietação
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©jiddu saldanha |
não precisamos de muita coisa
não precisamos
de muita coisa |
Soledade
Santos é portuguesa. Nasceu numa pequena vila rural
da Beira Alta, onde passou a infância. Aos dezessete anos foi
para Lisboa, cursar Letras, e aí viveu vários anos. Agora
mora no concelho de Alcobaça, onde é professora. Foi publicada
na colectânea Quatro Poetas da Net, Editora Sete Sílabas,
2002. Escreve o blogue Nocturno
com Gatos. |
celebração
O
outono chega e a lentidão
da luz caindo é água lustral
sarando dos olhos da boca
os clarões acerados do verão.
Também os corvos regressaram
enchendo de gritos as tardes
e o esparso pinhal minado de eucaliptos.
Amo nos corvos esta persistência
em celebrar os ciclos do tempo
em afirmar a luz sombria das asas
e a estridência da voz. Ei-los que voam
e nos auges reflectem
relâmpagos negros.
Vagueio longe
apesar dos corvos
ou por causa deles não sei
pois cada pássaro que passa é ponte também.
E houve em tempos
outro pinhal
e nele crianças que riam alto julgando
desenhar no bafo branco da sua respiração
um círculo perfeito ou uma linha
recta sem fim. De todas as tardes da minha vida
escolho essa. Esse pinhal essa luz transvessa
esse frio essa ilusão de perenidade
esse palpitar sem indagações
de um mesmo sangue. Escolho
celebrá-la hoje e antes que de mim deserte
como tudo o mais — quando o outono começa
e os corvos são velas.
grounding
A estrada conduz-me a esta bacia,
o ponto mais baixo da geografia
que abraçam as encostas da serra.
Daqui partem rotas de ascensão
aridez onde inscrevi
carvalhos e rios imaginários,
falsificação de outra natureza.
Mas hoje não subo aos cumes.
Sento-me à beira da lagoa
no cheiro doce que o vento empurra
e toco a água com os dedos.
Gesto que é só esse gesto,
não a renda melancólica
de querer estar em outro sítio.
Pois o que há de melhor no mundo
do que estar aqui e ter cabelos
e um vento que os ensarilha
soprando sobre eles?
último poema aos sobreiros
Quando é tudo o que resta a calidez do tronco
onde nenhum par de namorados
deixou gravados os sinais
do fulgor suposto eterno, e a folhagem
acesa de pardais ao sol de inverno —
chamam por nós os sobreiros.
Que estrangeiras árvores
puderam lançar raízes no meu olhar.