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Sobre Invasões no carrossel, de Rui Mourão

(Prêmio ABL-Ficção, 2002)

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O exercício proposto pelo romance — e não devemos nos furtar à tentação — é a quase inevitável comparação entre duas individualidades: a do guerrilheiro e a do ex-presidente. Lamarca sugere a recusa total do indivíduo em prol da causa coletiva; Collor parece representar o espírito desenfreado do "laissez-faire, laissez-passé" de forma aguda aplicado à locupletação. O "canto" que aqui encontramos é menos otimista: retrata impiedosamente a impotência do indivíduo diante do desenrolar dos fatos, seja uma rajada de metralhadora ou uma avalanche de denúncias.

 

A paródia, aquela que beira à sátira e ao escândalo, carrega seus tons em duas personagens: Carminha Monteiro e o jornalista Fritz Teixeira de Salles. A mulher que se apaixona pelo candidato das elites na primeira eleição direta para presidente pós-ditadura militar talvez seja a vingança contra os milhões de votos cegos pela beleza anabolizada daquele arremedo de político ou de líder. O certo é que seu campo de ação e influência sobre aquela parcela do eleitorado restringia-se exclusivamente à imagem. Teixeira de Salles é a vingança contra a turma do quarteto poder, a paradoxal mas indispensável imprensa.

 

A característica que perpassa o discurso de boa parte das personagens é a perplexidade. Era esse o sentimento de todos ao súbito e inusitado término do domínio nacional da "república das Alagoas". A reação de Carminha Monteiro — curiosamente soa de forma semelhante a algum nome de "socialite" — ao ver fechar-se o cerco ameaçado sobre seu "amado", ecoa numa outra versão feminina de Dom Quixote. Não se lança contra moinhos, vai à contramão da turba de bandeiras vermelhas e "caras-pintadas" que dominam por completo as principais avenidas dos centros urbanos.

        

 

 
 
agosto, 2006
 
 
 
 
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Publicado originalmente no Suplemento Literário de Minas Gerais,
Editor Anelito de Oliveira, janeiro de 2001
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Adélcio de Souza Cruz nasceu em Belo Horizonte, MG. Músico e pesquisador do NEIA/UFMG (Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade). Doutorando em literatura comparada pela FALE/UFMG.
 
 
 
 
 
Rui Mourão é mineiro de Bambuí. Ao ingressar na Faculdade de Direito, em Belo Horizonte, juntou-se a companheiros que no final da década de 1950 fundariam a revista Tendências, da qual acabou diretor. Tal publicação se consagraria como um dos órgãos mais importantes das vanguardas que agitavam o país. O autor recebeu o Prêmio Cidade de Belo Horizonte por duas vezes; o troféu Francisco Igreja, da UBE do Rio de Janeiro, RJ, com Boca de chafariz, considerado o melhor romance de 1992; o Reconhecimento Especial do Prêmio Pegaso de Literatura para Latinoamérica do Centro Regional para el Fomento del Libro em América Latina y el Caribe — CERLALC, em 1994, com o mesmo livro. Autor de inúmeras obras e ensaios. Diretor do Museu da Inconfidência, Ouro Preto. O romance Invasões do Carrossel recebeu, em 2002, o prêmio de melhor livro de ficção da ABL (Academia Brasileira de Letras).