A bunda, que engraçada

 

A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

 

Não lhe importa o que vai

pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora — murmura a bunda — esses garotos

ainda lhes falta muito que estudar.

 

A bunda são duas luas gêmeas

em rotundo meneio. Anda por si

na cadência mimosa, no milagre

de ser duas em uma, plenamente.

 

A bunda se diverte

por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas

avolumam-se, descem. Ondas batendo

numa praia infinita.

 

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz

na carícia de ser e balançar

Esferas harmoniosas sobre o caos.

 

A bunda é a bunda

redunda.

 

 

 

 

 

 

 

A língua lambe

 

A língua lambe as pétalas vermelhas

da rosa pluriaberta; a língua lavra

certo oculto botão, e vai tecendo

lépidas variações de leves ritmos.

 

E lambe, lambilonga, lambilenta,

a licorina gruta cabeluda,

e, quanto mais lambente, mais ativa,

atinge o céu do céu, entre gemidos,

 

entre gritos, balidos e rugidos

de leões na floresta, enfurecidos.

 

 

 

 

 

 

Sugar e ser sugado pelo amor

 

Sugar e ser sugado pelo amor

no mesmo instante boca milvalente

o corpo dois em um o gozo pleno

que não pertence a mim nem te pertence

um gozo de fusão difusa transfusão

o lamber o chupar o ser chupado

no mesmo espasmo

é tudo boca boca boca boca

sessenta e nove vezes boquilíngua.

 

 

 

 

 

 

Não quero ser o último a comer-te

 

Não quero ser o último a comer-te.

Se em tempo não ousei, agora é tarde.

Nem sopra a flama antiga nem beber-te

aplacaria sede que não arde

 

em minha boca seca de querer-te,

de desejar-te tanto e sem alarde,

fome que não sofria padecer-te

assim pasto de tantos, e eu covarde

 

a esperar que limpasses toda a gala

que por teu corpo e alma ainda resvala,

e chegasses, intata, renascida,

 

para travar comigo a luta extrema

que fizesse de toda a nossa vida

um chamejante, universal poema.

 

 

 

 

 

 

 

No corpo feminino, esse retiro

 

No corpo feminino, esse retiro

— a doce bunda — é ainda o que prefiro.

A ela, meu mais íntimo suspiro,

pois tanto mais a apalpo quanto a miro.

 

Que tanto mais a quero, se me firo

em unhas protestantes, e respiro

a brisa dos planetas, no seu giro

lento, violento... Então, se ponho e tiro

 

a mão em concha — a mão, sábio papiro,

iluminando o gozo, qual lampiro,

ou se, dessedentado, já me estiro,

 

me penso, me restauro, me confiro,

o sentimento da morte eis que o adquiro:

de rola, a bunda torna-se vampiro.

 

 

 

 

 

 

 

Amor — pois que é palavra essencial

 

Amor — pois que é palavra essencial

comece esta canção e tudo a envolva.

Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,

Reúna alma e desejo, membro e vulva.

 

Quem ousará dizer que ele é só alma?

Quem não sente no corpo a alma a expandir-se

até desabrochar em puro grito

de orgasmo, num instante de infinito?

 

O corpo noutro corpo entrelaçado,

Fundido, dissolvido, volta à origem

Dos seres, que Platão viu contemplados:

é um, perfeito em dois; são dois em um.

 

Integração na cama ou já no cosmo?

Onde termina o quarto e chega aos astros?

Que força em nossos flancos nos transporta

a essa extrema região, etérea, eterna?

 

Ao delicioso toque do clitóris,

já tudo se transforma, num relâmpago.

Em pequenino ponto desse corpo,

a fonte, o fogo, o mel se concentram.

 

Vai a penetração rompendo nuvens

e devassando sóis tão fulgurantes

que nunca a vista humana os suportara

mas, varado de luz, o coito segue.

 

E prossegue e se espraia de tal sorte

que, além de nós, além da própria vida,

como ativa abstração que se faz carne,

a idéia de gozar está gozando.

 

E num sofrer de gozo entre palavras,

menos que isto, sons, arquejos, ais,

um só espasmo em nós atinge o clímax:

é quando o amor morre de amor, divino.

 

Quantas vezes morremos um no outro,

no úmido subterrâneo da vagina,

nessa morte mais suave do que o sono:

a pausa dos sentidos, satisfeita.

 

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,

estendidos na cama, qual estátuas

vestidas de suor, agradecendo

o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

 

 

 

 

 

 

 

 

No mármore de tua bunda

 

No mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio.

Agora que nos separamos, minha morte já não me pertence.

Tu a levaste contigo.

 

 

 

 

 

 

Mimosa boca errante

 

Mimosa boca errante

à superfície até achar o ponto

em que te apraz colher o fruto em fogo

que não será comido mas fruído

até se lhe esgotar o sumo cálido

e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,

mas rorejando a baba de delícias

que fruto e boca se permitem, dádiva.

 

Boca mimosa e sábia,

impaciente de sugar e clausurar

inteiro, em ti, o talo rígido

mas varado de gozo ao confinar-se

no limitado espaço que ofereces

a seu volume e jato apaixonados

como podes tornar-te, assim aberta,

recurvo céu infindo e sepultura?

 

Mimosa boca e santa,

que devagar vais desfolhando a líquida

espuma do prazer em rito mudo,

lenta-lambente-lambilusamente

ligada à forma ereta qual se fossem

a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,

oh chega, chega, chega de beber-me,

de matar-me, e, na morte, de viver-me.

 

Já sei a eternidade: é puro orgasmo.

 

 

 

 

 

 

Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas

 

Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas

detêm a mão ansiosa: Devagar.

Cada pétala ou sépala seja lentamente

acariciada, céu; e a vista pouse,

beijo abstrato, antes do beijo ritual,

na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.

 

 

 

 

 

 

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça

 

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça

de magnificar meu membro.

Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos

em posição devota.

O que passou não é passado morto.

Para sempre e um dia

o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.

 

Hoje não estás nem sei onde estarás,

na total impossibilidade de gesto ou comunicação.

Não te vejo não te escuto não te aperto

mas tua boca está presente, adorando.

 

Adorando.

 

Nunca pensei ter entre as coxas um deus.

 

 

 

 

 

 

Quando desejos outros é que falam

 

Quando desejos outros é que falam

e o rigor do apetite mais se aguça,

despetalam-se as pétalas do ânus

à lenta introdução do membro longo.

Ele avança, recua, e a via estreita

vai transformando em dúlcida paragem.

 

Mulher, dupla mulher, há no teu âmago

ocultas melodias ovidianas.

 

 

 

 

 

 

As mulheres gulosas

 

As mulheres gulosas

que chupam picolé

— diz um sábio que sabe —

são mulheres carentes

e o chupam lentamente

qual se vara chupassem,

e ao chupá-lo já sabem

que presto se desfaz

na falácia do gozo

o picolé fuginte

como se esfaz na mente

o imaginário pênis.

 

 

 

 

 

 

A castidade com que abria as coxas

 

A castidade com que abria as coxas

e reluzia a sua flora brava.

Na mansuetude das ovelhas mochas,

e tão estreita, como se alargava.

 

Ah, coito, coito, morte de tão vida,

sepultura na grama, sem dizeres.

Em minha ardente substância esvaída,

eu não era ninguém e era mil seres

 

em mim ressuscitados. Era Adão,

primeiro gesto nu ante a primeira

negritude de corpo feminino.

 

Roupa e tempo jaziam pelo chão.

E nem restava mais o mundo, à beira

dessa moita orvalhada, nem destino.

 

 

 

 

 

 

De arredio motel em colcha de damasco

 

De arredio motel em colcha de damasco

viste em mim teu pai morto, e brincamos de incesto.

A morte, entre nós dois, tinha parte no coito.

O brinco era violento, misto de gozo e asco,

e nunca mais, depois, nos fitamos no rosto.

 

 

 

 

 

 

No pequeno museu sentimental

 

No pequeno museu sentimental

os fios de cabelo religados

por laços mínimos de fita

são tudo que dos montes hoje resta,

visitados por mim, montes de Vênus.

 

Apalpo, acaricio a flora negra,

a negra continua, nesse branco

total do tempo extinto

em que eu, pastor felante, apascentava

caracóis perfumados, anéis negros,

cobrinhas passionais, junto do espelho

que com elas rimava, num clarão.

 

Os movimentos vivos no pretérito

enroscam-se nos fios que me falam

de perdidos arquejos renascentes

em beijos que da boca deslizavam

para o abismo de flores e resinas.

 

Vou beijando a memória desses beijos.

 

 

 

 

 

 

Era bom alisar seu traseiro marmóreo

 

Era bom alisar seu traseiro marmóreo

e nele soletrar meu destino completo:

paixão, volúpia, dor, vida e morte beijando-se

em alvos esponsais numa curva infinita.

 

Era amargo sentir em seu frio traseiro

a cor do outro final, a esférica renúncia

a toda aspiração de amá-la de outra forma.

Só a bunda existia, o resto era miragem.

 

 

 

 

 

 

O que se passa na cama 

 

(O que se passa na cama

é segredo de quem ama.)

É segredo de quem ama

não conhecer pela rama

gozo que seja profundo,

elaborado na terra

e tão fora deste mundo

que o corpo, encontrando o corpo

e por ele navegando,

atinge a paz de outro horto,

noutro mundo: paz de morto,

nirvana, sono do pênis.

 

Ai, cama canção de cuna,

dorme, menina, nanana,

dorme onça suçuarana,

dorme cândida vagina,

dorme a última sirena

ou a penúltima… O pênis

dorme, puma, americana

fera exausta. Dorme, fulva

grinalda de tua vulva.

 

E silenciem os que amam,

entre lençol e cortina

ainda úmidos de sêmen,

estes segredos de cama.

 

 

 

 

 

 
 
 
 
 

Você meu mundo meu relógio de não marcar horas

 

 

Você meu mundo meu relógio de não marcar horas; de esquecê-las. Você meu andar meu ar meu comer meu descomer. Minha paz de espadas acesas. Meu sono festival meu acordar entre girândolas. Meu banho quente morno frio quente pelando. Minha pele total. Minhas unhas afiadas aceradas aciduladas. Meu sabor de veneno. Minhas cartas marcadas que se desmarcam e voam. Meu suplício. Minha mansa onça pintada pulando. Minha saliva minha língua passeadeira possessiva meu esfregar de barriga em barriga. Meu perder-me entre pêlos algas águas ardências. Meu pênis submerso. Túnel cova cova cova cada vez mais funda estreita mais mais. Meus gemidos gritos uivos guais guinchos miados ofegos ah oh ai ui nhem ahah minha evaporação meu suicídio gozoso glorioso.

 

 

 

 

A língua girava no céu da boca

 

 

A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único. O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-se nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu. Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós. A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor.

 

 

 

 

Oh minha senhora

Ó minha senhora

 

 

Oh minha senhora ó minha senhora oh não se incomode senhora minha não faça isso eu lhe peço eu lhe suplico por Deus nosso redentor minha senhora não dê importância a um simples mortal vagabundo como eu que nem mereço a glória de quanto mais de... não não não minha senhora não me desabotoe a braguilha não precisa também se despir o que é isso é verdadeiramente fora de normas e eu não estou absolutamente preparado para semelhante emoção ou comoção sei lá minha senhora nem sei mais o que digo eu disse alguma coisa? sinto-me sem palavras sem fôlego sem saliva para molhar a língua e ensaiar um discurso coerente na linha do desejo sinto-me desamparado do Divino Espírito Santo minha senhora eu eu eu ó minha senh... esses seios são seus ou é uma aparição e esses pêlos essas nád... tanta nudez me deixa naufragado me mata me pulveriza louvado bendito seja Deus é o fim do mundo desabando no meu fim eu eu...

 

 

 
(imagens©jeanloup sieff)