*

 

Passado são sílabas

verso múltipla unidade

passadas palavras

passando essas páginas viradas.

 

Passeio com a saliva

passo com a língua molhada

Linha-folha-pele

gestos marcam a lembrança

dessa hora e mais nada.

 

 

 

 

*

 

Essa dor

é um desejo

febre, tiro certeiro

 

Dia sem ritmo

noite perdida

estrela sem rumo

 

Esta dor não tem defeito

meio Morse

Dessegredo

 

 

 

 

*

 

Que venha o sono

que venha a treva

essa coisa súbita, essa coisa eterna.

 

Que venha o hino das manhãs

cega luz

Apocalipse no quarto

 

 

 

 

*

 

Silêncio,

sabiá nada aqui deixou

como se fosse à falta de um abraço

imagens fluidas, vozes no calcanhar

miudezas na cômoda

pernas na sala bebendo um chá

soletro momentos

a palavra assassina

 

 

 

 

*

 

Voz

solta aos borbotões

ligeira e fraca

voz que nos eleva

voz que nos esmaga

 

Voz

tateia o silêncio

escurece a parede

embaça o espelho

pede paz

 

Voz

mil vezes algoz

que ora, chora

despede-se de nós

 

 

 
 

*

 

Abarrotado de sol e cansaço

Desço a Rua do Catete

Este século minúsculo me acompanha

Um homem é levado à sua sepultura

Outro caminha com sua textura

 

Tráfego de olhos o acompanha

Retrato de olhos na memória

Moedas, maço de cigarros.

                                Um bigode de São Jorge

Tarde que se desdobra

 

A rua coleciona suas histórias.

 

 

 

 

*

 

Vem de lá o rastro,

flâmulas, velas

e das caravelas eis a sobra:

 

Vem de lá, além-mar e aqui a terra

de lá minh'alma, resíduo Árabe-Lusitano

 

Mas esta terra não tem mar

só tem mangue

eterna rota de ratos

 

Esta terra não tem mar

sempre foi banhada pelo sangue.

 

 

 

 

*

 

Garça sem asas

Pluma nenhuma

Ruínas a 100 quilômetros por hora

 

O bonde Alegria trilhando a Rua Bela

Trem metropolitano rumo à Estação Estácio

O tiro passa, vírus que se alastra

Farelos de Marte

 

 

 

 

*

 

Palavra (a)bru(p)ta.

palavra em riste

passarinho que chora

letras são seu alpiste.

 

 

 

 

*

 

Janela para Montes Claros

Porta para Paracatu

Estrada para Brasília

E muitas terras para Unaí

 

Outros tornos para João Monlevade

Zonas da mata para Juiz de Fora

Outra pastelaria para Santos Dummont

Canaviais sob Ponte Nova

 

Cheias do Rio Grande para Barra

São Francisco para Xique-Xique

Ibotirama, Oliveira dos Brejinhos

Lamarca e suas balsas

 

Grileiros, pistoleiros e fazendeiros

Sindicatos, sem terras e pastorais

Com Elói Ferreira da Silva na memória

 

 

 

 

*

 

Levo na bagagem

A camisa volta ao mundo

Já puída que me deste nos anos 60

E o destino que escolhi:

Detalhe que ninguém olha

Caçador de coisas utópicas

Mas guarde esses demorados beijos

Junto de sua vitrola

Vinho e tubo de cola

Porque daqui a pouco

Os sonhos podem se descolar da razão

 

 

 

 

*

 

Algo que lateja

Bela menina que flora

Cabelos de outras eras

Forma que fecunda

Vestido de amarelas imagens

Como a fera que ruge

Áspera e macia

Fenda de sol e frescor

Sobre o pilar

 

 

[Poemas do livro Pulso]

 

 

 

(imagens © rudy)

 
 
 
 
 
 
paco cac | Paulo Cezar Alves Custódio (Rio de Janeiro/RJ, 1952). Formado em Letras pela UFRJ, é professor de Literatura Brasileira e Portuguesa do CESB, Centro de Ensino Superior do Brasil, Vaparaíso de Goiás/GO. Foi diretor da revista literária Gandaia (RJ, 1976-80) e co-editor da Urbana (1985-91). Autor de Ajustes de contas (RJ, 1977), O Pacífico é sempre Atlântico (Belo Horizonte, 1984), Coleção primavera verão poesia (RJ, Tapete Verde Edições, 1988), Pacto de palavras (Santos, 120 exemplares numerados, ilustração Sonia Cruz, 1993) e Pulso (Brasília, 2004).