Fome


teus olhos
são duas lamparinas
enriquecidas na
dinastia
dos açudes

 

teu sexo
também digo
cuia de precipício
ou
estrada de buquês inesgotáveis
redime
o meu humano alvoroço

 

tua pele
flora mais florida
carrega os mandamentos
da terra morena

 

teus lábios
talismãs acesos
tem as escrituras do vinho
e aqui
começa o reino do poema
sem cabresto

 

teus seios
pérolas
de mil sóis enfurecidos
alumiam as antigas
cantigas de ninar

 

teu nome
verbo soberano
porque é fogo solidário
lúcido
como o princípio da chuva.

 

 

 

 

 

 

 

PUTA, por um segundo

 

 

e os seios ali     
                       pedindo um batismo febril.                 
                e que uma boca, mesmo desconhecida,
pousasse insana sobre aquele aluvião
                                             de carnes.

queria naufragar. arrebentar toda castidade
                                              imposta

 

 

 

 

 

 

Primeiro incêndio


em janeiro o nascimento
da chuva
liberta a angústia
do camponês.
O vagido da fome vai
embora quando o pendão
do milho verde se reacende

 

A esperança se torna
húmus abençoado.
O sertão se torna
uma articulada pátria
de serenatas.

 

em janeiro
busco a oferenda
dos teus seios
(maçãs conservadas
na oitava sinfonia do fogo).

 

 

 

 

 

 


AO PRONUNCIAR TEU NOME AMPARO O QUE RESTA DO FOGO

 

 

quando digo carne
                          trago a
                          lembrança dos
                          teus pés
                          transportando
                          a rotina do mel
quando digo pérola
                          teu riso é
                          mangará se
                          abrindo na queimadura
                          da terra
quando digo cama
                          entenda priquito
                          em relincho. fôlego
                          em fenda apartada
                          no pau

 

 

(imagem ©tobias bernhard)

 
 
 
 
 
 

Mario Cezar. Nascido entre grotas, no interior do Ceará, em 1964. Ano de tosses, das brabas. Resolveu espetar palavras, para não permitir que o ronco da fome aniquilasse o resto de sangue. Publicou Coivara e Maturi. Edita o blogue Faca de Fogo.

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