é   para  você  que   escrevi  este   livro  /  eu

assumo os poemas / e assino minha  condição

de  poeta  /  derramado  /  a  puro  sangue as

minhas  palavras / orvalho  nascido dos poros

/  sereno  colhido  dos  cabelos / que  importa

se  ousados  e ridículos / os versos  na aurora

dos lábios / nunca mais as mesmas sementes

/ as  mesmas  palavras / a  mesma fala nunca

mais  as  mesmas  lavras / as mesmas searas

nunca  mais  /  a mesma  escrita que habita a

boca de  papel deste  livro / especial é você /

nenhum  aroma como seu perfume / como sua

pele  nenhuma  droga aromática / e seu corpo

de  ouvidos  /  um  corpo virgem de floresta /

ao êxtase as águas

 

 

 

me tornei  a foz de algum  rio distante  /  aos

pedaços me liquefiz / líquido como um aquário

horizontal  /  onde mil  peixes  se   encontram

sob  as vitórias régias  /  faz  noite e um calor

de  mil graus  /  nas  águas  o  fogo  é meu ar

/  e minha terra  é  mais  que meus  pés pelas

ruas  / passeios  onde abri intimamente minha

absurda  quietude  /   cometi   um  incêndio  a

plenos  pulmões /  e as águas lavaram minhas

margens  /  esse poema diz por mim  /  o  que

nenhuma palavra / mesmo ferida e apaixonada

/  jamais  diria  na  ausência  de  meus  verbos

perdidos  /   nas  solas  de  minhas  trilhas  de

andarilho  /  um  deus   sem  pecado  entre  as

carnes  que  me  colorem  a  superfície  /  mais

que esfinge  /  as planícies de minha superfície

sutil  /  minha  clarividência  e minhas sombras

 

 

 

 

e o  rumo mais  certo fosse  o  paraíso  /  e o

desconhecido viesse acompanhado de manual

/  e a flor de  si mesma  /  tivesse  uma nova

órbita  /  porque  a si  mesma se bastou  /  e

dissesse vem  /  meu caule é seu cais  / meu

inesperado é um tipo de densidade  /  que se

dilui no ar  /  ao  etéreo  nesse  chão / passa

por  dentro  /  por  fora  /  entre  e   pernoite

para  sempre  /  volteia e flui  /  nela mora o

aroma  /  oram os arcanos  /  de  um roseiral

em flor  /  um néctar  a infinitos desvarios  /

faz maravilhas  /  orna gestos / volteia e vai

/  inebriada ao êxtase  /  uma pele de lontra

/  para tatear seu interior  /  e mais que  um

cio de estação  /  uma afrodisia  de  inventar

estações / e castelos

 

 
 
 

a  um  pequeno  arco  de  pedras  preciosas /

quem  explica   uma íris   infinita  /  sua  pele

é feita  /  de  células  da  minha  alma  /  sua

epiderme  /  boca  fértil  de beijos / molhados

no crepúsculo  /  tátil  ao   infinito   /  céus  a

boca  que  sorri  afetos / não  promete amores

/ suas costas / para minhas mãos / a ser brisa

/  percorrer  /   campos   montes   campinas  /

seus seios  /  um incêndio  nos dedos  /  meus

olhos  um  fascínio sem destino / pólen nossos

corpos  abertos  em  árvores  /   enigmas  sem

pretensão de  serem decifrados / me abstenho

e  me lanço  /  perfume  ao  banquete /  você /

se  ruínas  me  afligem / flor carnívora  você  /

minha flora  me aflora  /  fluxo me afluxo

 

 

 

meu   versos   verso  /   como   um   jardim

invisível onde nascem romãs / e as cores do

sol /  é sempre sem retorno  /  mas também

é a  paisagem de dentro  /  além das cascas

/  uma galáxia de cores as sementes / lótus

como a lua  / vermelha que habita os trajes

/ meus ultrajes que escolhe em seu guarda-

roupas  /  guarda  uma parte do mundo que

conhece  /  brilha  na  sua  face / as nossas

faces no espelho / entre olhos no vapor das

águas sobre  resistências / me escapa como 

me  escapam  os lírios  na  chuva / e quanto

mais me desnudo / mais me desconhece / e

quando  me descortina me encontra / se me

lhama eu te lhamo / quando me perco / aos

pedaços  sou inteiro  / partido /  retido mas

sempre rútilo / esse mundo ao nada / nossa

catedral natural

 

 

[Do livro Sabra. Belo Horizonte: Anomelivros, 2007]
 
 
 
(imagens ©trinka)
 
 
 
 
 
 
 
Milton César Pontes (Apiaí-SP). Poeta e performer. Estudou pedagogia na UNASP, Engenheiro Coelho-SP. Tem 13 livros publicados, dentre eles Fecundado (1994) e Êxtases aos estames (2007). Tem publicações na revista Apeadeiro, Portugal, Suplemento Literário de Minas Gerais e participa da antologia O achamento de Portugal (Fundação Camões, Anomelivros, 2005). Reside em Belo Horizonte, MG.