pletora é...
Demorei um pouco no arquivo. Eu estava, mesmo, cansado. Quando voltei, ainda, me curvei um minuto inteiro embaixo da mesa antes de chamar o próximo caso. — Sr. Édipo. Expliquei o caso o mais rápido que pude erguendo o microfilme contra a luz sem fazer, no entanto, questão que o sujeito entendesse alguma coisa daquilo. — Sr Édipo, no seu caso o senhor, olha aqui, NÃO está cumprindo o SEU destino mas sendo atropelado pelo destino de toda a humanidade. É o que chamam de busca pela perpetuação da espécie. Quer dizer, o senhor está no meio do caminho do "crescei-vos e multiplicai-vos", que é como falam os velhos evangelhos, entende?
nomes de uma casa passada
À K.
A.
Trancafio-me numa idéia para fugir de outra.
Sou acanhada. Quero ter apenas a justa medida do perfeito.
Um medo terrível de perceber, olhar, encontrar o que não quero.
Depois tenho culpa por não aproveitar o tempo todo que tive,
e, no entanto, não tive esse tempo; e,no entanto, devo conseguir esse tempo todo.
S.
Vou olhar de dentro de meus óculos minha teoria que preparo para nascer.
Poderia estar com os meus (como efetivamente estou) com uma alegria pessoal e não numa necessidade alheia que calculo abaixo de um bigode de sete dias tocada em mim.
Até quando teorias? Até quando a vontade de ser um desses livros do começo ao fim — interpretáveis mas definidos e estampados?
K.
Existe alguém de sorriso sempre amável? Vamos deixar claro o bastante que era um sorriso calhorda e imundo. A má-fé, onde guardava o que tinha de má-fé senão naquele sorriso, em todo seu corpo magro e quebradiço? E, ainda assim, dia a dia, eu tinha de engrossar um coro não sei se desatento, ou igualmente imundo, em seu desagravo. Só agora, escrevendo isso, vejo que foi ali que passei a me considerar um santo, um homem caminhando para o isolamento.
N.
O que preciso é assegurar que tenha algo mais para essas minhas medidas:
uma inflexibilidade festiva
um descontrole vaidoso
uma prontidão calculada
o egoísmo amadurecido
e uma paixão pelo silêncio e pelo tempo que ganha clareza no que virá.
Fábrica de epígrafes, queria falar como posso — mas é pouco, mas é cedo, mas é dissonante e ganancioso, é para que?
Se tentasse assim, aos poucos, ganharia — perdendo idéias demais?
I.O.
O poder das coisas não ditas: o barulho, o movimento e o futuro que elas fazem.
Encontrar uma própria voz e uma certeza clara de por onde vou sozinha.
Cada vez mais distraio-me com os cheiros e as cores que aparecem no caminho de uma tentativa de resposta. Então busco o sentido de uma palavra através de seu som e, repetindo-a de formas diferentes, o que consigo é tirar o sentido da palavra, do som e de mim mesma.
à angústia de rimbaud
É bem provável que a angústia me faça perdoar
quem dia-a-dia esmaga as próprias ambições.
Há algum porquê em aceitar, com todo o ser,
tornar-se um indigente?
Um fim cômodo é sobre o que sei.
E que um dia de êxito é o bastante
para se ver que não existe nada mais do que
apenas os próprios dias.
Mas há as palmas, os diamantes, amor, força,
todas as alegrias e glórias.
Há todas as partes e todo o mundo.
Deuses e demônios.
A juventude, meu eu.
Há magos e atores,
pessoas que levam presentes a crianças recém-nascidas
e a gente que se engana para acreditarem os outros.
Mas essa mesma angústia que nos torna gentis,
nos faz imaginar que correr para o nosso próprio fim
ou à confusão foi uma opção.
Correr e, sem mais nenhum fôlego,
acreditar que ainda há uma comprida travessa e música.
raio
Por que o receio?
Desnudei meu cérebro à luz do dia:
Ali estavam os tais heróis.
Era deprimente aquilo.
Haviam se afundado, sim,
em busca de uma dose violenta de
qualquer coisa, estavam, sim,
bebendo cerveja já choca
sentados em capengas bancos de madeira,
assistindo a uma cebola ser chutada no asfalto,
e quando o que tinha os pés mais inchados
[se levantou,
tinham longas e edificantes mensagens sobre a vida em que
sempre faltava o verbo, e voltou com um livro sem capa
(era "Uivo", de Allen Ginsberg), uma dor difusa
levou a mão em meu estômago e eu tive, assim,
um dó assustado até de mim mesmo.
Despedindo-se quieta, a angústia,
a pior das palavras, a tal catedral
sem esperança
— Esse é o tipo de luz que
Eu queria encontrar uma ficha, enfiá-la
numa máquina e, de caso pensado, inventar
uma cena.
kavidk
Num dia quente que leva o sol a recuar
meio passo atrás depois de ter visto
o que ele próprio faz aqui embaixo num dia como todos
cansado de gente trabalhando para cima e para baixo.
Um dia que tem desejo próprio: a metade do dia
seja sempre, num dia com gente levando flores nos braços
em cortejo silente.
Não é para meu túmulo ou para os dois velórios
que sei ter havido nessa semana.
Flores para surpreender.
— Os homens têm vontades semelhantes e poderes diferentes?
**
Ouve a história jogando com o ar.
Tem medo de ficar
e se desespera com a idéia de passar.
Chegamos ao sótão escuro,
quartos com papel-de-parede recém-aplicado,
pensões dirigidas por uma sra. Grubach
e também à sarapalha no mínimo tempo de inversão
do dijuntor de uma luz elétrica.
No chão castanho, sobre a grande pedra,
eu a vi doce domesticar o antigo crocodilo.
Eu lia ali: Eu sou a distância dos excessos
Mas sou o próprio excesso.
Ao homem — esse que depende de uma segunda realidade.
E ao telefone — essa invenção que pretende ser dela a missão
de introduzir um conflito novo.
(imagens ©nanette
hooslag)