(Excertos de um longo poema)
Anjo maldito
Estou aqui de corpo aberto
Para as suas libações.

Não trago bagagem.
A hora não tarda.
Junto à procissão de postes
E cadáveres que freqüentam o azul do céu
E debaixo do eclipse vegetal de suas asas
Que se inclinam sobre essa lâmpada de fogo
Confesso em silêncio:

— Eu te louvo.

O que quer de mim?
O que te alimenta?
O que se anima sob os trapos de pele
Que farfalham ao vento sobre os seus ossos risonhos?
Quem nos roubou o Paraíso
Fincado no início da vida e do mundo?
Quem deu todas as formas do mito e da realidade a um único dono?

Homens parindo insetos de vidro
Dançam na massa fria dos teus olhos de ouro.

O que te contenta?
Quer que eu resgate o tempo perdido
Que já amarelece nos teus ovos podres
A barriga cheia de bichos
Disputando a luz da lua que declina
Lentamente nesse precipício?

Quer ainda
Esse coração que bate fora do corpo e do tempo
Escorado em paredes lavradas de fetos mortos
Esse coração que bate e bate e faz girar a grande rosa-dos-ventos
Do moinho que irriga as têmporas de sangue
Quando tudo não passar de lenda?



Aves giram ao redor da sua cabeça
E você não se sabe nessa gaiola
Onde o vento vibra e a alma à mingua vive presa
E se deixa hipnotizar pela última hora que estala no relógio.

Você cruza a ponte
E vai e vem e volta ao ponto zero da memória
Sem achar com o que entreter as pernas trêmulas
Sem achar com o que dar aos olhos
Um pouco de álcool narcótico ou esperança
Que a livre desse ponto estático
Que a faça caminhar para trás para frente
Que a livre dessa gravitação de lado a lado.
Você está só sob o sol tropical
As roupas balançam sobre um edifício
Enquanto anda entre crianças decapitadas
Na faixa de Gaza com cabeças dentro de potes.

E por mais que você ande ande ande
Circulando pela cidade deserta
Como a eletricidade pelos fios da navalha pela cidade deserta
Andando sobre homens abatidos em pleno vôo e aves que explodem
Em nuvens de chumbo sobre o mosteiro do centro

Ainda assim seus pés não compreenderão
O que a Terra quer com o segredo virgem que traz dentro de si
O que a grama expele por onde passem seus pés
O que guarda a flor do sexo das meninas.

Você está em Paris ou em Tel Aviv.
Você está em um café sujo de São Petesburgo.
Você acompanha a prosa triste do jornal
O sorriso lento de piche que ele esboça
E a procissão infinita de anúncios à beira da pista
Que canalizam o vento do meridiano.
E tudo isso não importa.
Você está dentro de um vagão de trem
Rumo à História dentro do tempo você ruma
À deriva dentro da roupa cozida por uma anônima
Ou pelas mãos da sua mãe morta
A cara túrgida cerâmica cheia de coriza
Você está em Nova York
Cortando a espessura de carbono de uma manhã patética
Sobre sapatos ígneos línguas de cães a seus pés

Você passeia entre garçonetes e especuladores
Oráculos de lata tagarelando bífedes
Balbuciam a língua do décimo círculo
Perdem a pele descamam o rosto
Desabrocham de seus casulos de músculos
Voam e vão serpentes túmidas e lustrosas
Disputar seu pedaço de céu com o Simorg.

Você está entre crianças negras decepadas
Alargando o passo para evitar as esferas que rolam e rolam.

E a cesta de ameixas persiste despejada sob seus pés.
Única lembrança que Deus quer que você tenha.
Porque por mais que você tente reter
Essa fonte de um jardim de primavera com os lábios
Que abre em vão a romã das coxas para o encaixe
Ela escapa ela foge ela reage ela é variada e sempre outra
Sempre firme em seu movimento auricular
Sempre idêntica à marcha das libélulas
E o oposto das engrenagens mais suaves
Que a mão se incumbe em transformar com o tempo
Em opressão esquecimento ou liberdade.

Em uma esquina do Rio de Janeiro
Vendendo seu sexo por uma ninharia
Para alemães de óculos sem melanina
Para japoneses em fila indiana
Que empunham máquinas fotográficas
Para homens de ações e bolsas invisíveis
Que cospem na ponta dos dedos pra te lubrificar mais rápido

Em um mangue do Nordeste
Em um recife de palafita da periferia
Em uma casa que cai que rui
Vagarosamente pende suas pátinas podres de cal
Sob o peso da mão de uma criança
Sob o peso da lei da gravidade

Você assiste aos últimos acontecimentos
Trilhos deslocados carros que voam
Precipício abaixo emulando flamingos e dromedários
Você se vende para essas crianças
Ai essas crianças tão frias e tão tristes
Ai essas crianças tão bruscas e tão brutas
Que se bronzeiam com fezes ao meio-dia
E sob o sol a pino correm o canivete nas pétalas da sua vagina.

Perdemos o melhor da vida entre os livros
E a inutilidade do amor que se quer maduro.
Chafarizes ridículos cospem de alegria
Em uma praça vazia no interior do mundo
Revoada de cinzas circundam a mulher grávida
Daquele ser que gravita no interior de um corpo
Daquele ser que existe no interior do mundo
Daquele corpo que resiste à revelia de tudo.

Foi assim que o mundo nasceu, Ahura Mazda?
Foi assim que o mundo nasceu, Zoroastro?
Foi assim que o mundo nasceu, Orpheus?

Em Budapeste Turim Milão Johannesburgo
Estátuas se extinguem em vão em suas chamas flácidas.
Os homens guerreiam mas para eles a guerra não diz nada.
Cidades pilhadas Barcelona Roma São Paulo
Sob sua nuvem constante de edifícios desintegrados
E você vaga corta costura a noite ajeitando a saia.
Do que nos lembramos que ninguém o saiba.

Heliodoro, compêndio de deuses e bagatelas.
Dai-nos os seus auspícios.
Mudai nossa carne em nomes leves inscritos no silêncio de um papiro.
Livrai-nos logo do peso de viver sobre a Terra.



(...)



Janelas te observam, anônima.
Adejam Ícaros de chumbo sobre carros parados.
E você anda sem rumo
Catedral da Sé Chartres Santa Maria della Fiore
Flor da terra cúpula que emula o seio solitário da Virgem
Acusa o céu sob as mãos de Brunelleschi.
Rosas cantam vibram besouros
Encouraçados em nêsperas de ouro que caem dentro do seu vestido.

A terra túmida de filhos prematuros em seu ventre.
A terra cheia de cadáveres espalhados.
A morte que ceifa e ceifa sem dó que ceifa sempre prematuramente.

Os botões de rosa sorriem.
São bocas delicadas que sussurram
E falam a língua dos mortos.

Essas pessoas
Que sem qualquer disposição para o fracasso
Dilapidam seus bens compram apólices
E viajam sonâmbulas entre lustres pendurados na noite vazia
Com o dedo em riste exigindo respeito

Com cara de metileno
Asas pensas que cobrem metade da gravata
Essas pessoas que se prostram e que juram fidelidade
Em sua genuflexão diária
Diante da santa à porta da fábrica.

Pessoas magras
Pessoas de todas as cores e faturas
Pessoas de todos os sexos e idades
Pessoas soberbas e de sobrancelha espessa
Que tremeluz feito nuvem ou tatuagem ou borboleta
Sobre algumas miseráveis rugas

Pessoas altas
Pessoas altivas e impávidas
Guardiãs do que você tem confiado aos seus sonhos
E às suas horas inúteis no travesseiro.

Essa maneira suja de dizer amor.
Essa vontade de ser moderno
A qualquer custo e a qualquer preço e a todo momento
Flertando com músicas baratas de rádio
Ou importando idéias da École Normale.

Essa inclinação de ombros
Que lembra tanto os animais.

Essas pessoas
Que venceram tudo o que deixaram para trás.

Esse rastro.
Essas pegadas galvanizadas.
Esses passos sujos que conspurcam a aurora
Com a cilada das palavras que falseiam a própria pista.
Essa forma idiota de se vingar do mundo
E promover coquetéis para suicidas.

Essa nesga estúpida de inocência no olhar.
Essas pessoas que caminham indenes
Pelos porões da História deslizam feito estátuas de bronze impolutas
Cruzam as camadas de notícia que a manhã eclipsa.

Essa foto de revista.
Essa mulher nua que o lixeiro pisa.
Essa maneira torpe de dizer bom-dia.
Esse hálito, Leitor, esse hálito.
Esses corpos de plástico que somem por trás de vidros.
Aquela infância congelada em fotos
todas muito velhas todas muito antigas
perdidas no fundo de alguma gaveta ou de algum paraíso.
Aquela parcela de você mesmo que você deixou embriagada em casa
para ganhar a rua com tudo o que tem direito.

Essa maneira de morrer sem dizer palavra.
Essa truculência que fala inglês.
Aquilo que o inverno deflorou
E que agora segue seu curso dentro das ruas cheias de olhos
Dentro de um único instante do tempo em que você tocou
Algo semelhante à felicidade
Algo que lembre aquela parcela frágil do dia
E a consecução irresoluta do óbvio.

Essa forma mimeografada de acenar adeus.
Essa nicotina de roupas que você trouxe da sua cidade
Daquela sua cidade pacata e sempre muito triste
Esparramada sob o sol como um cão na praça
Aquela sua cidade pequena e ingrata
Onde um fazendeiro matou com trinta e cinco facadas
O coitado que o viu de tailler indo buscar um copo de água.

A grande metrópole.
A grande capital do Brasil.
O grande centro do mundo dentro da grande periferia do mundo.
E uma piada pra animar os fracos de corpo e de alma.
Mau gosto nas roupas batons borrados penduricalhos
Toda a sorte de tecnologia vinda da China
Suprime um pouco o nosso atraso
E alguém se pergunta calado onde fica a China.
Bolsa de valores.
Um preto vende abacates podres com o tornozelo enfiado no esgoto.
E você fala em civilização.
E você pensa na eternidade
Ouvindo o som manso da brisa
Que apaga o pensamento no tom cinza das caras
E ondula a folha da palmeira que a luz do sol divide e risca.

Esqueça.
Nada se fixa nessa terra miserável.
Tudo muda e tudo se renova e tudo cessa.
Sobre o Viaduto do Chá o dia vem e vai e passa.
Circuitos de fumaça te fisgam à beira da calçada
Subindo em direção ao céu
Compondo uma nuvem que se avoluma
Compondo uma nuvem que se adelgaça
Sobre o Viaduto do Chá a chuva vem e o dia volta
Inteiro e absoluto nas gotas que caem uma a uma.

Essa pressa.
Sempre a pressa.
Engastam à frente tornozelos de lata que estalam feito patas
Soam ferraduras e a porteira se abre estoura
Aos movimentos bruscos do corpo grande lustroso
E flácido do gado que marcha e leva o lenço ao rosto
Enfiando a banha pra dentro das calças.
Pressa pra levar o indicador à orelha.
Pressa pra levar a colher à boca.
Pressa pra apertar o botão do soro.
Pressa das formas ígneas de zinco
Que se desligam roçando nossas cabeças e o topo dos prédios
E tomam a cúpula vazia e rubra
A mesma que assistiu o início do mundo.
A mesma que cantou Homero.

Essas pessoas
Essa maneira violenta de não fazer nada
Esse sangue em greve nas veias
Essa luz
Essa lâmpada
Esse que agora escreve

Esse luar



Esse verme



(...)



Ninguém nunca pisou
Essa terra negra abafando o carvão sob a sola dos sapatos
Nem dormiu o sono circular de seus cães nem folheou o seu jornal diário.
Ninguém passou à beira dessas estradas de terra
Nem esse gado em rotações lentas
Pariu a luz rude de seus dias e o ouro de suas bacias.
Jamais alguém grafou nomes nas cascas de suas árvores.
Ninguém disparou a bala na boca da noite em fuga
Nem circundou suas águas turvas cheias de larvas.
Nem houve jamais uma abertura de pálpebras
Dentro de seus quartos sujos de cabeças baixas.
Ninguém desfraldou teu horizonte de magma
Nem perscrutou sua ciência e luz incidental sobre pedras pardas
Júpiter Amon ou Hermes tricéfalo com o revólver engatilhado em uma tocaia.
Nunca houve esse homem de espáduas curvas.
Nunca houve esse deambular de besouros de prata
Apagando a lâmpada de suas chagas.
Nunca esse quadril de bronze cheio de água.
Nunca essa muralha adusta de gravetos e faces que contemplam a lua parada.
Nunca esses pilares de trigo e esse boi no prato.
Nunca esse cavalo com a cabeça cravada na parede da sala.
E velhos descascando fumo entre soluços de asma.
Nunca seus filhos correram contra a brisa e se moveram no xadrez de suas casas.
Nunca o relâmpago azul descansou nessa acácia
Que geme entre esses lábios magros.
Ninguém nunca pisou suas garças ou vestiu suas sábanas de retalhos velhos
Adorou em um espelho seus deuses frescos e vasculares
Que nascem onde o cristal espalha suas sementes.
Ninguém arou seus campos.
Ninguém colheu os filhos redondos e molhados
Da vagina de suas fêmeas de boca aberta e olhar diáfano.
Nunca esse homem sobre os trilhos.
Nunca esse som de tiros e risos sem dentes.
Nunca ninguém pousou uma carícia sobre suas garrafas em forma de cisne
Nem meneou suas chaleiras pálidas no abismo.
Rio de esquecimento e página que o sol apaga e grifa.
Só o avesso de tua luz em ti palpita.


Quilha contra as ondas
.........Partimos antes mesmo do crepúsculo
Tingir de rubro braços e lemes e ancas.
.........A vela enfunada pela musculatura aérea
Do vento Noroeste em tom azul,
.........A espuma saltava ao carmim
Desse tecido de fibra delicada partido,
.........Rasgado qual flor de lótus
Entre minhas mãos. Tua imagem trêmula
.........Se esvai e se despe de ornamentos,
O corpo com os seus quadrantes de luz
.........Solar, os seios gêmeos emulam o equilíbrio
Da proa e peixes esboçam uma aquarela
.........Móvel sob as águas. Teus olhos
Azuis parecem naufragar nesse arquipélago
.........Vívido de carpas que rompem
A pele do mar, deixando ao longe o portal,
.........A enseada e o púbis ereto.
Do cais
.........Um aceno de mãos pensas nos transforma em cartão-postal.



(...)


Levamos frutas
........Uma progênie
Cestas de uva
........Esse espanto
De sermos apenas
........Um dos tantos instantes
Compostos no milagre
........De tudo o que há
Para os olhos e o tato
........E que está além deles.
Fósseis animados
........Música antiga
Esgrima de águas
........Como porcelanas rompidas
Muitas vidas numa vida
........No corpo a corpo das vagas
Ameixas no convés
........O segredo inexplicável
De descendermos dos mortos
........Sem no entanto tocá-los.
Sob a pele resumidos
........O poder de gerar
E condensar a todos
........Numa só vida
Como os tons reunidos
........No branco a espera
De serem libertos
........Os mortos que nos rondam
Que nos impregnam
........Cada gesto e estão na composição
Do corpo a murmurar
........Cada vida amigo
Cada vida que vem à luz
........É uma ressurreição.
Não há nascimento
........Só há renovação.

E o remo sulca a superfície
........Roxa do mar, e você escuta calada
A memória de todos os projetos a voz de todos
........Os mortos no eco de uma concha.

 

(...)



A
colcha do mar
..........E seus pigmentos.
Pro inferno com os sentimentos!
..........Todos! Beber veneno em odre
Aceso incrustado de topázios
..........E cristais incandescentes.
Expelir aromas e odores
..........A mil tipos de emanação
Do corpo putrefato render graças.
..........Queimar-nos com sarças
De fogo em oblações noturnas,
..........Dar-nos ao calor que inflama as velas
E atravessar as eras sem deixar marcas.
..........Muitas vidas se conjugam
Numa vida ainda que a mais mesquinha
..........E sórdida morada onde os deuses
Penhoram suas bagatelas
..........Com desprezo e soberba.
Todas as vidas passadas
..........Cabem no instante de vida presente.

Mas a morte tocou-lhe a planta dos pés
..........As raízes do tronco esguio numa contenda se moviam
Contra ela contra o tempo desmentindo o grão rito da semeadura
..........O seu sexo e a quilha contra as ondas vermelhas
A morte veio sorrateira calada em sua freqüência de pássaro
E guardou
.................Seu belo corpo de dançarina num telegrama.



(...)



N
uma corrente
. ......De brisas simultâneas e sem rumo
A folha se enovela e se deixa levar.

. ......Sigo teus passos
E pegadas pelo movimento auricular
. ......De luz e silêncio que pesam sobre ti.

Lembro-me que há
. ......No ser uma falta e um vazio
Para onde escoa e se confunde num rol
. ......De nuvens opacas o que não vivi.

Sei que adiante há outro
. ......Mar além deste que ora salta
Penedos e baixios.
. ......Ilhas a desvendar.

Avalio o que perdi.

 

(...)



E
mesmo assim vieste
Trazendo um ramo de camélias entre mãos vazias
E o olhar sustenido numa pocilga em direção ao Norte.
Vieste no murmúrio matutino das folhas dos pés
Descoladas uma a uma ao som metálico
Da brisa onde seu corpo se escorava.
Dardos de luz
No espelho das águas imóveis,
Velhos na calçada retardando a morte
Com as peças de um xadrez enigmático,
Ossos de aves desenterrados com zelo por dedos
Frágeis e exímios no fazê-lo
...................................Tágides curtindo a pele
De deuses jovens e imberbes à revelia do tempo.
Vieste como um sopro entre ciprestes
O cheiro de álcool recendia na taverna
Próxima ao monumento erguido à glória dos mortos em guerra.
Trazias um buquê de cartas
E as mãos vazias na suspeição do mistério
Que não compreendeste por estar em ti e em ti apenas
Que não compreendeste porque não se denunciava
Na fatura dos objetos corriqueiros.
Ao redor todas as coisas silenciam
Como se ensaiassem a prece da consubstanciação
Ou simplesmente soubessem
Que não é dado ao homem nessa vida nenhum tipo de revelação.
Vieste
.........Num comboio de ventos rejuvenescida.
Retornaste enfim da terra prometida feita só de promessas.
Abstrata regressas agora
....................................Erigida dos olores de uma gaveta.

 

(...)


Então ele se sentou
No segundo degrau e ficou resmungando
Alguns sons entre a fumaça do cigarro
E os olhos fixos no vazio
Quando eu disse que enfim
Estávamos prestes a fazer uma revolução
De verdade estávamos prestes
A tocar o fio da navalha
E romper o nevoeiro como um risco de faca
Estávamos no melhor dos mundos possíveis
Estávamos a salvos numa sacada
Estávamos longe muito longe
Da grama que crescia sob os pés dos homens
E cobria-lhes o tornozelo no domingo azul
Estávamos sim de fato ali eu e ele
Tecendo o futuro
Em sons agrupados no lábio com saliva branca.

Rimos.
Ele abriu um livro qualquer
Deu dois passos de costas
E o corpo em gangorra caiu do décimo quinto andar.

Na praça ao lado
Velhos iam alimentar os pombos com sementes de girassol.










Rodrigo Petronio nasceu em 1975, em São Paulo. Formou-se em Letras pela USP, onde desenvolve pós-graduação em Literatura Espanhola sobre a obra de Luis de Góngora. É professor de Literaturas Espanhola e Hispano-Americana no Centro Universitário UniA. É um dos organizadores, junto com a poeta Dora Ferreira da Silva, do Centro de Estudos Cavalo Azul, uma entidade sem fins lucrativos que pretende criar um espaço de debate sobre arte, história, psicologia, literatura e outros domínios do conhecimento que fuja aos padrões acadêmicos. Atualmente trabalha como colaborador regular para o jornal Folha de S. Paulo. Escreveu textos críticos para a revista Bravo! e para sites de literatura. Colabora com regularidade para a revista virtual Trópico, para a revista Continente Multicultural e para os jornais Rascunho, Estado de Minas, Jornal do Brasil e O Globo. No ano de 2000 recebeu o prêmio Nascente da USP nas categorias Prosa, com o livro de contos Anavarata, e Poesia, com obra intitulada Eco. Em 2001, recebeu o prêmio Guimarães Rosa de contos, de âmbito internacional, e o prêmio literário Jordão Emerenciano da Secretaria de Cultura de Recife, com o livro de ensaios Transversal do Tempo, publicado pela Imprensa Oficial de Pernambuco. Em 2002, foi congratulado com o prêmio nacional Cataratas, recebeu Menção Honrosa no Prêmio Nacional de Literatura, promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE), e no Prêmio Carlos Drummond de Andrade. Integra a antologia Rattapallax de novos poetas brasileiros, publicada nos EUA em março de 2003. Tem ensaios, poemas e contos publicados nas revistas Cacto, Agulha, Banda Hispânica, Cult, Gargântua, Loquens e Magma, entre outras. É autor do livro de poemas História Natural, publicado pelo selo Gargântua. Prepara novo livro de poemas que será lançado pela editora Girafa e um novo livro de ensaios, O Grão e o Cosmo. Ainda em 2004, será publicado em uma antologia poética na Venezuela e participará de uma seletiva de 10 poetas brasileiros e 10 portugueses, a ser publicada em Portugal e no Brasil.