O email avisa que 18 de junho é o Dia do Orgulho Autista e, imediatamente, o poema do Linaldo Guedes pula diante dos olhos, como um boneco de mola:

Carrossel de silêncio

 

meu filho fala sozinho

 

no meio das crianças
costuma brincar com ninguém

 

finge-se de gato
imita o cachorro

 

au
au
au
autista

 

(e o mundo finge que ele não existe).
                               

Jim  Sinclair, autista asperger, adulto, não deixa dúvida: "A tragédia não é porque estamos aqui, mas porque o seu mundo não tem lugar para que nós existamos".
 
Espalhado no tapete, o jornal exibe em letras grandes: Sartre Renasce das Cinzas, título da ampla reportagem dedicada a Jean-Paul Sartre que faria, no dia 21, 100 anos. Ele, que assim explica a visão existencialista do cartesiano cogito ergo sum: o outro é a condição para minha existência; só atingimos a nós próprios através do outro; é o olhar do outro que me objetiva; não sou nada, sem o seu reconhecimento.

 

Uma caída brusca na temperatura anuncia que logo a tarde finda e um mural de delicados tons lilás e rosa começa a fazer fundo à cidade. Um casal de quase centenários, juntos há oito décadas, explica, na tevê, o segredo de uma relação tão bem sucedida. Ela fala em respeito, compreensão, em sempre estar juntos, na tolerância e no acolhimento. Ele — engraçadinho — diz que tudo se deve a duas palavras mágicas: Sim, querida.  E depois se dão as mãos e sorriem um para o outro, com ternura. Nem mesmo foi preciso falar a palavra amor.
 
Germina sorri, brinda ao amor e ao dia 18 que se aproxima. Excelente Barolo. Depois se concentra no que tem diante de si: Como no Céu/Livro de Visitas, do poeta Fabrício Carpinejar. Um homem, enfim, que adora discutir a relação. Não bastasse, em versos.

 

 

 

junho, 2005