FAMÍLIA

Uns moleques provocam
a menina pública
de olheiras decotadas

Perseguidora improvável desenhando
um zigue-zague de correrias e gargalhadas

Imaginei um sorriso
sangrado de seu rosto
instante dela
quase mãe

Divertindo os meninos
como sempre

 


NO DUCENTÉSIMO PRIMEIRO DIA

É para continuar pensando nisso?
Tá...

Já espatifei 200 vezes o mesmo copo
Onde celebramos, tinindo
Tudo quando foi data
Que ela gostava sempre

Cada pedaço saltitante
Não só me arranca feridas dos pés
(Porque eu ainda piso)
Mas corre um para cada lado

Têm força os malditos
Força e distância escondida

Toca ajoelhar
Toca reunir tudo
Toca abrir a lixeira

E no dia seguinte...
Lá está o copo
Tinindo

Fazer o quê?
Tenho sede

 


REGAÇO

arranca isso
desliga tudo

vou voar pelos corredores
empurrando essa cama
lavado em febre

ainda de olhos fechados
ainda sem responder
ainda com a boca ocupada
a cabeça lacrada

mas cá estou
como se tivesse sido
tocado por mulher

e lá na frente
a vidraça

arranca isso
desliga tudo

vem deitar

 


VISITA

Usei a mão para deter o ato
de percutir o crânio amigo

Hesito
Vou acordar tudo lá dentro

Melhor escolher um ritmo
talvez um machado
invés da noz do dedo

Mas aí o que era calota
vira maçã
metades desmaiando

Medão mesmo
é do croque não ressoar oco

 


DE FORMA DE GENTE

Parede esferográfica
De fincar dedos
Distraída de todos
Compassiva

Cortina plantada e honesta
Esconde sem promessa
Tanta minúcia vaga
Que o seu sussurrar supera
O alarido de uma janela

 


SUBSTÂNCIA

em mim
esparramou-se uma poça
que não seca

um curativo colado
levará parte da própria obra
no passo atrás
e no recomeço

película interior
de fazer rasgos

devo cuspir
esses grampos todos?

 

(imagem ©blue25)

 

 

Claudio de Carvalho Rossi é poeta e psicanalista. Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Atua em consultório particular e junto ao Poder Judiciário do Estado de São Paulo. Tem poemas publicados na Jandira — Revista de Literatura e no Cronópios. Edita o blogue Vanilóquio.